Gana e Argélia tentam frear frustrações e dar campanha inédita à África

Guilherme Costa

Do UOL, em Cuiabá (MT)

  • REUTERS/Ueslei Marcelino

    Kevin-Prince Boateng não suporta o calor durante treino de Gana em Brasília

    Kevin-Prince Boateng não suporta o calor durante treino de Gana em Brasília

Gana esteve a um lance de fazer história no dia 2 de julho de 2010. Uma bola que morreria nas redes, mas encontrou no meio do caminho as mãos do uruguaio Luis Suárez. Pênalti. Quando Asamoah Gyan correu para a cobrança, a festa já havia dominado das arquibancadas do estádio Soccer City, em Johanesburgo. O chute dele não carregava apenas as esperanças dos torcedores ganeses, mas de todo o continente africano, que nunca havia conduzido um time a uma semifinal de Copa e tinha ali o remanescente daquela edição. E tudo isso bateu na trave do goleiro Muslera, que depois foi herói da classificação sul-americana nas penalidades. Nesta quinta-feira, Gana estará mais uma vez no caminho da história. Os Estrelas Negras e a Argélia ainda tentam classificação para as oitavas de final do Mundial de 2014 – a África nunca teve mais de um representante nessa fase. E isso fortaleceu uma dúvida sobre o real papel que os africanos desempenham na competição: eles são o continente da festa, das decepções, das crises ou de uma evolução consistente?

O primeiro time africano a disputar uma Copa foi o Egito, que fez apenas um jogo em 1934 (derrota por 4 a 2 para a Hungria). O continente só obteve a primeira vitória no torneio em 1978, quando a Tunísia bateu o México por 3 a 1. Quatro anos antes, o Zaire (atual República Democrática do Congo) havia feito campanha que representava o que a África era para o futebol mundial naquela altura: três reveses em três partidas, sem gols anotados, com direito a ter sido goleado por 9 a 0 pela Iugoslávia.

A história dos africanos na Copa começou a mudar em 1982, quando a Argélia esteve muito perto de passar da fase de grupos (foram duas vitórias e uma derrota em três jogos). Contudo, quem mais chamou atenção naquele ano foi a seleção de Camarões, que empatou suas três partidas. O time do meio-campista Abega e do centroavante Roger Milla era representante de um futebol alegre, ofensivo e cheio de dancinhas. O tal "estilo africano" dava sinais de que podia ser competitivo no mais alto nível.

Em 1986, Camarões não conseguiu sequer classificação para a Copa. A seleção africana voltou ao torneio em 1990, quando bateu Argentina, Romênia e Colômbia para chegar às quartas de final e ser superada pela Inglaterra. Era mais um sinal de evolução.

Toda essa evolução fez de Camarões a primeira grande decepção africana em Copas. A seleção que podia ter dado muito ao continente africano nunca mais passou da primeira fase. Foi assim em 1994, 1998, 2002, 2010 e 2014. Em 2006, nem à fase de grupos eles chegaram. "As pessoas acham que a África está lá apenas para compor o espetáculo", disse o camaronês Samuel Eto'o em entrevista coletiva concedida em maio deste ano – portanto, antes do início da Copa de 2014.

No Brasil, espetáculo foi a última coisa que Camarões proporcionou. Antes da viagem, jogadores discordaram da premiação oferecida pela federação local e ameaçaram não embarcar. O clima ruim foi um dos elementos de uma campanha extremamente negativa no Mundial de 2014 (três derrotas em três jogos, com um gol feito e nove sofridos). "Muitos viram o comportamento que é inaceitável. Isso ficou bastante claro para nós", avaliou o alemão Volker Finke, técnico da equipe africana.

Os jogadores da seleção de Gana também ameaçaram boicotar a Copa de 2014. Eles exigiam pagamento de bonificação por partida disputada na competição. Até quinta-feira, cogitavam não entrar em campo na última rodada da fase de grupos, contra Portugal, nesta sexta. O plano de ação para conter a crise envolveu acordos entre governos e um avião que chegou a Brasília por volta de 20h com o dinheiro cobrado pelos atletas – US$ 3 milhões (R$ 6,7 milhões), segundo a agência de notícias "AFP".

Em 2006 e 2010, Gana foi a única seleção africana que passou da fase de grupos da Copa do Mundo. Para repetir o feito em 2014, os Estrelas Negras precisam vencer Portugal às 13h desta quinta-feira, em Brasília, e ainda torcem por um revés dos Estados Unidos no duelo com a Alemanha.

Depois de chegar duas vezes às quartas de final, Gana tem mais uma chance de mostrar que é um postulante real às primeiras posições da Copa do Mundo. As dancinhas eternizadas por Camarões em 1990 fazem parte do passado do continente africano. Agora, falta transformar a seriedade em resultados expressivos.

O pior é que a lista de decepções proporcionadas pelo continente africano não se restringe à seleção ganesa. Basta lembrar o histórico de Costa do Marfim, seleção que conta com nomes badalados como Drogba, Gervinho e os irmãos Kolo e Yaya Toure. Essa geração esteve em três edições da Copa (2006, 2010 e 2014), mas nunca passou da fase de grupos. Nesse intervalo, ainda colecionou resultados como uma derrota para Zâmbia na decisão da Copa Africana de Nações de 2012.

E o que dizer de Senegal, que estreou em Copas em 2002 com uma vitória sobre a França, então campeã, e avançou às oitavas de final num grupo que eliminou os gauleses e o Uruguai? Os senegaleses chegaram às quartas naquele ano e perderam para a Turquia. Nunca mais voltaram ao Mundial.

São vários os exemplos de seleções africanas que prometem sucesso, dão impressão de que vão emplacar e depois naufragam de forma contundente. Também são vários os casos de crises que se sobrepõem ao futebol nos países dessa região. E uma coisa tem relação direta com a outra.

A Nigéria, por exemplo, teve um problema de grandes proporções em 2013. Com o país mergulhado em crise financeira, a federação local cortou a premiação do elenco que disputaria a Copa das Confederações. Como consequência, jogadores ameaçaram não viajar ao Brasil. Foram demovidos, mas isso não foi suficiente para ajudar em campo. Em três jogos, os africanos somaram uma vitória por 6 a 1 sobre o Taiti e derrotas para Uruguai (2 a 1) e Espanha (3 a 0).

Como acontece com muitos países africanos, a Nigéria é formada por mais de uma centena de etnias. As relações internas são muito frágeis, e o sentido de nacionalismo é algo menos consolidado do que acontece em regiões como a América do Sul. A Copa do Mundo é um reflexo disso.

Curiosamente, mesmo em meio a tantos conflitos, os africanos têm um sentimento de orgulho do continente. "Os líderes do futebol não nos respeitam, e os nossos adversários não nos respeitam, mas a África deve lutar para ir o mais longe possível", disse Eto'o. "Os times que estão na Copa estão jogando também pela chance de dar alegrias ao povo africano", completou o técnico Stephen Keshi, que comanda a seleção nigeriana.

Todo esse orguho continental começará a ser testado nesta quinta-feira. Se conseguir classificar três times para as oitavas de final, a África manterá vivo o sonho de colocar um time nas semifinais da Copa pela primeira vez na história – feito que até a Ásia, com a Coreia do Sul de 2002, já conseguiu. Gana e Argélia não jogarão apenas por vagas, mas por história.

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