Exclusivo: chileno conta como invadiu Maracanã, viu o jogo e escapou

Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

Oitenta e sete torcedores chilenos e um argentino foram detidos na quarta-feira após invadirem o Maracanã do jogo entre Chile e Espanha pela Copa do Mundo de 2014. O número de pessoas que entrou no estádio sem ingresso, entretanto, foi bem maior do que o número de fãs pegos pela polícia.

O UOL Esporte conversou com um dos chilenos que entrou no Maracanã e escapou. Sob condição de anonimato, ele falou com a reportagem em frente à Cidade da Polícia do Rio de Janeiro. "Seria muito complicado revelar meu nome. Sou professor lá no Chile. Ficaria chato para mim se soubessem que um professor invadiu um estádio", diz.  Ele contou sua história enquanto esperava a liberação de três colegas que invadiram o estádio junto com ele, mas que acabaram detidos.

"Eu estava perto do Maracanã com mais cinco amigos. Viemos juntos do Chile, num carro. Saímos de Santiago no dia 5 de junho para assistir à Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Já havíamos assistido ao jogo entre Chile e Austrália em Cuiabá. Tínhamos ingresso para esse jogo. Não tínhamos ingresso para o jogo de quarta. Pensávamos em comprar no Rio.

Chegamos aqui [no Rio] no sábado. Desde então, passamos a procurar ingressos. Estávamos dispostos a pagar até U$ 800 dólares por um tíquete. Só encontramos pessoas vendendo bilhetes a partir de U$ 1.300. Não podíamos pagar. Mesmo assim, decidimos ir até ao Maracanã.

Chegamos ao estádio por volta das 13h45, mais de duas horas antes do jogo. Ainda tentamos mais uma vez comprar entradas. Por volta das 14h, já havíamos desistido. Decidimos então a pensar numa forma de entrar no estádio a todo custo. Estávamos dispostos a invadir se fosse o caso.

Começamos então a planejar nossa entrada. Andamos por todo entorno do estádio tentando encontrar uma forma mais fácil de entrar. Às 14h30, percebemos que o mais fácil seria invadir pelo acesso da imprensa. Ali era onde menos havia segurança. Era por ali que tentaríamos.

Percebemos então que, do lado da entrada dos jornalistas, ao lado de onde eles checam as credenciais e fazem as revistas, havia um portão. Esse portão estava preso por uma corda de plástico. Não havia corrente. Paramos ali e, com um isqueiro, cortamos essa corda. Era 15h. Paramos em frente ao portão.

Juntos, então, passamos a 'proteger' aquela entrada. Ficamos ali parados, como se fossemos seguranças, para que ninguém percebesse que o portão estava aberto e para que ninguém batesse nele. Se alguém empurrasse o portão, ele abriria. Estava solto.

Daí começamos a chamar mais gente. Queríamos entrar em grupo. Havia muitos chilenos sem ingresso no entorno do estádio. Era muita gente mesmo. Todos queriam comprar ingresso, mas não podiam pagar. Nos dividimos. Eu e mais um ficamos em frente ao portão. Os outros foram falando com outros chilenos, um por um.

De repente, tínhamos muitos chilenos aglomerados ali. Eram uns 200 ou 300. Não dava para contar. Todos ficaram um pouco distante do portão para não levantar suspeita. Eu fiquei ali parado, só esperando a hora em que íamos entrar.

Faltavam alguns minutos para o jogo. Havia chegado a hora. Começamos a cantar, inflamar a torcida. Todos estavam muito agitados e, de repente, já. Contamos "3, 2, 1" e abrimos a porta. Todo mundo correu para dentro. Nem sabíamos direito para onde estávamos indo.

Eu corri para a entrada da sala de imprensa do Maracanã com todo mundo. Havia uma porta de vidro. Nós abrimos.

De repente, então, estávamos na sala de imprensa. Ninguém sabia onde era o gramado, onde era a arquibancada. A sala de imprensa era enorme. Alguém correu para o lado direito da sala. Eu e meus amigos fomos juntos.

Chegamos ao fim da sala. Não vimos nada. Nem campo nem torcedor. Aí um jornalista virou e disse: 'é para o outro lado'. Ele apontou uma porta de ferro do outro lado da sala. Não sei de onde ele era. Não sei se era chileno. Sei que era um jornalista barbudo e latino. Falou espanhol. Somos gratos a ele. Ele nos ajudou.

Todo mundo virou e correu para o outro lado. Cruzamos a sala de imprensa. Os jornalistas todos estavam tirando foto, filmando e a gente correndo. Acho que já tem foto nossa espalhada pelo mundo inteiro. Era muita fotografia. Mas já estávamos lá. Tínhamos que continuar.

Cheguei com outras pessoas no portão de ferro na frente de um túnel, no fim da sala de imprensa. Alguém deu um chute na porta e abriu. Os seguranças não puderam fazer nada. Eram muito poucos. A gente estava numa multidão.

Corremos pelo túnel e demos numa encruzilhada. Aí também ninguém sabia para onde ir. Alguns correram para o lado esquerdo e outro para o lado direito. Três dos meus amigos foram para a esquerda. Foram pegos. Todos que correram a esquerda foram presos. Eu corri para a direita. Estou aqui [risos].

Quando eu virei, entrei num outro túnel. Lá no fim, tinha um segurança, sozinho. O vimos e desaceleramos. Estava com dois amigos. Cheguei perto dele com medo. Aí, aconteceu uma coisa muito engraçada: o segurança abriu caminho para gente. Deu com a mão como se fazendo uma gentileza para que passássemos. Ele estava tão gentil que um amigo até tocou na credencial dele. Começou a tira-la do pescoço do segurança. Ele só falou 'isso não' e passamos.

Caímos, então, dentro do gramado. Já nem sei quantos erámos. Eu e meus dois amigos seguíamos juntos. Corremos beirando o campo, ao lado da arquibancada. Vimos uma escada do campo para a torcida. Um segurança abriu espaço para que pudéssemos subir as escadas e entrar na arquibancada. Acho que ele não sabia o que estava acontecendo.

Entramos nas arquibancadas e começamos a subir as escadarias para entrar no meio da torcida. Percebi então que os seguranças se deram conta do que estava acontecendo. Enquanto subíamos as escadas correndo, alguns começaram a puxar a gente para baixo.

Um me pegou. Tentei me soltar. O estádio já estava lotado. Eu comecei a me debater. Acho que o segurança ficou com medo de eu machucar alguém. Acabou me soltando. Depois, até me empurrou para cima. Acho que viu que já não tinham mais o que fazer.

Eu cheguei ao meio da arquibancada. Vi um lugar vazio e sentei. Todos sentaram. De vez em quando, aparecia um torcedor com o ingresso da cadeira para reclamar. A gente saia. Simplesmente ia para outro lugar. Não tivemos mais problema.

Amigo, viajei 7 mil quilômetros de carro. Saí de Santiago e vim até o Rio de Janeiro por causa dessa Copa. Não tinha como eu não assistir ao jogo contra a Espanha. E assisti.

Vi os dois gols. A torcida estava fantástica. Já estamos na próxima fase do Mundial.

Sei que fiz uma coisa errada. Sou professor, funcionário público estadual. É por isso não posso me identificar. De todo jeito, essa já é minha história desta Copa.

Tenho três amigos aí dentro [detidos]. Disseram que eles têm que deixar o país em 72 horas. Estávamos pensando em ficar aqui no Brasil até o dia 7 de julho. Acho que teremos que voltar. Paciência. Mas tenho uma coisa a dizer: esse foi meu Maracanazo."

Todos os torcedores chilenos detidos na quarta-feira foram liberados cerca de oito horas depois. Eles têm 72 horas para deixar o Brasil.

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