Chuí elege o "inimigo". Brasileiros e uruguaios torcem juntos e secam Messi

Bruno Freitas

Do UOL, no Chuí (RS)

Do Oiapoque ao Chuí é o tipo de expressão que se usa diversas vezes na vida, mas estar em um desses extremos brasileiros enfim confere vida ao que se diz. Com pouco mais de 5 mil habitantes, a cidade mais ao sul do país curtiu a estreia da seleção na Copa do Mundo com euforia contida, mas revelando uma parceria informal com o lado de lá da fronteira, o uruguaio. E como a rivalidade entre os vizinhos é fria, o velho esporte de torcer contra alguém acaba direcionado à Argentina de Messi.

Mais próxima de Montevidéu (347 km) do que de Porto Alegre (525 km), a Chuí brasileira convive sem constrangimento com a influência uruguaia. Dos dois lados, rádios e comércio usam o português e o castelhano para sobreviver. Em roda de amigos nas ruas, geralmente as duas nacionalidades estão representadas. Entende-se então que, pelo menos ali, a fronteira é apenas um conceito abstrato.

Na prática ela é uma extensa via asfaltada que divide as duas cidades. Portanto, basta atravessar a rua para ir ao exterior, sem burocracias. Curiosamente, a Avenida Uruguai é a que fica do lado brasileiro, e a Avenida Brasil fica no lado uruguaio. E em uma de suas esquinas ela encontra a Rua Mauro Silva, algum homônimo do volante campeão do mundo pela seleção em 1994. Enfim, parece tudo uma coisa só.  

"Aqui se torce pelo Brasil e depois pelo Uruguai. É um povo só. Mas aí quando joga a Argentina, está mal. Nós uruguaios não gostamos deles, mas não nego que tenham uma boa seleção", afirmou Sebastián de Paula, jogador de futebol no interior gaúcho, antes do jogo de quinta-feira. "Aquele Messi é que não pode", adiciona o vendedor ambulante Alejandro Gallego.

"É tudo a mesma coisa, Brasil e Uruguai. Quando joga a Argentina, aí a gente torcer contra", diz Gabriel dos Santos, baiano radicado no Chuí. "O que vale aqui é a tranquilidade", acrescenta o funcionário de um restaurante sobre a vida na fronteira.

Em geral, este é o discurso, não importa o lado da avenida que se esteja, na Chuí brasileira ou na Chuy uruguaia. A simpatia une os vizinhos e resiste sempre, até que eles precisem se enfrentar na bola. Mas o vendedor ambulante Daniel Mendez dá um detalhe curioso do sentimento de amizade local, que se abala de vez em quando exposta a alguma manifestação mais patriótica vinda da televisão.

"O que complica é aquele Galvão Bueno. Ele é nojento. Sempre fala bem do Brasil, nunca fala bem do Uruguai. Uma vez passou aqui, estava indo para Punta del Este", diz o uruguaio, que vendia bandeiras dos dois países na fronteira a poucas horas da estreia da Copa. "Os brasileiros compram mais", relata, comemorando a tarde de negócios.

Mas apesar da torcida reforçada pela simpatia uruguaia, a estreia da seleção de Felipão na Copa não conseguiu abalar a calmaria da terra "onde o Brasil começa", como define uma placa na entrada da cidade. Enquanto Itaquera fervia, a avenida que marca a fronteira no Chuí ficou quase deserta na hora da partida contra a Croácia. Até mesmo os conhecidos free shops locais estagnaram. Mesmo no restaurante mais badalado da cidade, só um pequeno grupo se empolgou com a virada brasileira diante de um televisor.

CIDADE MAIS ESTRANGEIRA DO PAÍS E COMUNIDADE PALESTINA

Segundo balanço recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Chuí é o município brasileiro com a maior proporção de cidadãos estrangeiros, com 37,72% da população. Ou seja, de cada dez habitantes quase quatro vêm de outras partes do mundo. Bom, mais especificamente, do outro lado da avenida principal, do Uruguai.

Para se ter uma ideia da relevância da proporção, a segunda colocada deste ranking é Itaí, em São Paulo, com 5,73% de estrangeiros, graças a um presídio especial para não brasileiros na cidade. De resto, o contingente de fora nas cidades brasileiras é quase desprezível.

A cidade mais ao sul do Brasil ainda conta com uma pequena comunidade palestina, que começou a se estabelecer no local na década de 60 do último século. Hoje são cerca de 150 moradores com esta origem, boa parte deles dedicada ao comércio.

Um deles é Bashar Araby, propritário de um pequeno mercado na Avenida Uruguai, do lado brasileiro. E o palestino não fica indiferente ao clima de Copa que toma os dois lados da via em que trabalha, mas admite ter adotado o verde-e-amarelo como prioridade, apesar de ter cidadania do país vizinho.

"A gente da Palestina torce pelo Brasil. Mas isso antes de chegar aqui. Lá na Palestina a gente já torce pelo Brasil, desde pequeno", afirma o comerciante do Chuí.

Mas depois da estreia sofrida do Brasil, os vizinhos de Chuí e Chuy agora direcionam as energias para torcer pelo Uruguai. Tudo para eu o outro lado da rua também sorria. 

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