Poderosos que celebraram Copa no Brasil oscilam entre ofensas e silêncio
Danilo Valentini
Do UOL, em São Paulo
Poucas vezes tantos sorrisos, elogios e tapinhas nas costas foram tão filmados, fotografados e registrados como aqueles protagonizados por Dunga, Lula, Paulo Coelho, Ricardo Teixeira e Romário no dia 30 de outubro de 2007, data em que Joseph Blatter confirmou, em Zurique, que a 20ª Copa do Mundo da Fifa seria realizada no Brasil, em 2014.
Tropa de choque do país para representar o Brasil em um momento histórico, o então técnico da seleção brasileira, o presidente da República da vez, o escritor brasileiro mais conhecido no exterior, o todo-poderoso presidente da CBF à época e o ex-jogador que ainda não era deputado federal só viam razões para festejar naquela tarde. Quase sete anos depois, porém, quase tudo mudou.
Sorrisos, elogios e tapinhas nas costas se transformaram, ao longo do tempo, em constrangimentos, críticas e ataques pessoais, depois que a organização da Copa do Mundo se mostrou problemática e estopim para manifestações populares contra gastos públicos e ações e decisões tomadas pela Fifa e pelo governo brasileiro.
"Aquela conquista foi importante para o país. Infelizmente, a incapacidade de planejamento, a má gestão e a corrupção acabaram manchando a imagem da festa. Foi uma oportunidade perdida", afirmou, por e-mail, o deputado federal Romário, que naquele 30 de outubro dizia que o fato do Brasil voltar a receber uma Copa do Mundo pela primeira vez desde 1950 era uma razão "para comemorar" e que "o povo brasileiro merece isso".
Com o passar do tempo, entretanto, nenhuma figura pública foi tão agressiva e constante nas críticas ao processo de construção da Copa do Mundo de 2014 quanto Romário, que por mais de uma vez afirmou que "fora de campo o Brasil já perdeu a Copa".
Termos como "roubalheira", "chantagista" (direcionado ao secretário-geral da Fifa, Jérome Valcke) e "ladrão" (para o presidente da entidade, Joseph Blatter) fizeram parte do arsenal do deputado, que não poupou críticas a Ronaldo, seu ex-companheiro de seleção brasileira e que se tornaria membro do Comitê Organizador da Copa (COL).
Ronaldo, por sinal, acabou sendo o imã para que outra figura célebre e presente ao evento em Zurique desabafasse recentemente e rasgasse a fantasia da empolgação demonstrada em 2007. Homem que até janeiro deste ano já havia vendido mais de 150 milhões de livros, editados em 168 países e traduzidos para 81 idiomas, o escritor Paulo Coelho aproveitou as vésperas da Copa do Mundo para avisar que suas declarações empolgadas à época não valiam mais.
O discurso empolgado de "a partir de hoje começa uma vitória que durará sete anos" deu lugar a uma postura completamente diferente, manifestada por Paulo Coelho em entrevista à veículos da imprensa internacional. O escritor chamou Ronaldo de "imbecil", afirmou que "não vou à Copa, embora tenha ingressos, porque não posso estar dentro do estádio sabendo o que se passa lá fora com os hospitais, a educação e tudo o que clientelismo do PT tem renegado muito".
O UOL Esporte enviou perguntas a Paulo Coelho para falar sobre qual era seu sentimento no dia da abertura da Copa, mas o escritor não as respondeu. Assim como o ex-presidente Lula, que preferiu não responder às questões nem a se defender de declarações que tanto Paulo Coelho e Romário fizeram ao longo dos anos contra as ações do governo federal em relação à Copa.
Recentemente, porém, o antecessor de Dilma Rousseff não escondeu a irritação pelo volume gigantesco de críticas que a Copa do Mundo passou a enfrentar desde que as obras viraram alvo de investigações por fraude e motivo de chacota por atrasos.
"Fico triste com o azedume das pessoas em relação à Copa do Mundo" e "as pessoas querem fazer de uma coisa boa uma coisa ruim" foram as declarações de Lula nas últimas semanas, contrastando com o orgulho latente exalado em 30 de outubro de 2007. Na ocasião, ele avisou: "estejam certos que o Brasil saberá orgulhosamente fazer sua lição de casa, fazer uma Copa do Mundo para argentino nenhum botar defeito".
Os defeitos, entretanto, são apontados até hoje, não só por famosos como Paulo Coelho e Romário, mas por parcela importante da população, representada por movimentos sociais que representam causas tão variadas como o Movimentos dos Moradores Sem-Teto (MTST) como grevistas em geral que exigem salários e condições de trabalho "padrão Fifa", expressão que virou o mantra de quem se opôs aos gastos públicos e às exigências da entidade presidida por Joseph Blatter sobre o governo brasileiro.
As manifestações, aliás, acabam sendo um raro ponto de exaltação de quem hoje adota postura contrária à adotada em 2007. "Foram importantes para o Brasil e para o mundo, porque expôs o modelo de negócio predatório e desnecessariamente extravagante da Fifa. Mostrou para o mundo que esta história de legado e lucro para os países-sede de megaeventos esportivos é conversa fiada", respondeu Romário ao UOL Esporte, se referindo à receita de R$ 10 bilhões que a Fifa espera arrecadar com a realização da Copa no Brasil.
Receita que, em parte, será distribuída para as confederações como a CBF, que naquele 30 de outubro era chefiada por Ricardo Teixeira, responsável pelas negociações para que a Copa fosse confirmada para o Brasil. Mas o dinheiro agora vai parar na gestão de José Maria Marin, que substituiria Teixeira em março de 2012, após renúncia do ex-homem forte.
Mas, apesar de seu silêncio e de sua fuga de qualquer tentativa de entrevista nos últimos tempos, Teixeira vai, de alguma forma, participar da Copa até o fim, já que sua filha, Joana Havelange, é diretora do COL por decisão dele próprio.
Já a última figura que fez parte da trupe brasileira em Zurique, o ex-técnico Dunga, vai abandonar sair da clausura apenas por obrigação profissional e para falar exclusivamente de futebol: ele será comentarista da TV Azteca (México) durante a Copa do Mundo.