Comitê Popular defende protesto na Copa devido a remoções e alta de preços

Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

  • Ronald Martinez/Getty Images

    Maracanã, reformado por mais de R$ 1 bilhão, é legado da Copa contestado no Rio

    Maracanã, reformado por mais de R$ 1 bilhão, é legado da Copa contestado no Rio

Especulação imobiliária, remoções de famílias de suas casas, aumentos abusivos de preços e até a criminalização de movimentos sociais. Se você ainda tem dúvida se Mundial de 2014 vai ser benéfico para o Rio de janeiro, membros do Comitê popular da Copa do Mundo e Olimpíadas têm certeza que não. Para eles, não faltam motivos para protestar contra o torneio. Todos essas razões estão listadas no dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro, lançado nesta sexta-feira.

O dossiê é um documento elaborado pelo próprio comitê sobre todos os problemas causados ou agravados pela Copa do Mundo ou a Olimpíada de 2016, que acontecerá no Rio. A publicação é resultado de pesquisas e reuniões realizadas pelo grupo desde o início da preparação da capital fluminense para os dois maiores eventos esportivos do mundo.

"Não somos contra os eventos esportivos, mas eles aceleraram medidas questionáveis", afirmou Giselle Tanaka, membro do comitê. "Por isso, a população foi para a rua no ano passado. Por isso, iremos para rua nesta Copa."

Segundo o dossiê, esses eventos ajudam a promover uma "limpeza social" da cidade. Essa "limpeza" remove famílias mais pobres de regiões beneficiadas por investimentos públicos e que, portanto, estão se valorizando.

Um levantamento feito pelo comitê e publicado no dossiê Megaeventos aponta que 9.688 famílias do Rio estão ameaçadas ou já foram removidas por causa desse processo. Cerca de 300 delas tiveram que deixar suas casas para a construção do BRT (Bus Rapid Transit) Transcarioca, obra mais cara da Copa de 2014. Inaugurado no domingo, o corredor de ônibus custou R$ 2,2 bilhões.

Ainda de acordo com o dossiê, as remoções colaboram com o aumento da especulação imobiliária no Rio. Levantamentos incluídos no documento apontam que o valor dos aluguéis do Rio de Janeiro subiu 43,3% de abril de 2011 a abril de 2014 (36 meses). Em São Paulo, no mesmo período, o aumento foi de 26,6% --perto da metade do registrado no Rio.

No Rio, o preço dos imóveis, para compra, também subiu mais em outras capitais. Na capital fluminense, o aumento foi de 65,2%. Em São Paulo, os preços subiram 58,9%.

Contudo, não foram só o preços dos imóveis e o valor dos aluguéis que subiram, segundo o Comitê Popular da Copa. "O Rio de Janeiro está se tornando uma cidade cada vez mais cara e desigual. O carioca também sofre na hora de pagar a conta nos restaurantes, bares e supermercados na cidade", ressalta o dossiê.

Preços de alguns pratos tornaram-se surreais. "Em Copacabana, um omelete de camarões grandes chega a custar R$ 99,10. Uma receita semelhante (seis camarões e quatro ovos) em Nova York custa o equivalente a R$ 40,05", descreve o dossiê.

Confira problemas da Copa segundo Comitê Popular
  • Remoções de famílias
    De acordo com o dossiê produzido pela Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, 4.772 famílias da capital fluminense tiveram que deixar suas casas por causa de projetos para os megaeventos esportivos que a cidade receberá nos próximos anos. Outras 4.916 estão ameaçadas de remoção. No total, 9.688 são afetadas pelos eventos.
  • Especulação imobiliária
    Ainda de acordo com o dossiê, as remoções colaboram com o aumento da especulação imobiliária no Rio. Levantamentos incluídos no documento apontam que o valor dos aluguéis do Rio de Janeiro subiu 43,3% de abril de 2011 a abril de 2014 (36 meses). Em São Paulo, no mesmo período, o aumento foi de 26,6% --perto da metade do registrado no Rio.
  • Aumento de preços
    Não foram só o preços dos imóveis e o valor dos aluguéis que subiram, segundo o Comitê Popular da Copa. Para ele, o Rio está se tornando uma cidade cada vez mais cara. Preços de alguns pratos tornaram-se surreais. Em Copacabana, um omelete de camarões grandes chega a custar R$ 99. Uma receita semelhante em Nova York custa cerca de R$ 40
  • Restrição ao trabalho
    Por causa da Copa do Mundo, uma série de produtos que de alguma forma estão relacionados com o torneio estão proibidos de serem vendidos no Rio. Ambulantes também não poderão trabalhar no entorno do Maracanã. Isso, segundo o Comitê Popular, atrapalha 60 mil trabalhadores informais da capital carioca.
  • Legado no esporte?
    Segundo o Comitê Popular, a Copa não trouxe legado para o esporte no Rio de Janeiro. Pelo contrário. Afastou a população do mais famoso palco esportivo da cidade: o Maracanã. O estádio, que foi reformado por mais de R$ 1 bilhão pelo governo do Rio, agora tem ingressos bem mais caros que antes da obra.
  • Segurança militar
    Por contas dos megaeventos, o investimento em segurança foi ampliado. O Comitê Popular, entretanto, aponta que todo o aparato montado para proteger entidades como a Fifa e turistas acaba oprimindo moradores de áreas mais pobres. A Favela da Maré, por exemplo, que fica perto do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio, foi ocupada recentemente pelo Exército Brasileiro.
  • Mobilidade para quem?
    O legado no transporte também é contestado. Segundo o dossiê, o Rio tem priorizado investimentos em BRTs para receber a Copa e a Olimpíada. O comitê, entretanto, acredita que esses projetos não atendem as necessidades da população, mas sim privilegiam o setor imobiliário.
  • Higienismo urbano
    A Copa do Mundo, segundo o Comitê Popular, intensificou as políticas de 'higienização' do Rio de Janeiro. O programa Lapa Presente é um exemplo disso. Por meio dele, usuário de crack estão sendo recolhidos de forma compulsória da região da Lapa, bairro boêmio do Rio. Até agora, 4 mil pessoas foram recolhidas.
  • Investimento público para ganhos privados
    O Comitê Popular informou que o BNDES, banco estatal, emprestou ou vai emprestar cerca de R$ 24 bilhões a empresas responsáveis por tocar obras para a Copa e Olimpíada. Essas empresas recebem o dinheiro com juros abaixo do mercado e obtém lucros a partir disso. Para o comitê, a fiscalização sobre o uso desses recursos é falha.

Legado para quem?

O dossiê do Comitê Popular também critica as obras realizadas para a Copa no Rio de Janeiro. O Maracanã, que foi reformado por mais de R$  1 bilhão, agora tem ingressos bem mais caros que antes da obra. Isso afastou os mais pobres do estádio.

"Depois da Copa das Confederações, o preço dos ingressos pelos jogos realizados no Maracanã subiu para uma média de R$ 45 enquanto ingressos pelos mesmos jogos realizados em 2012 custavam em média R$ 14. Esse efeito da explosão dos valores dos ingressos é traço comum em todos os estádios construídos ou reformados para a Copa do Mundo", informa o dossiê. "Em curto prazo, já é visível a exclusão da população das classes C e B dos estádios, pois não conseguem mais pagar para assistir aos jogos."

O Comitê Popular destaca ainda que, após a reforma bilionária do Maracanã, o estádio teve sua administração privatizada. O projeto de concessão do estádio ainda prevê obras em seu entorno, as quais são contestadas pelo grupo.

O legado no transporte também é contestado. Segundo o dossiê, o Rio tem priorizado investimentos em BRTs para receber a Copa e a Olimpíada. O comitê, entretanto, acredita que esses projetos não atendem as necessidades da população, mas sim privilegiam o setor imobiliário. "O cenário que se desenha para o futuro é o de investimentos em transporte na cidade destinados a viabilizar a ocupação de áreas vazias ou pouco densas, visando promover a valorização imobiliária", critica o dossiê.

Governos discordam

O dossiê apresentado nesta sexta é a terceira versão do documento. O primeiro foi apresentado em 2012. Desde a publicação da primeira versão do documento, governos discordam das conclusões do Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas do Rio de Janeiro. A Prefeitura do Rio, por exemplo, já informou várias vezes só uma comunidade da cidade teve famílias removidas por causa do Mundial e dos Jogos Olímpicos: Vila Autódromo.

Ainda segundo a prefeitura, só moradores que concordaram em deixar o bairro saíram. Todos foram transferidos para um novos apartamentos ou indenizados.

O governo do Rio de Janeiro, responsável pela reforma e concessão do Maracanã, já declarou que as obras no local deixaram um grande legado para a cidade. Segundo o governo, as obras no entorno da arena recuperarão equipamentos esportivos ao lado do estádio, os quais serão usados pela população carioca.

Representantes do governo federal, por sua vez, têm se manifestado a favor da Copa em debates promovidos em cidades-sede. A própria presidente Dilma Rousseff já declarou que obras  não são para o torneio, mas para a população.

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