Greves e protestos pelo Brasil

Americanos deveriam aprender com manifestantes brasileiros, diz analista

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

Parte dos brasileiros está preocupada que a imagem projetada pelo país no exterior se torne negativa por causa das manifestações e greves que têm sacudido as cidades nas vésperas da Copa. Mas para o americano Khaled Beydoun, natural de Detroit e professor de Direito da Universidade da Califórnia, as imagens que chegam aos EUA de milhares de pessoas nas ruas estão ajudando a derrubar alguns mitos sobre o Brasil.

O ponto principal é que muitos americanos começaram a perceber que aqui nem tudo são flores. E que o brasileiro não é aquele sujeito simpático disposto a parar tudo para jogar futebol. Estaria, dessa forma, abalado o estereótipo dos três S, sobre o qual a ideia de Brasil se assentou no exterior: "Samba, sex and soccer" (Samba, sexo e futebol).

Em entrevista ao UOL Esporte, Beydoun explicou por que ele vê como positivo para a imagem do Brasil no exterior o que está acontecendo nas ruas do país. E disse esperar que os torcedores americanos que virão ao Mundial aprendam e voltem mais educados a partir do contato com manifestantes brasileiros.

UOL Esporte - Como os recentes distúrbios relacionados à Copa têm ajudado a desconstruir o estereótipo de "samba, futebol e sexo" que se tem sobre o Brasil?

Khaled Beydoun - Os distúrbios têm sacudido o jeito como os americanos imaginam o Brasil. E eles começaram a quebrar as visões unilaterais sobre o Brasil, que foi reduzido a uma nação construída em "sol e diversão, carnaval e prazeres carnais". Os americanos tendem a pensar o Brasil em termos de caricaturas limitadas: belas mulheres em biquínis, praias e festas, liberdade sem limites e hedonismo... e futebol. Mas os protestos mostram uma contranarrativa que desmistifica essas caricaturas. Eles sublinham as injustiças econômicas e raciais do país, a ideia de que o Estado é cúmplice em excluir uma parte considerável dos brasileiros, e o fato de que o Brasil seja um paraíso talvez apenas para os ricos.

Como o estereótipo "samba, futebol e sexo" foi construído ao longo dos anos?

Ele foi perpetuado pelo cinema, pela televisão e pela música nos EUA. O Brasil é tratado como um paraíso tropical no qual pessoas bonitas disponibilizam a si mesmas para os turistas. Hollywood hipersexualiza homens e mulheres brasileiras. Além disso, também se projeta a imagem de um paraíso racial que, problematicamente, cria a miragem de que o país é livre de tensões raciais e racismo.

Muitos críticos dizem que a Copa não traz nada de bom para o Brasil. Você parece pensar que o torneio e os protestos em torno dele, pelo menos, ajudam a criar uma imagem diferente e mais real do país no exterior.

De fato. A cobertura dos protestos [na mídia] quebrou, em parte, a imagem superficial que se tem nos EUA sobre o Brasil. Acima de tudo, desmistificou a falácia de que os brasileiros colocam futebol acima de qualquer coisa, a noção de que se trata de um país maluco por futebol, que põe o esporte acima de comida, habitação e necessidades básicas. Os protestos revelam que brasileiros marginalizados estão não somente mais preocupados com direitos e necessidades humanas, mas também responsabilizando seus governantes. Isso engendrou um espírito de solidariedade com americanos que lutam contra injustiças similares.

Deixando de lado sua opinião de analista... como o cidadão americano médio, vamos dizer os seus vizinhos, por exemplo, como eles estão vendo o que acontece no Brasil?

Me parece dividido. Uma parte mais politicamente consciente entende as demandas e frustrações dos manifestantes. Várias pessoas que eu conheço têm boicotado a Copa. Quer dizer, eles decidiram não visitar o Brasil ou se recusam a ver os jogos na TV. Por outro lado, outras pessoas – que provavelmente se oporiam a um movimento similar nos EUA – consideram os protestos sem sentido e violentos. A opinião desses últimos é geralmente desinformada e, em algum grau, baseada em estereótipos que ligam a violência no país a geografia e raça.

O que os torcedores da seleção americana esperam encontrar quando estiverem aqui? Estão preocupados de alguma forma?

Muitos estão preocupados com a própria segurança. Com o aumento da cobertura dos protestos, estão certamente tomando precauções. Porém, minha esperança é que eles prestem bastante atenção aos protestos, escutem de perto as justas demandas dos manifestantes e saiam do Brasil como uma "educação das ruas". A noção de que os turistas visitam um país e não absorvem o que diz seu povo é um incômodo e, de certa forma, um traço americano que tem construído uma visão negativa do nosso país globalmente.

Qual você pensa que é o papel de um jogador como o Neymar nisso? Como a imagem dele se relaciona com o que você chama de "Geração de Junho"? [Em referência às manifestações de junho de 2013]

A Fifa e o governo brasileiro elevaram o Neymar, nos EUA e globalmente, como o rosto da Copa e da juventude brasileira. Ele está em todos os comerciais, programas e produtos e substituiu o Ronaldinho como a face do futebol brasileiro e do próprio país para os americanos. Isso é perigoso porque o Neymar não representa um considerável segmento da juventude brasileira, que se engaja politicamente, desafia, fala e tem coragem, como ficou demonstrado com os protestos. No entanto, o Estado está aparentemente usando a imagem dele e sua celebridade para eclipsar os rostos e vozes da juventude nas ruas, particularmente em seu esforço de promover a Copa na TV americana.

Você é um especialista em estudos raciais. Como você analisa a questão racial no que se refere aos protestos e a Copa?

Parte da caricatura do "samba, sexo e futebol" é que o Brasil é um paraíso pós-racial. Muitos americanos são ignorantes em relação ao passado racial do Brasil, sua diversidade e, o que é ainda pior, seu racismo contemporâneo. Os protestos clarificam como raça e pobreza aí estão interligadas, assim como nos EUA. Para ser mais preciso: como o mais marginalizado e negligenciado segmento do país está bem representado nos protestos. Isso revela que os brasileiros de cor estão sofrendo a pior parte dos gastos excessivos do governo no Mundial.

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