Em época sem telefone, mulher de jogador consolava o marido por carta
Felipe Pereira
Do UOL, em São Paulo
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Folhapress
Pepe (1º da direita) se machucou antes das Copas de 1958 e 1962
Na década de 1960 a Medicina engatinhava e a fisioterapia não havia chegado ao futebol. Lesões eram tratadas com toalhas e água quentes, algo que soa tão ineficaz quanto um beijo da mãe no local machucado. Com recursos tão limitados, o ponta esquerda Pepe ficou fora de todos os jogos da Copa de 62, chegando ao Brasil meio cabisbaixo. Coube à mulher, Lélia Serrano Macia, 73 anos, colocar o marido para cima.
"Você é o titular, você é um campeão mundial", consolava. Realmente Pepe fora dono da posição até a Copa começar, mas uma reação a uma infiltração colocou tudo a perder. Dureza para quem havia ficado no banco em 1958 por causa de uma pancada no tornozelo direito no último amistoso antes do Mundial.
Lélia percebia a frustração do marido nas cartas. "Jogava tão bem pelo Santos e pela seleção, mas quando eram os Mundiais ele se machucava nas preliminares", lamenta.
Numa época em que telefone em casa era ostentação, ela soube da lesão pela imprensa e ficou triste e angustiada. O jeito era apelar para os Correios numa tentativa de animar o marido. "Quando voltou estava feliz pelo título, mas faltava alguma coisa."
Vida de boleiro não é fácil. O futebol complicou também a escolha do dia do casamento do casal. Na década de 1960 eram comuns excursões de meses para o exterior e o Santos era muito requisitado por ser uma máquina de jogar bola. Resultado: não havia espaço na agenda de Pepe.
O jeito foi realizar o casamento no meio do calendário do clube. Lélia saiu da cerimônia para se juntar à delegação do Santos que viajaria para Argentina, onde o time disputava uma partida da Libertadores contra o Independiente. "Fomos de primeira classe e ficamos para a lua de mel". Para eles tudo perfeito. Já o Santos não teve a mesma sorte e perdeu por 2 a 1.
Mesmo com algumas dificuldades criadas, Lélia é muito agradecida a vida que o futebol proporcionou ao casal. Permitiu morar no Japão, Portugal e Catar e rendeu um bocado de histórias. Também foi por causa do esporte que o casal se conheceu. A data ela não esquece, 7 de dezembro de 1958. Lélia foi com a prima passear numa praça em São Vicente. Pepe estava por lá todo prosa depois de marcar dois gols sobre o Corinthians numa goleada do Santos por 6 a 1 na Vila Belmiro. O interesse do jogador era conhecido porque fora flagrado olhando com um binóculo a pretendida caminhar pela rua a caminho do trabalho.
Mas o relógio avançou e parecia que não ia dar em nada porque eram quase 10h da noite, horário limite de voltar para casa. Foi então que a natureza ajudou a juntar o casal. "Tava começando a chover e eu ia embora porque até às 10h tinha que estar em casa. Ele pediu carona no meu guarda-chuva. Ficou de carona até hoje. Este ano fazemos 50 anos de casados", conta Lélia.