Curso ensina professores a tratarem a Copa de maneira crítica nas escolas

Felipe Pereira e Vanessa Ruiz

Do UOL, em São Paulo

  • Rodrigo Capote/UOL

    Curso na USP quer ensinar professores a tratarem a Copa de maneira crítica nas escolas

    Curso na USP quer ensinar professores a tratarem a Copa de maneira crítica nas escolas

Contra as distorções no conhecimento, e contra uma parte do que está aí, um professor da Universidade de São Paulo (USP) criou um curso para ajudar professores atuantes na Educação Básica a levar o assunto Copa do Mundo às salas de aula de uma maneira mais crítica e menos passiva.

"Notamos que, em muitas escolas, trabalhar Copa do Mundo se restringe a montar aquele campeonato em que cada turma escolhe um país e depois apresenta as pesquisas em cartazes expostos pela escola", diz o professor responsável pelo curso Marcos Neira, que integra o Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar da Faculdade de Educação da USP.

Segundo Neira, discute-se muito a metodologia de ensino com os professores, mas não os temas a serem abordados com os alunos. "Queremos que os professores possam ajudar as crianças a analisar criticamente a Copa, acabando com o discurso ufanista. Queremos abalar um pouco essa ideia do 'legado da Copa do Mundo'", diz.

A reportagem do UOL Esporte esteve presente no último dos seis encontros do curso "Olhares e análises da Copa do Mundo 2014: subsídios para uma abordagem diferenciada", neste mês de abril. Nesta aula, os professores deveriam apresentar para os colegas o resultado do trabalho desenvolvido com seus alunos no período do curso. O encontro começou, no entanto, com um debate baseado em críticas ferrenhas ao ente chamado de "grande mídia" e sua colaboração para a perpetuação da ordem estabelecida. Em seguida, eles iniciaram as apresentações.

"Trabalhando a pedagogia do dissenso, saíram discussões calorosas entre os estudantes sobre os aspectos positivos e negativos do evento.  Eu espero que eles tenham uma opinião e que não se rendam ao discurso simplista, ao senso comum", disse o professor de educação física da Escola Municipal de Ensino Fundamental Dom Pedro I, Marcos Ribeiro das Neves, que dá aulas para alunos da 7ª série.

Já o professor Felipe Nunes, da Escola Estadual Eugênio Mariz de Oliveira Netto, iniciou um trabalho diretamente com os debates. Primeiro, perguntou aos alunos o que achavam da realização do evento no Brasil, e ouviu mais considerações negativas do que positivas. Depois, pediu a eles que perguntassem a opinião dos pais. As respostas tiveram um tom mais ufanista.

O professor confrontou os dois discursos em sala de aula num debate sobre ufanismo e nacionalismo, usando a história do Brasil nas Copas como referência. Ao fim do processo, os alunos sugeriram pintar questionamentos sobre a Copa nos muros de uma das ruas que sempre são decoradas antes das Copas.

"Achei mais prudente que fizéssemos de outra forma. Tivemos, então, a ideia se chamar para um debate na sala de aula as pessoas que pintam essa rua, perto da casa de um dos alunos, e debater com eles as questões que os alunos apresentaram em cartolinas", falou o professor. Alguns exemplos das frases escolhidas pelos alunos para estes cartazes, segundo Nunes, foram "O que a Copa vai mudar no Brasil?" e "Avança Brasil. Copa para quem?".

Apesar de entender que os valores gastos pelo Estado com a Copa são bem menores, comparativamente, do que aquilo que o governo federal destina anualmente à Saúde e à Educação no país todo, Neira vê na Copa do Mundo de 2014 um problema de prioridades:"O governo poderia ter escolhido dedicar-se a outros temas e meu medo é que eventos deste porte sejam usados politicamente para camuflar outras questões. Vemos aí gente importante dizendo que 'morrer faz parte' ou que 'não se faz Copa com hospital'. A maioria dos atletas só ajuda a reforçar essa alienação", diz, referindo-se aos comentários recentes de Pelé sobre a morte de um operário no Itaquerão e de Ronaldo, no ano passado, quando questionado sobre os gastos públicos com o Mundial.

Para Marcos Neira, esse olhar acaba contaminando as escolas também, que deixam de estimular o pensamento crítico: "Em vez de educadores, nos tornamos torcedores. Não há nenhum problema em torcer, mas não podemos transformar a escola numa extensão do estádio".

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