Novo "guru" de Felipão não sabe nada de futebol e defende líder servidor
Paulo Passos
Do UOL, em São Paulo
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EFE/Manuel De Almeida
Scolari comandará a seleção brasileira na Copa do Mundo de 2014
Ele desconhece os jogadores preferidos de Felipão, não gosta de futebol e nem mesmo sabe quando será a Copa do Mundo, mas influencia o técnico da seleção brasileira. Autor de livros que viraram febre no Brasil, o americano James Hunter escreveu "Como se tornar um líder servidor" (editora Sextante), último obra lida pelo treinador.
No livro, o americano defende que o líder deve servir seus subordinados. O conceito é explicado em 136 páginas com exemplos que vão do mundo corporativo, passando pelo esporte e até por citações bíblicas.
Hunter, que admitiu em entrevista ao UOL Esporte que não conhecia a história de Scolari "por não ser fã de futebol", justificou, defende que os líderes devem conquistar o coração dos subordinados. Para ele, o altruísmo deve ser uma qualidade primordial para quem se dispõem a chefiar uma equipe.
"Quando você se candidata a líder, tem que fazer isso. A vontade de servir e de se sacrificar pelos outros, a disposição de abrir mão de seus próprios anseios pelo bem maior – este é o verdadeiro altruísta e, em consequência, o verdadeiro líder", argumenta Hunter na obra.
O americano afirma que "liderar significa conquistar as pessoas, envolvê-las de forma que coloquem seu coração, mente, espírito, criatividade e excelência a serviço de um objetivo". Os conceitos se enquadram no discurso que Felipão adotou em toda a sua carreira, vide a "Família Scolari" da Copa de 2002.
Na conquista do penta, o técnico defendeu que seu time era uma família e que isso foi crucial para o título. Na época, o livro de cabeceira do técnico, porém, era outro. Há 12 anos, ele usou "A Arte da Guerra", do chinês Sun Tzu, um filósofo que se tornou general e teria inspirado Napoleão e Mao Tsé-tung em guerras. A obra prega que uma vitória militar depender de aspectos morais e intelectuais dos oficiais, além de circunstâncias das batalhas do que do poderio dos exércitos.
Confira a entrevista com James Hunter:
UOL Esporte: Você sabe que o técnico da seleção brasileira de futebol estava lendo o seu último livro? Você acompanha o trabalho de Luiz Felipe Scolari?
James Hunter: Fui avisado pela assessoria de imprensa da minha editora no Brasil que o técnico da seleção estava lendo meu último livro. Para falar a verdade, eu não conhecia a história de Scolari. Não sou fã de futebol. Confesso que não sabia nada do seu trabalho. Eu conheci o Bernardinho no Brasil, ele me procurou porque era fã do meu livro "O Monge e o Executivo".
Você vai acompanhar a Copa do Mundo?
Não sei ainda. Aqui nos Estados Unidos, o futebol ainda não está entre os maiores esportes. Deveria ser. Eu nunca fui fã. Vou tentar ver, acompanhar. Se eu dissesse que era um grande fã não seria verdade.
Mas você cita três exemplos do esporte para explicar conceitos de liderança. Você já trabalhou com equipes de esportes?
No Brasil, nunca trabalhei com times de esportes. Mas nos Estados Unidos, sim. O esporte é similar ao mundo dos negócios. O líder tem que influenciar. Já trabalhei com equipes universitária de futebol americano, de basquete e até de futebol.
O seu livro é lido principalmente por executivos, pessoas que trabalham no mundo corporativo. Você acredita que pode ter a mesma influência no esporte, com metas e ambientes tão distintos?
Sim, os princípios de liderança servidora podem ser aplicados para pais, mães, professores, chefes, não só no mundo corporativo. Todo mundo que tem um time unido para um propósito. Duas pessoas juntas já são um time, um casal, por exemplo. Todo tempo temos uma oportunidade de liderança. O objetivo do líder é ter excelência. É inspirar as pessoas para jogar o melhor que elas podem, fazer o melhor. Isso funciona no esporte. Para que tenham ótimo desempenho. Existem duas maneiras de conseguir isso, de liderar. Uma é dizer faça porque eu sou seu chefe, faça isso e pronto. A outra é através da influência, construir uma relação com o subordinado. Não fazendo o que as pessoas querem porque seria um líder escravo. O que meus empregados querem é diferente do que eles precisam. Tem uma grande diferença. Você pode precisar de um chute na bunda um dia para você se levantar. Mas o líder tem que saber que as pessoas precisam ser tratadas com respeito.
Felipão tem fama de apostar em alguns jogadores e ir até o fim com eles, criando uma relação de confiança. O Júlio César, por exemplo, estava sem jogar no seu clube, criticado e questionado pela imprensa, e Scolari anunciou um ano antes da Copa que ele seria seu jogador independentemente do que acontecesse. Isso se enquadra, na sua opinião, em uma atitude de líder servidor?
Eu acho que sim. Líderes de sucesso constroem relações. Lealdade é uma parte importante da boa relação. Confiança é algo que alimenta as relações. É difícil para um líder porque você não pode comprometer o sucesso do time. Você precisa ser leal, mas não pode sacrificar o time. Se o resultado não vem com esse ou aquele jogador, não pode se prender, porque será ruim para o resto. Então por isso é tão difícil e duro ser líder. Mas confiança é algo muito importante. Tem que saber balancear com as necessidades do time.
O Felipão já deu um soco em um rival e foi flagrado pedindo para seus jogadores agredirem rivais. Isso não é contraditório com a sua defesa de que o líder precisa ser um exemplo de caráter: Como você diz "fazer as coisas certas"?
Grandes líderes são pessoas de caráter. Mas é normal na vida você cometer erros. Todo mundo comete erros, incluindo, claro, os grandes líderes. No esporte tudo fica mais emocional. Temos que tocar as coisas em frente. Se ele está lendo sobre liderança, se está lendo o meu livro é muito importante. É importante estar em contínua evolução. Todo mundo comete erros, mas você aprende e acredito que ele aprendeu com o erro.
Mais de 70% das vendas dos seus livros se concentram no Brasil. Você tem uma explicação para isso?
É incrível. Em sete anos eu estive 25 vezes no Brasil. Eu tento entender o porquê meus livros tiveram tanto sucesso aí. Acho que um motivo é que os brasileiros adoram histórias. Você pode ver na televisão, vocês assistem muita novela. Acho que a ideia de um monge ajudando um executivo ativou a imaginação das pessoas. Acho também que os brasileiros estão cansados de maus líderes. Temos líderes ruins em todos os lugares, aqui nos Estados Unidos têm também, mas o Brasil tem um histórico recente de ditadura militar. E isso foi muito difícil. Então o Brasil cansou disso, quer líderes melhores.