O que a imprensa internacional faz para (tentar) entender o Brasil da Copa

Tiago Dantas

Do UOL, em São Paulo

"O Brasil não é para principiantes". A frase, atribuída a Tom Jobim, parece cair como uma luva para a imprensa internacional, que, com a proximidade da Copa do Mundo, passou a dar mais visibilidade ao país nos últimos meses.

Na pauta dos principais meios de comunicação do mundo entram os protestos que voltaram este ano, o medo de que a Copa seja uma tragédia, relatos econômicos, reprodução de estereótipos e a tentativa de entender um país difícil de ser explicado.

"Um dos maiores problemas dos correspondentes internacionais é que tentam eles entender o Brasil comparando com algo que ele não é", opina o professor de relações internacionais do Ibmec-MG, Diogo Costa, que também é presidente do Instituto Ordem Livre .

"Se você toma a América Latina como comparação, a realidade do Brasil é totalmente diferente dos vizinhos. Se compara o Brasil com o bloco de países emergentes, também não vai achar muitas semelhanças com Rússia e China. É um país único."

O UOL Esporte listou sete exemplos que mostram os esforços da imprensa internacional para tentar mostrar para o mundo como é o Brasil.

1 – Protestos criaram terra sem lei

A imprensa brasileira também teve alguma dificuldade para entender a onda de protestos que atingiu o País em junho de 2013. Os manifestos surgiram sem uma liderança clara, com reivindicações que iam da redução da tarifa de ônibus à reclamação contra os gastos públicos na Copa do Mundo, houve violência policial, depredação de patrimônio, etc.

Em 8 de fevereiro, o jornal britânico Guardian publicou um artigo com o título "Governo do Brasil colocou favelas e classes médias um contra o outro". O texto juntava a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão enquanto cobria um protesto no Rio, com a história do jovem que foi acorrentado nu em um poste, também no Rio, por um grupo de "justiceiros".

O texto chega a pintar uma situação que beira a de uma guerra civil, ao dizer que: "O governo está enviando uma mensagem clara: vamos fazer o que nós queremos e os seus protestos não podem nos parar. Esta mensagem tornou-se perigosa, porque as pessoas agora se sentem no direito para roubar, para usar a violência e para torturar qualquer pessoa que a polícia não consegue prender."

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2 – Carnaval vai emendar com a Copa

O ano de 2014 será um grande carnaval, segundo a revista The Economist, que abusou do estereótipo de que as atividades econômicas no Brasil só entram nos eixos depois das festas.  O ano terá "um carnaval tarde estendendo as férias de verão a partir de Natal a março, e um desligamento de três meses por causa da Copa do Mundo, que o Brasil sediará. Despesa extra em cerveja e novos televisores não vão compensar o fechamento de escolas e escritórios do governo nos dias de jogos."

A The Economist vive às voltas com previsões sobre o Brasil. Em novembro de 2009, a revista afirmava na capa: "O Brasil decolou". E mostrava uma montagem do Cristo Redentor levantando voo. Em setembro de 2013, o otimismo dava lugar à preocupação: "O Brasil estragou tudo?". A primeira página, dessa vez, mostrava o Cristo que havia decolado em um voo sem direção.

No início de janeiro, a revista voltou ao falar do país, em um artigo sobre a importância de 2014 para as eleições presidenciais. Embora o instituto de pesquisa internacional Ipsos tenha dito que a presidente Dilma Rousseff tem 85% de chances de ser reeleita, a publicação classificou as eleições como "imprevisíveis".

3 – 'Jeitinho' pode causar desastre

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O artigo publicado pela revista France Football na última semana de janeiro é um bom indicativo da mudança no tom da imprensa estrangeira. A euforia da escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo deu lugar ao pessimismo e à desconfiança de que algumas obras podem não ficar prontas a tempo.

"É de virar o estomago a ideia de uma enorme falha que vamos assistir neste encontro dos sonhos. Haverá estádios suficientes e, no coração desses estádios, belas pelejas. Mas além disso...", diz o texto assinado pelo editor da revista, Gérard Ejnès, sugerindo que as promessas de melhoria de infraestrutura não serão levadas a cabo.

A reportagem principal da revista cita a baixa execução de obras em aeroportos das cidades-sede, altos preços em passagens aéreas e a falta de segurança. "A  inércia política, a corrupção e inflação dos preços estão escancarados", diz o texto. Depois, junta diversos temas, tão diferentes quanto o clima em algumas capitais, o Bom Senso F.C., a mídia ninja

4 – Visita do Papa mostrou a insegurança do país

O Brasil pode não ser nenhum exemplo de segurança. Mas a visita do Papa Francisco ao Rio de Janeiro, durante a Jornada Mundial da Juventude, em junho de 2013, não pode ser considerado um exemplo de insegurança, como citou a revista France Football.

"Serão eles capazes de gerir movimentos de massa e serão eles mais eficazes do que a visita do Papa Francisco em julho de 2013?", pergunta a publicação, ao lembrar que o carro do papa foi cercado pela massa, o que, aparentemente, não chateou o pontífice, que chegou a caminhar a pé durante sua visita.

A JMJ durou 14 dias e levou cerca de 2 milhões de turistas ao Rio, segundo o Ministério do Turismo. Nenhum crime grave foi registrado. As delegacias da cidade registraram 15 roubos no período. Ao longo de 12 horas de monitoramento no Réveillon, foram 348 furtos e 17 roubos, segundo o governo do Rio.

5 – Vacina contra a raiva antes de embarcar

O tabloide britânico Daily Mirror publicou uma lista de vacinas que os jogadores da Inglaterra deverão tomar antes de chegar ao Brasil. A reportagem diz que os ingleses terão que se proteger contra malária, febre amarela, febre tifoide, difteria, hepatite A e B e raiva antes de desembarcar em Manaus, onde fazem seu primeiro jogo na competição.

"Os atletas deverão estar preparados para um pacote de picada para imuniza-los contra uma série de doenças equatorianas potencialmente mortais", diz o texto.

Não é para tanto. O Consulado do Brasil em Londres afirma que a única vacina importante para quem vai viajar para regiões como a selva amazônica é contra a febre amarela, que deve ser tomada 10 dias antes da partida. Mesmo assim, o consulado recomende que o turista mantenha sua carteira de vacinação em dia, como fazem outros países.

6 – O caso Manaus

Manaus é um caso à parte. Talvez seja a proximidade com a Selva Amazônica ou o fato de ser uma capital pouco conhecida internacionalmente. O fato é que, para a imprensa internacional, a capital do Amazonas é muito exótica.

O clima quente e úmido de Manaus causa calafrios nos europeus. A temperatura, durante a Copa, deve ficar entre 22 e 31 graus. A umidade relativa do ar fica na casa dos 80% durante quase todo o ano.

Em dezembro, antes do sorteio da Copa do Mundo, o técnico inglês Roy Hodgson criticou o clima da cidade antes mesmo de saber que jogaria contra a Itália na Arena da Amazônia. Em resposta, foi criticado pelo prefeito manauara, Arthur Virgílio Neto (PSDB), que chegou a dizer que engrossaria a torcida da Itália (rival da Inglaterra no primeiro jogo).

7 –Corinthians tem mais destaque que a Copa

A revista New Yorker é uma das publicações mais reverenciadas do jornalismo internacional. Em janeiro, publicou uma matéria sobre a Copa do Mundo. Mas o assunto principal não foram os estádios, os gastos públicos, nem os protestos. A maior parte do texto falava sobre o Corinthians.

Em meio a comparações com o beisebol, o artigo falava da paixão do torcedor corintiano sobre o time. O autor do texto entrevistou dirigentes do time e até chefes da torcida organizada. O Itaquerão foi citado como monumento à gentrificação.

Gentrificação é o nome que se dá ao fenômeno social que afeta a população de baixa renda de determinado lugar por meio da valorização imobiliária provocada por um novo empreendimento, como um shopping center ou um estádio de futebol, por exemplo.

Após a construção desse novo equipamento, o preço dos imóveis da vizinhança aumenta, obrigando a população pobre a se mudar – em geral para um bairro mais distante. Os serviços, por consequência, também ficam mais caros, excluindo também pequenos comerciantes.

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