No último duelo, seleção enviou "expressinho" para enfrentar a Espanha

Fernando Duarte e Paulo Passos

Do UOL, no Rio de Janeiro

  • Fabiano Accorsi/Folhapress

    Vanderlei Luxemburgo em seus tempos de seleção brasileira; técnico deixou o time nas mãos de Candinho

    Vanderlei Luxemburgo em seus tempos de seleção brasileira; técnico deixou o time nas mãos de Candinho

Na última vez em que enfrentou a Espanha, em 1999, a CBF não poderia ter sido mais enfática em relação à percepção que tinha da Fúria. Mesmo numa partida em que celebrava o centenário da Federação Espanhola, a seleção brasileira enviada para Vigo poderia ser considerada um "expressinho". Sem Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho, que estavam com a equipe olímpica na Austrália para dois amistosos organizados pela Nike, o time que empatou em 0 a 0 com os espanhóis jogou com Élber e Sonny Anderson no ataque.

Mesmo o treinador foi regra-três. Candinho, auxiliar de Vanderlei Luxemburgo, foi quem dirigiu a seleção. E o momento vivido pelas duas equipes não poderia ter sido mais diferente do vivido às vésperas da final da Copa das Confederações, no Rio. Enquanto o Brasil ainda vivia a ressaca da derrota na final do Mundial da França, os espanhóis tentavam mais uma vez entender como tinham fracassado no torneio – caíram na primeira fase.

Passados 14 anos, a guinada de percepção. Domingo, no Maracanã, a Espanha é o time a ser batido. Bicampeã europeia e campeã Mundial, a Fúria vem empurrando o Brasil do pedestal da referência. Em vez do "jogo bonito" embalado por trilhas sonoras de samba e imagens de dribles e firulas, o "tika-taka". O sistema de toques envolventes, baseado numa retenção da posse de bola sem que um ou outro jogador se preocupe em carregá-la, fez da Espanha uma força que poucos vislumbravam naquela tarde fria em Vigo.

"Naquela época nenhum jogador brasileiro considerava a Espanha time grande. O jogo em Vigo não teve nada notável. Foi 0 a 0, a gente para variar chegou dois dias antes de jogar e depois voltou para os clubes. Se você me dissesse que a Espanha iria virar o que é hoje, daria risada", explica o meia Emerson, um dos titulares brasileiros no amistoso de 1999.

Naquele dia, o Brasil entrou em campo com Marcos, Cafu, Antonio Carlos, Aldair, e Roberto Carlos; Emerson, Marcos Assunção, Zé Roberto (Giovanni) e Rivaldo (Zé Elias); Élber e Sonny Anderson (Jardel). Maior astro da seleção, Ronaldo estava na Austrália com Luxemburgo. O atacante, porém, não jogou os amistosos com o time olímpico, por conta de um impasse entre Internazionale e CBF.

Na época ainda não havia as datas Fifa e existia um limite de sete amistosos por temporada para jogadores atuarem com as seleções nacionais. Se disputasse as duas partidas previstas contra os australianos, Ronaldo chegaria a oito partidas. A Inter o liberou para jogar apenas um amistoso. "Ou joga os dois ou não joga nenhum. Ronaldo está cortado", decidiu Luxemburgo

No lado espanhol, o destaque era o goleador Raul e outros astros do Real Madrid, como Morientes e Michel Salgado, campeões da Liga dos Campeões de 1998.  Mas a escalação trazia ainda um meia de 28 anos que ficaria mais famoso depois de se aposentar: Pep Guardiola. Guardiola não inventou o tika-taka, mas cresceu na tradição de futebol envolvente incentivada no clube que o formou, o Barcelona, e que despontou como solução para os eternos afogamentos na praia vividos pela Espanha.

Candinho tem outras recordações.  "A Espanha já era um baita time, não era mais fraco que o atual. Tinha a base do Real Madrid da época, por exemplo. Foi um jogo bom, muito difícil", lembra o auxiliar "promovido", que deu ao goleiro Marcos seu primeiro jogo como titular da seleção, abrindo espaço para a escalada que culminou com a conquista do pentacampeonato no Japão em 2002.

"A Espanha tinha jogadores como o Raul e o Guardiola, mas não conseguia jogar como um time. Mesmo o Xavi e o Iniesta, hoje tão geniais, eram caram que pareciam deslocados. Joguei contra eles em clubes e nunca perdi", lembra Emerson, que teve passagem por Roma, Juventus, Real Madrid e Milan.

Foi a pequena dupla de meias, porém, que esteve no centro da revolução espanhola. Na verdade, eles e outros jogadores menos intimidantes em termos físicos. Um sistema que evitasse expô-los diante de seleções mais encorpadas era crucial na cabeça de Luis Aragonés, especialmente depois de a Espanha ser eliminada sem muita cerimônia da Copa do Mundo da Alemanha pela França.

"Os mais talentosos jogadores à disposição eram meias baixinhos, então era natural que o sistema explorasse características como toques rápidos de movimentação em detrimento do drible ou o individualismo exagerado. É uma filosofia que buscava fortalecer o conjunto em vez de construir o time em torno de um ou outro jogador, o que sempre tinha sido fontes de problemas de relacionamento na seleção espanhola", explica o jornalista e escritor espanhol Guillem Ballague, biógrafo de Pep Guardiola e um confessor informal de vários jogadores da seleção.

Em muito ajudou o fato de que diversos jogadores do grupo levado por Aragonés para a Eurocopa de 2008 deixavam afinidades pessoais falarem mais alto que paixões clubísticas –outro problema que atrapalhara gerações anteriores. No mesmo ano em que a velha Espanha empatava com o Brasil em Vigo, a equipe sub-17 vencia o Mundial da categoria com um grupo em que Casillas e Xavi eram unha e carne. 

Foi um grupo "fechado" que enfim deu a Espanha seu primeiro título relevante em 44 anos, com a conquista da Eurocopa de 2008. A cereja no bolo? Uma vitória sobre a Alemanha na final. Por 1 a 0 e sem uma surra estatística (na verdade, os alemães retiveram a bola por mais tempo que Xavi e seus amigos nanicos). Nos últimos anos, porém, a Espanha se impôs: está invicta há 29 partidas e desde a Copa do Mundo de 2010 tem média de posse de bola de pelo menos 65%.

"Jogamos como se estivéssemos num roda de bobo. Se você mexer a  bola, e com qualidade, nunca vai parar no meio", explicou Xavi, com uma simplicidade atroz, numa das raras entrevistas concedidas à imprensa europeia.

Só o que não parece ter mudado é o desejo de enfrentar o Brasil, país que os espanhóis admiram ao ponto de terem importado alguns dos maiores talentos do país em sucessão desde meados da década de 90. O desejo, porém, foi alimentado por um pouco de mágoa com as vaias recebidas pela Fúria na Copa das Confederações. "Os jogadores ficaram um pouco chateados, pois há dois anos jogaram na Argentina e foram aplaudidos". Acredito que vão entrar com vontade redobrada no Maracanã", finaliza Ballague.

 

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