Marin usou política para interferir no futebol, dizem arquivos do regime

Rodrigo Mattos

Do UOL, em São Paulo

  • Divulgação/Mowa Press

    José Maria Marin foi presidente da Federação Paulista de Futebol entre 1982 e 1988

    José Maria Marin foi presidente da Federação Paulista de Futebol entre 1982 e 1988

Ex-governador, ex-deputado estadual e ex-vereador, José Maria Marin usou sua carreira política na ditadura para influenciar em entidades esportivas, como a Federação Paulista de Futebol e a própria confederação. Como presidente da CBF e do COL (Comitê Organizador Local), retomou sua carreira política com novos aliados.

O UOL Esporte pesquisou mais de 100 papéis relacionados ao dirigente nos arquivos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), do SNI (Sistema Nacional de Informação), órgãos que reuniam as investigações do regime, e na Assembleia Legislativa. Neste sábado, publica a terceira e última matéria da série de reportagens sobre a atuação dele como político nos anos de chumbo.

As posições de Marin sobre o futebol estão registradas em discursos na Assembleia Legislativa: mostram que já tinha o objetivo de influenciar nas entidades do esporte. Quando teve poder como governador, usou de fato sua força para obter cargo na esfera esportiva.

Em 1973, Marin fez críticas diretas a João Havelange, presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), antecessora da CBF. Insinuou que ele utilizava Pelé para tentar se eleger à presidência da Fifa.

"Até hoje o povo brasileiro não compreende os motivos reais do afastamento do consagrado Edson Arantes do Nascimento, e o que há entre o nosso Rei Pelé e o presidente João Havelange. Já existem comentários de que tudo se resume no interesse pessoal do senhor João Havelange de assumir a presidência da Fifa, utilizando-se ele do prestígio do consagrado Edson Arantes Nascimento", atacou Marin.

Em junho de 1974, as críticas foram dirigidas ao então técnico da seleção brasileira Zagallo, na preparação do time para a Copa da Alemanha, em 1974. "Temos certeza absoluta de que a dedicação e, principalmente, o patriotismo dos nossos craques superarão a já conhecia teimosia e o personalismo condenável do técnico Zagallo", analisou. Alegava que o treinador impunha uma forma de jogar muito rígida para os atletas, que perdiam, assim, o jeito brasileiro de atuar.

Mais tarde, quando Havelange foi eleito presidente da Fifa, o político mudou de discurso e passou a elogiá-lo. Para ele, o Brasil não seria prejudicado na arbitragem pos sua eleição. A partir daí, queria um paulista à frente da CBD.

"É nossa modesta opinião (...) que o homem mais indicado para ocupar esse cargo (...) presidente da CDB é o atual presidente da FPF (Federação Paulista de Futebol), José Ermínio de Moraes Filho", discursou em junho de 74. Pregou que a imprensa e homens do futebol deveriam lançar sua candidatura.

Nas palavras de Marin, há um forte bairrismo em favor do futebol de São Paulo, com críticas aos cariocas. Esse sentimento o levou a rejeitar uma espécie de Timemania que era articulada em 1977.

"O governo deve repelir com maior urgência e definitivamente a absurda pretensão do presidente da CDB, Heleno Nunes, de cobrar um cruzeiro a mais em cada aposta de loteria esportiva para ajudar os clubes a liquidar as dívidas", defendeu. "Acredito que se trata de uma encomenda para os clubes cariocas e seus dirigentes."

Seu bairrismo também se manifestou em outro discurso em 1977 quando atacou a CBD por deixar em segundo plano o futebol de São Paulo. Por isso, pediu a transferência da CBF para Brasília.

"Com palavras que faremos nossas, pois traduzem o pensamento de todos os esportistas do Brasil, ou seja, a transferência da Confederação brasileira de Desportos (CBD) para Brasília. Nada justifica [a presença no Rio], a não ser o comodismo, o protecionismo e principalmente o conforto dos dirigentes cariocas", atacou o dirigente, em discurso em março de 77.

Mudança de ideia

  • Em 1977, o então deputado estadual José Maria Marin pedia a transferência da CBF para Brasília. Dizia que só comodismo dos cariocas justificava a presença da entidade no Rio. Mas, presidente da CBF, deu seguimento ao plano de Ricardo Teixeira de fazer uma nova sede, no Rio

Quando era vice-governador, Marin decidiu sair das palavras para atos. Candidatou-se a presidente da FPF (Federação Paulista de Futebol) contra o antigo aliado de Arena Nabi Abi Chedid, em eleição em 1982.

Houve diversas acusações de uso da máquina governamental e de dinheiro público em favor de Marin. A reportagem identificou nos diários oficiais, no final de dezembro de 1981, mais de 100 convênios firmados com cidades do interior para consertos de alambrados, construção de campos de futebol, ampliação de estádios, entre outros itens.

A revista "Placar" noticiou que houve verba recorde para o esporte naquele período, o que resultou em dinheiro para festas e churrascos no interior. Tudo isso beneficiava dirigentes de ligas amadoras e clubes de fora da capital, que tinham votos na federação. Nabi também usou dinheiro da FPF para prestar favores aos times, segundo a revista.

"Há coações e imposições que estão sendo feitas no interior pela máquina governamental em benefício do meu adversário", atacou Nabi à "Placar". Marin rebateu dizendo que o adversário utilizava a federação para vencer.

No dia da eleição, um documento do Dops registrou que Marin se encaminhou para a federação com quatro ônibus e uma viatura policial para protegê-lo. Ou seja, usava a força policial em seu favor. O atual presidente da CBF ganhou a eleição para a FPF por 57 votos.

Questionado pelo UOL Esporte se intervinha no futebol como político, Marin não quis responder às perguntas. À "Placar", ele negou:

"Consegui tudo, na política, sem precisar do futebol. Não preciso usar a federação para me promover, ao contrário do atual presidente (Nabi)", defendeu-se o vice-governador.

Mais tarde, apesar das diversas acusações de corrupção, Nabi e Marin se tornaram novamente aliados dentro da FPF. Muito mais tarde, ambos viriam a ocupar a presidência da CBF, os dois sem terem sido eleitos presidentes, beneficiados pelas saídas dos presidentes, Muito, muito mais tarde, no início do ano passado, Marin faria o caminho inverso e, após anos sem partido, ressuscitou sua carreira política com uma filiação ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) em 2012 quando já se tornara presidente da confederação.

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