Marin foi acusado de desviar verba pública, dizem arquivos da ditadura

Aiuri Rebello e Rodrigo Mattos

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

  • EFE/Marcelo Sayão

    Marin em entrevista que se irritou por questionamentos em relação a sua carreira na ditadura

    Marin em entrevista que se irritou por questionamentos em relação a sua carreira na ditadura

A carreira política do presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e do COL (Comitê Organizador Local), José Maria Marin, foi marcada por diversas acusações de irregularidades: caixa dois, utilização da máquina do governo em campanhas, desvios de dinheiro público e armações eleitorais. É o que mostram documentos em arquivos da ditadura obtidos pelo UOL Esporte.

A reportagem pesquisou mais de 100 papéis relacionados ao dirigente nos arquivos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), do SNI (Sistema Nacional de Informação), órgãos que reuniam as investigações do regime, e na Assembleia Legislativa. Nesta sexta-feira, publica a segunda matéria da série sobre a atuação de Marin como político nos anos de chumbo.

É importante lembrar que políticos alinhados com o regime militar também eram investigados pela vigilância governamental. Marin era tido como "integrado" ao regime militar.

Sua carreira se inicia como vereador em 1964, pouco antes do golpe militar, com base política em Santo Amaro, bairro da zona sul da capital de São Paulo. Em seu segundo mandato na Câmara de Vereadores, apareceram as primeiras acusações de irregularidades.

Em 1969, Arnaldo Toledo Salgado denunciou que "a "suntuosa" campanha eleitoral de Marin era custeada, em parte, "por dinheiro recebido de firmas e feirantes, cuja situação nas feiras era irregular". A informação constam da ficha no SNI sobre Marin.

Um ano depois, em 1970, outro relatório do órgão de investigação do Ministério da Aeronáutica apontou que o subprefeito de Santo Amaro, Fernando Walter, "é omisso e um inocente útil nas mãos da politicalha do vereador José Maria Marin". Um aliado do político, indicado como "esquerdista", é quem que, de fato, despacharia os assuntos na subprefeitura. Ressalte-se: o Marin não teve nenhuma atividade de esquerda ou subversiva (contra o governo).

O mesmo documento tinha também informação de que o gabinete da subprefeitura era usado para reuniões com professores para obtenção de apoio político e que o carro oficial era utilizado em sua campanha – na época, se candidataria a deputado estadual.

Esse é o período em que Marin se aproximou de Paulo Maluf. Foi com ele que o atualmente cartola formou a chapa na convenção da Arena (Aliança Renovadora Nacional) para o governo do Estado. Conseguiram o direito a se candidatar, derrotando o ex-governador Laudo Natel por uma margem de votos de 28 votos.

A convenção é cercada de irregularidades como registra o processo no TRE (Tribunal Regional Eleitoral), iniciado após recurso de Laudo Natel. Havia uma discrepância no número de participantes do pleito e nos votos.

No meio da votação, ocorreu um incêndio que levou à evacuação do local. Na confusão, duas testemunhas relataram ter visto o deputado estadual Nabi Abi Chedid, ex-presidente da CBF e aliado de Maluf, a colocar votos de volta na urna. Houve três erros seguidos na contagem de votos.

"Bastam essas referências para se averiguar que a convenção da Arena não transcorreu normalmente, sendo visível a ocorrência de irregularidades a nível de fraude", relatou o juiz Gomes Martins, do TRE. Sua posição foi derrotada: o TRE aprovou a resultado da convenção por 5 a 1, o que foi referendado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O presidente da República, Ernesto Geisel, apoiara Natel, mas aceitou referendar a candidatura da chapa Marin/Maluf após decisões do tribunal.

Como vice-governador, Marin se envolveu no caso de maior repercussão de sua carreira: as fraudes na Caixa Econômica Estadual. Sua participação está registrada em documentos da Comissão Especial de Inquérito, arquivados na Assembleia Legislativa.

A Caixa Econômica fez empréstimos vultosos a empresas da região de Santo Amaro, base política de Marin. Logo depois, as firmas faliram e nunca pagaram o dinheiro. Depois, descobriu-se que os documentos que possibilitaram os empréstimos eram fraudulentos. O caso levou à demissão de toda a diretoria do banco e à criação da comissão.

Um dos diretores responsáveis por conceder empréstimos era Plínio Schimidt. À comissão, Marin confirmou que Schimidt tinha sido seu sócio e seu assessor, o que o levou a indicá-lo à diretoria da Caixa.  Deputados estaduais de oposição afirmaram que havia indícios de que o próprio vice-governador pedira pela liberação dos empréstimos.

Ouvido pela comissão, Marin negou: "Não posso fazer nenhuma relação desses empréstimos com a figura do vice-governador porque acho que vários empréstimos foram realizados (...) para Santo Amaro".

O então vice-governador admitiu, porém, ainda ser amigo naquela época de Schimidt. Sem maioria na assembleia, a oposição não conseguiu dar seguimento à comissão, que foi arquivada sem relatório final.

Como governador a partir de março de 1982, Marin voltou a ser envolvido em acusação de corrupção como mostra relatório do SNI daquele ano. Desta vez, foi acusado de demitir o diretor da Eletropaulo por não aceitar desviar dinheiro da empresa para campanha eleitoral.

"O ex-governador Abreu Sodré está convencido de que a sua demissão da Eletropaulo foi consequência de haver-se negado a desviar (...) uma verba de oitenta bilhões de cruzeiros daquela Empresa para a campanha eleitoral de Reynaldo Barros (postulante do Arena a prefeito de São Paulo)", relata o relatório do SNI.

Segundo Abreu Sodré, da mesma corrente do então governador, quando se recusou a desviar o dinheiro, um funcionário ligado a Marin sugeriu que arrecadasse verbas com empresas fornecedoras da Eletropaulo para financiar a campanha. 

Abafado

  • Segundo documento do SNI, o ex-governador Abreu Sodré acusou um funcionário ligado a Marin de cometer irregularidades e favorecer empresas na Eletropaulo, além de lhe pedir para desviar dinheiro para a campanha. De acordo com o documento, o caso não se tornou público porque José Sarney pediu a Sodré para não mencionar o problema porque isso prejudicaria o PDS, partido de todos eles.

Também como governador, Marin foi acusado pela oposição de usar a máquina em favor de Paulo Maluf, então candidato a deputado federal. Relatos de parlamentares estaduais de oposição feitos na assembleia apontaram que Maluf usava o carro oficial mesmo após se desligar do governo, o palácio foi utilizado em um banquete para 1.500 delegados da Arena e havia propaganda oficial com o nome de Maluf na televisão.

Em outro documento do SNI, de 1983, foi apontado que haveria abertura de comissão de inquérito para investigar as contas da dupla Marin/Maluf nos anos de 81 e 82. Isso porque foi constatado que a Paulipetro (empresa de Petróleo paulista) pagara por viagens luxuosas, banquetes e até flores, sem relação com os fins da empresa. As contas dos dois foram reprovadas, mas não houve comissão.

Questionado pelo UOL Esporte sobre os fatos relatados nos arquivos da ditadura, Marin se negou a falar sobre o assunto. Em texto à "Folha de S. Paulo", afirmou que era do partido do governo, mas que era "sabido por todos (...) que os deputados não tinham o menor poder sobre os órgãos do Estado". Completou:

"Ninguém deve negar a própria biografia. E a minha vida pública sempre foi (...) pautada pelos princípios republicanos que até hoje me guiam", disse, afirmando ter aprendido que "liberdade e justiça" andam juntas. 

Não foi com as flores da Paulipetro que Marin se despediu da vida política. O SNI também registrou que, em 1983, ele foi "fortemente vaiado" na passagem de faixa para o governador eleito Franco Montoro.

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