A um mês da Copa, o que esperar dela?

Tim Vickery

Da BBC Brasil, no Rio de Janeiro

Se me dessem uma máquina do tempo e a chance de voltar atrás e assistir a uma partida da Copa do Mundo no passado, minha escolha seria muito fácil de fazer: o jogo decisivo da Copa de 1950, o famoso "Maracanazo", quando o Uruguai virou o jogo contra o Brasil em pleno

Maracanã e ficou com o título mundial, vencendo aquela final por 2 a 1.

Há várias razões para a minha escolha: uma das principais é pela qualidade do espetáculo. Jornalistas europeus que estiveram no Brasil para cobrir aquele torneio ficaram boquiabertos com o futebol jogado por Zizinho, a estrela da seleção brasileira à época. Eles nunca tinham visto nada assim antes. Junto com ele, tinha o pequeno Jair Rosa Pinto, com seu canhão de pé esquerdo, o centroavante Ademir, rápido e perigoso, e o "Príncipe" Danilo Alvim ditando o ritmo do meio-campo. Pelo Uruguai, havia a liderança de Obdulio Varela, o habilidoso ala Ghiggia, a elegância do atacante Schiaffino, e o heroico Maspoli no gol. Em termos de padrão de jogo, é difícil acreditar que até aquele ponto havia tido outro jogo de Copa do Mundo melhor do que esse.

Outra razão é a atmosfera do estádio. Pelos olhos dos torcedores em 1950, o recém-construído Maracanã com certeza proporcionou uma visão extraordinária, como uma nave espacial gigante estacionada ao norte do centro da cidade de Rio de Janeiro. Dentro do estádio, na frente de uma multidão de 200 mil pessoas, um drama de importância trágica foi se desenvolvendo. Importância até demais, verdade seja dita. Foi injusto com aqueles onze jogadores brasileiros que a derrota deles tenha sido vista à época como a "falha de uma nação". Mas a atmosfera do estádio deve ter sido mesmo inesquecível.

Mas acima de tudo, eu gostaria de voltar para aquele jogo tão especial por saber o que veio depois dele. Estar no campo naquele 16 de julho de 1950 compartilhando uma experiência tão forte, que acabou forjando um laço entre aqueles dois times que dura até hoje. Havia um respeito mútuo imenso e uma amizade pura entre os jogadores de Brasil e Uruguai, que ainda se reuniam e visitavam uns aos outros muitos anos depois. Essa história serve como um símbolo eloquente da grande obra silenciosa do futebol - o esporte é o ponto de encontro inicial, em que inúmeras amizades internacionais são feitas e cultivadas, e o mais recente capítulo desta história feliz está prestes a ser escrito aqui no Brasil.

É verdade que a Copa do Mundo de 2014 tem sido cercada de problemas. A organização deixou muito a desejar, e os problemas do dia a dia da sociedade brasileira foram expostos ao mundo. Nada do que acontecer nos gramados dos 12 estádios entre 12 de junho e 13 de julho pode, de alguma forma, alterar um fato central desse torneio: que, de uma maneira cínica, a Copa custou para a população brasileira muito mais do que deveria ter custado e, de retorno, tem dado muito menos do que deveria. Que a culpa, então, seja devidamente repartida e as lições assimiladas.

Clima mágico

Mas vamos também esperar pelo clima mágico que um torneio desses proporciona. O futebol das seleções precisa disso. Outros podem não concordar, mas pelos meus cálculos, a última grande Copa foi a de 1986. Uma audiência de bilhões pelo planeta merece um espetáculo da melhor qualidade.

E ainda têm os que estão vindo para cá - milhares de torcedores das 31 seleções visitantes e outros torcedores neutros de países que não se classificaram. Como eles irão interagir com o Brasil? Como eles irão interagir uns com os outros? Será que esse encontro do Brasil com o mundo tem qualquer efeito de "transformação"? Muito da essência da Copa do Mundo está nas respostas para essas perguntas.

Minha esperança pessoal é de que a grande diversidade dos visitantes possa persuadir alguns brasileiros de que a palavra "gringo" é uma expressão inadequada para 97% da população do planeta, o que na minha humilde opinião seria um serviço inestimável para o desenvolvimento da nação.

E a Copa do Mundo de 2014 pode também prestar outros pequenos serviços à humanidade, em encontros felizes entre iranianos e bósnios, coreanos e belgas, ganenses e portugueses. E onde poderia ser mais apropriado para essas pessoas se encontrarem que não no Brasil, a terra que acolheu tantos imigrantes no fim do século 19 e início do século 20?

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