Ansiedade com a Copa pode gerar estresse, frustração e até infarto

Paulo Anshowinhas

Do UOL, em São Paulo

A mudança de horários e comportamento festivo dos torcedores devido à Copa do Mundo pode gerar transtornos psicológicos ou doenças cardíacas? Entre os especialistas ouvidos pelo UOL Esporte o consenso é de que mesmo sendo motivo de muita festa, é preciso apreciar com moderação. De acordo com o pesquisador e cientista social Bernardo Buarque de Hollanda, doutor em História Social da Cultura, e professor da Escola Superior de Ciências Sociais da FGV, a questão toda está no público.
 
Em trecho do seu trabalho acadêmico "Futebol, Arte e Política: a catarse e seus efeitos na representação do torcedor", Bernardo afirma que "o torcedor de futebol costuma ser visto pelo senso-comum e por parte dos intelectuais de um modo depreciativo. Aquele que frequenta estádios é, em geral, um indivíduo vulgar, com atitudes irracionais e de mentalidade provinciana. Aferrado a seu clube, o torcedor não gosta de ser contrariado e apresenta estados emotivos instáveis: passa da alegria à cólera em questão de segundos".
 
Ainda de acordo com esse estudo, a palavra torcedor vem de uma observação pitoresca de dias de jogo entre o público feminino da década de 60. Angustiadas, nos momentos que antecediam um gol, as mulheres tiravam as fitas coloridas de seus chapéus e "torciam" seus lenços como gesto de aflição.  Em outro trecho do estudo, Bernardo cita uma frase de Nelson Rodrigues: "O futebol só começou a ser histórico quando apareceu o primeiro torcedor..."
 
Para a psicóloga Dra. Denise Pará Diniz, PHD em gerenciamento de estresse e qualidade de vida da Unifesp, "nesse período de Copa o organismo reage para se esforçar a essa mudança de hábitos e tenta se adaptar à nova realidade", diz.
 
"Essas mudanças de horários, dependendo da intensidade e frequência, podem levar o indivíduo a ter sintomas de estresse, que atinge a pessoa como um todo. É preciso ter equilíbrio entre razão e emoção senão os efeitos dessa ansiedade começam a ser observados em dores de cabeça, de estômago e até diarreia", explica.
 
"É importante usar a ocasião (dos jogos) para se divertir e relaxar, e não para resolver conflitos, relações ou simplesmente usar como pretexto para beber mais. Nessas horas é bom lembrar o bordão - haja coração", brinca, depois de repetir a famosa frase televisiva ao lembrar que ao mesmo tempo que pode relaxar, o álcool pode alterar drasticamente suas relações e a própria saúde, em alguns casos para sempre.
 
Ópio do povo pode ser fatal se aliado a grande ansiedade
 
"Tanto na vitória quanto na derrota, a Copa aumenta o número de doenças cardiovasculares". Essa é a opinião de Roberto Kalil Filho, diretor de cardiologia do Incor, Instituto do Coração do Hospital das Clinicas da FMUSP.
 
"A ansiedade é o grande problema, pois ela libera adrenalina que aumenta a frequência cardíaca e a pressão arterial que pode causar consequências mais graves", avalia Kalil. "Com essa ansiedade as pessoas fumam e bebem mais do que estão acostumadas, e nem percebem que podem estar infartando", diz.
 
Para o especialista, ao contrário do que se imagina, o infarto é uma doença traiçoeira, silenciosa e não tem um sintoma clássico. "Pode parecer uma leve dor de estômago, ou um certo desconforto que chega até a mandíbula, ou até mesmo uma certa angústia com discreta falta de ar, e dor nas costas", conta.
 
"A Copa é um evento que faz bem, mas o problema é o excesso, e muitas pessoas podem ter uma obstrução grave nas artérias, ou ser hipertenso e não sabem", afirma. "Caso alguém desmaie, por exemplo, não coloque sal na boca da pessoa, isso é um mito. Deixe a pessoa deitada, na posição horizontal e chame o 192", alerta.
 
Já Luiz Vicente Figueira de Mello, do Programa de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria da USP (IPQFMUSP), descarta a relação entre a Copa e a geração de transtornos psicológicos.
 
"Não acredito. Algumas pessoas apresentam quadro de hipertensão e diabetes preexistentes e quando recebem uma descarga de adrenalina muito grande (no caso dos jogos), podem ter sua pressão arterial elevada, o que pode levar a outros riscos, mas não psicológicos", analisa.
 
"O futebol é o ópio do povo. Por se tratar de uma manifestação festiva, uma confraternização, ao final existe a sensação de ressaca, de que a festa acabou, e de que queria continuar", prossegue. "Haverá sim a frustração com a chegada da realidade, que irá deixar de lado o imaginário temporário de prazer, como se fosse um devaneio que desvia a atenção, e a chegada da dura frieza da realidade", conclui.

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