Acusado de ser chefe da máfia dos ingressos atua em países-sede desde 2005

Vinícius Segalla

Do UOL, em São Paulo

  • Vinicius Konchinski

    CEO da Match, Ray Whelan chega à delegacia após ser preso no Copacabana Palace

    CEO da Match, Ray Whelan chega à delegacia após ser preso no Copacabana Palace

O britânico Ray Whelan – diretor-executivo da Match apontado como elo entre a Fifa e uma organização que desviava e comercializava ingressos da Copa do Mundo, que foi preso na última segunda-feira (7) no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, e solto horas depois para responder ao caso em liberdade – é um veterano do mundo dos negócios do futebol.

Só na Match, empresa ligada à Fifa detentora exclusiva dos direitos de comercialização dos camarotes e ingressos corporativos da Copa, ele está desde 2005.

Os trabalhos que desenvolveu por aqui até ser detido por suspeita de associação criminosa e desvio de ingressos da Copa são semelhantes aos que cumpriu na Alemanha, antes e durante a Copa de 2006, e na África do Sul, desde 2007 até a Copa de 2010.

Whelan cuidava não só da venda dos ingressos, mas também das áreas de hospedagem, eventos e turismo relacionados ao boom de negócios que se cria no entorno do evento Copa do Mundo. Paralelamente a seu trabalho na Match, ele é diretor-presidente da GSI, ou Global Sports International, empresa sediada no Reino Unido que realiza eventos e torneios esportivos ao redor do mundo.

Em 2004, o britânico de 63 anos e a sua empresa GSI participaram da criação do projeto de candidatura da Líbia a sede da Copa do Mundo de 2010. Foi um trabalho de seis meses compilando documentos e estudos para serem apresentados ao comitê-executivo da Fifa em favor da candidatura do país então presidido pelo ditador Muammar Gaddafi. A África do Sul acabou vencendo a disputa.

No ano seguinte, 2005, Whelan foi morar na Alemanha, que seria sede da Copa no ano seguinte, já trabalhando para a chamada Match FIFA Accomodation Office, mas como agente, e não ainda em seu cargo executivo atual. A diretora executiva da Match à época era Ivy Byrom, uma dos sete irmãos donos da Match e também mulher de Ray Whelan. Ele atendeu a reuniões e feiras de promoção de negócios ligados à Copa e à comercialização de ingressos, camarotes e pacotes de hospitalidade, além da acomodação de turistas e delegações que iriam ao evento.

Um ano após a Copa da Alemanha, já em 2007, foi para a África do Sul, trabalhar na organização e promoção comercial da Copa de 2010. Foi um dos responsáveis pelo contrato com o governo local que levou a maior feira mundial de negócios do futebol, a Soccerex, por três anos consecutivos à província sul-africana de Gauteng, onde estão as cidades Pretória e Joanesburgo, respectivamente capitais política e econômica da África do Sul.

Whelan passou quatro anos dizendo a governos e investidores sul-africanos quão grande era a oportunidade de sediar uma Copa. Em uma conferência, em julho de 2008, afirmou: "A Copa será como uma tsunami que vai se esparramar pelo país todo". Em outra oportunidade, um seminário em novembro de 2007, em Joanesburgo, dissera: "A Copa será um enorme espetáculo, e os benefícios que ela trará são imensos. Convido todos os investidores da província de Gauteng a aproveitar esta grande oportunidade."

Ouvindo suas próprias palavras, Ray Whelan levou a sua GSI para investir na África do Sul. Assim, em 2009, a empresa organizou a primeira edição do Future Champs, torneio internacional de futebol sub-17 com times de todo o mundo, disputada em Gauteng. A Match foi uma das patrocinadoras, assim como é até hoje.

Já no ano seguinte, foram realizadas duas edições do Future Champs: a primeira na mesma província sul-africana, antes da Copa de 2010, e outra no fim do ano, no município de Belo Horizonte, em Minas Gerais. O Brasil, próxima sede da Copa do Mundo, entrava no calendário de negócios da Fifa, da Match, da GSI e de Ray Whelan, agora já diretor-executivo do braço de acomodação e hospitalidade da Fifa.

Divulgação
O prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, e Ray Whelan, da Match e da GSI: convênios somam R$ 1,9 milhão

Assim, entre os dias 9 e 19 de dezembro de 2010, Belo Horizonte sediou o evento da GSI, que contou com a presença de 12 clubes (quatro brasileiros e oito estrangeiros), entre eles Corinthians, Vasco, Peñarol, Barcelona e Paris Saint Germain. Quem fechou negócio com a Prefeitura de Belo Horizonte foi Ray Whelan. Constam a sua assinatura e a do então e atual prefeito Marcio Lacerda no contrato de convênio de R$ 990 mil que foram repassados pelo município à empresa de Whelan para organizar o torneio.

No ano seguinte, 2011, outro convênio, desta vez de R$ 965 mil, permitiu que o Future Champs fosse novamente disputado na capital mineira. À época da assinatura do negócio, ao lado do secretário estadual da Secopa-MG, Sergio Barroso, e do prefeito Marcio Lacerda, Ray Whelan discursou: ""Fatores como transporte aéreo e viário, capacitação do receptivo, hotelaria são muito importantes para a execução do Future Champions. Como o evento em Belo Horizonte em 2010 foi um sucesso, decidimos retornar em 2011".

Assim Whelan foi ficando no Brasil, ora fechando negócios para a GSI ligados à Copa, ora fomentando os negócios do Mundial junto a empresários e autoridades públicas em nome da Fifa e da Match. Encontrou-se com secretários de pastas estaduais e municipais ligadas ao esporte e ao turismo em Salvador. Prestou serviços ao Estado da Bahia de promoção turística nos Estados Unidos e montou o projeto que levou a Suíça a escolher Porto Seguro como sua sede durante a Copa de 2014. Ajudou sua mulher, Ivy Byron, a comandar um lounge VIP para membros e parceiros da Fifa montado dentro do Copacabana Palace.

Para a Polícia do Civil do Rio de Janeiro, porém, fez mais do que isso. Também operou um esquema de venda de ingressos da Copa por preços superiores aos anunciados. Pelo Estatuto do Torcedor, isso é crime, previsto no artigo 41-G: "Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete".

A pena prevista é de dois a quatro anos de prisão, aumentada em um terço até a metade se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva, entidade responsável pela organização da competição ou empresa contratada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos. A Match detém contrato com a Fifa para as Copas da Rússia (2018) e do Qatar (2002).  

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