Família de jogador assassinado há 20 anos sorri com Copa e agradece Brasil

José Ricardo Leite

Do UOL, em Fortaleza (CE)

  • José Ricardo Leite/UOL

    Família do jogador Andrés Escobar hoje desfruta do lado bom de uma Copa do Mundo

    Família do jogador Andrés Escobar hoje desfruta do lado bom de uma Copa do Mundo

A família Escobar é daquelas que poderiam ter aversão total ao futebol, se afastar para sempre e só falar mal dele. E tem motivos compreensíveis para isso. Ela perdeu um parente numa das mais revoltantes tragédias já ocorridas por causa do jogo: a morte do capitão da seleção colombiana de 1994 Andrés Escobar, assassinado em seu país depois de fazer um gol contra no Mundial daquele ano.

Mas os familiares não enxergam só o lado negativo, mostram como superar a dor e ainda assim vivenciar as coisas boas do esporte mais popular do planeta. Irmão mais velho de Andrés, José Dario Escobar está no Brasil com seus dois filhos, um primo e mais dois sobrinhos dele e de Andrés, filhos de Maria Esther, irmã mais velha do ex-capitão da Colômbia. Os sete já viram jogos em São Paulo, Salvador, Rio, Fortaleza e vão até Belo Horizonte ver a semifinal e voltarão ao Rio para a decisão.

Vieram seguir a seleção que não disputava um Mundial desde 1998 e fez no Brasil sua melhor campanha da história. Sempre sorridentes e alegres, cada um deles a todo momento faz questão de dizer que vivem um momento especial ao assistir uma Copa do Mundo e agradecem até aos brasileiros por, hoje, um Mundial fazer sua família sorrir, e não chorar.

"Andrés continua nos seguindo com todas as coisas que nós fazemos. Ele sempre estará com nós. Os brasileiros foram muito queridos com a gente aqui, só temos a agradecer. Vamos a Belo Horizonte ver a semifinal e depois a final no Rio. O Brasil merecia fazer este Mundial. Todos temos muito respeito pela história do Brasil. Agradeço a todos vocês brasileiros pelo que estou passando aqui. A Colômbia ganhou um grande Mundial e vamos continuar nosso caminho", disse o irmão de Andrés, José Dario.

"Futebol é como a vida, você tem momentos bons e alguns tristes. Toda a família sempre foi ligado ao futebol. Não poderíamos nos distanciar do futebol pela fatalidade de Andrés. Pra nós é uma paixão. Tivemos alegrias e vamos seguir ligados e juntos com o futebol. Tem coisas bonitas, como seguir a Colômbia nessa campanha histórica e voltar a jogar depois de 16 anos uma Copa. E estamos juntos em família para ver tudo isso. É uma alegria muito grande. E tudo isso no Brasil, onde as pessoas têm sido maravilhosas com a gente, nos tratam bem. Estamos tendo momentos maravilhosos e inesquecíveis em nossas vidas", disse Sebastian, sobrinho do ex-capitão colombiano.

"Ele está sempre conosco, da forma que penso sobre esse Mundial, agora que estamos próximo de completar 20 anos, meu tio foi como um guardião dessa campanha da Colômbia", comentou o sobrinho Miguel, que nasceu meses antes do assassinato do tio.

Apaixonado por futebol, o irmão do zagueiro ressalta que Andrés mais gostaria de ver é a família feliz e aproveitando o que ele mais gostava, o esporte. E diz que o legado deixado por sua fama de homem íntegro vai perdurar para sempre entre as pessoas de seu país.

"Ele mobilizava as pessoas. Foi um grande líder, uma grande pessoa e um grande jogador. Ele não está no estádio, mas nos deseja força. Deixou um legado. Após 20 anos, todos perguntam dele. Ele foi um líder, um grande homem. Um cara íntegro em todos os sentidos. O capitão da seleção colombiana. Ensinou muito. Era um cara humilde e sincero, muito apegado à sua família. Sempre vão recordas as coisas bonitas que fez no futebol e fora dele por seu lado humano", falou.

Os sobrinhos que não o conheceram já sabem muito sobre o capitão que era conhecido como "El Caballero" (O Cavalheiro) por suas atitudes cordiais em campo e uma vida pessoal admirada pelo povo colombiano.

"As pessoas sempre falam do lado familiar dele. Sempre escutei só coisas boas, que era um cavalheiro, um cara muito respeitado e que gostava de crianças e ajudar os outros. Isso nos dá orgulho", falou Miguel. 

"Tudo que ouço dele não é só da parte de futebol, mas pessoal. Era uma pessoa muito carismática, muito amorosa, que gostava de ajudar os pobres, que queria bem as pessoas. Eu era muito pequeno, mas  todos ressaltam suas qualidades humanas. O que chama atenção de meu tio é isso. Acho que a seleção colombiana tinha um lado dele, a união entre todos", endossou Sebastian, que tinha dois anos quando o tio morreu.

Agora é só desfrutar da alegria que o futebol lhes está proporcionando. E o irmão mais velho de Andrés deixa seu recado e pedido para todos que amam o esporte. "O futebol é parte de nossas vidas, e merecemos que o esporte seja uma coisa de paz. Que um resultado não faça as pessoas perderem a vida, como foi com Andrés por um gol contra. Esperamos que as pessoas celebrem em paz. Que todos pensem sempre na paz, como nós colombianos", finalizou.

Andrés era contra ligação com narcotráfico

Escobar tinha apelido de "El Cabellero" ("O Cavalheiro" em português) por sua fama de jogador correto, disciplinado e que não tolerava situações erradas. O filme "The Two Escobars"produzido pela ESPN, fala a sobre a história da morte do jogador e de como Andrés reprovava a relação de jogadores de futebol com narcotraficantes.

O filme mostra a paixão do mais famoso traficante colombiano, Pablo Escobar, pelo futebol e com o time do Nacional, de Medellin, cidade do cartel que controlava. O criminoso era torcedor fanático do time, que tinha Andrés como capitão e que foi campeão da Copa Libertadores da América de 1989.

Pablo, que foi assassinado em 1993, financiava o time e tinha ligação com os atletas, inclusive com convites para festas em sua casa. Pessoas próximas a Andrés, como sua ex-noiva, revelam que a obrigação de ter contato com o patrão era motivo de indignação para Andrés.

O documentário lembra o momento no qual os jogadores foram forçados a fazer uma visita ao traficante quando ele estava na cadeia. "Era ir ou ir", lembrou a irmã de Andrés, María Ester Escobar.

Ex-companheiro do zagueiro na seleção colombiana, Freddy Rincón lembra que Andrés Escobar tinha esse perfil sério e comentava de sua amargura por ter que se sujeitar a algumas situações em função de o futebol naquela época estar atrelado ao narcotráfico.

"Gostar, ele não gostava. Mas o que ele iria fazer se o cara chamasse? Se ele falasse ´eu não vou´, quem é que iria protegê-lo? Quem iria responder por ele? O Andrés não gostava daquilo e pensava dessa forma. Ele nunca aceitou aquilo. Mas se era convidado, ele tinha que ir", lembrou o ex-jogador de Corinthians e Palmeiras.

Ex-companheiro de Andrés no Nacional e na seleção colombiana, Faustino Asprilla trata com ressalvas a ligação dos jogadores do time com Pablo. "Não tínhamos nada a ver com o que ele fazia. Ele era um torcedor fanático do Nacional e tinha seus problemas com o governo e a polícia colombiana. Já Andrés não aceitava certas condutas. Foi lamentável, um momento muito triste."

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