A Buenos Aires da buchada não sabe se torce para Brasil ou Argentina

Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em Buenos Aires (PE)

No meio no canavial surge uma cidade que veste celeste e branco e torce para os maiores rivais futebolísticos do Brasil. Saindo de Recife, é só pegar rodovia PE-408, passar pela Arena Pernambuco, Paudalho, Carpina e depois de Nazaré da Mata, virar à esquerda no trevo. Pronto, você chegou a um universo paralelo no mar de brasilidade: é Buenos Aires.

Se existe o Bem e o Mal, o Ying e o Yang, Deus e Diabo, o Batman e o Coringa, a identidade do Brasil não existiria sem a Argentina por perto, e vice-versa. E, na Buenos Aires pernambucana, essa rivalidade é vivida a cada instante e intensamente pelos vizinhos.

"Fizemos um decoração na rua na cores da Argentina e vieram uns cabras cheio de pitu na cabeça e tiraram todas as bandeirinhas. E tem gente ainda que ameaça sair na porrada porque não entende por que torcemos para os argentinos", conta José Paulo Araújo, que além de comerciante é o presidente do Boca Junior (assim sem "s" mesmo), time de várzea.

Para onde vai, Araújo leva um boneco de bode pintado de amarelo e azul e recheado de cachaça. A cada lance de gol da equipe de Messi, ele dá uma golada. No jogo contra a Bélgica, foram várias. E ele foi assistir à partida na casa de Jadiel Felipe, amigo na "argentinidad", mas oponente no futebol local: ele é dirigente do River.

"Pelé é uma farsa, fez seu nome em cima do Garrincha. Bom mesmo era o Maradona, que levava a Argentina nas costas", decreta Jadiel, pouco isento, mas apaixonado. "Neymar é um franguinho ao lado de Messi, que já foi eleito quatro vezes o melhor do mundo. Neymar tem que comer muito fubá ainda", completa ostentando no peito o escudo da AFA (Asociación de Fútbol Argentino).

O amor é tanto que a localidade possui até o seu Messi. "A patroa não permitiu que eu colocasse Messi no meio do nome de batismo, mas meu moleque foi registrado como Lionel Melo", se orgulha o funcionário público Rosivaldo Melo. O berço do bebê de dez meses são nas cores argentinas e tem um bandeira na decoração. Algumas ruas para cima está a casa de Riquelme da Silva, de oito anos.

O povoamento chamava-se Jacu até 1928. Conta-se que um padre argentino trabalhou na cidade e elogiou o clima de lá. Surgiu, então, a denominação de Buenos Aires. Em 1963, o que era um distrito de Nazaré da Mata, terra do maracatu rural, se emancipou com esse nome. Hoje, a população é de pouco mais de 13 mil almas buenosairenses.

A febre local pela Argentina surgiu na década de 1980, com o estrelado de Diego Maradona. Adotar o espírito portenho e patriotismo vizinho foi a forma de se diferenciar de tantas outras cidades perdidas na Zona da Mata pernambucana.

Mas o cardápio para seguir a Argentina na Copa do Mundo é o típico nordestino: buchada e feijão de corda. Quem é o encarregado de servir os torcedores é Carlos Oliveira. "Este é poroto verde (apontando para o feijão). E puedes me chamar de Carlitos", manda no portunhol o cozinheiro que diz ter viajado e trabalhado por dois meses na cidade homônima encravada no estuário do Rio da Prata, que fica a quase 5.000 quilômetros.

Além dos fanáticos locais, muitos traíras das proximidades vão para Buenos Aires para praticar seu crime lesa-pátria. "A vibração aqui é muito legal. Vale viajar para aqui para entrar no clima da Copa", conta Fabiano Lopes, que atravessou 80 quilômetros para vir desde a cidade de Paulista, vizinha a Recife.

Mas não há unanimidade por lá. "Esses danados acham que são argentinos, ôxi. Eles estão é inventando moda. Tem que torcer pelo Brasil", se irrita José Souza, vizinho que estava de penetra na garagem com televisão que se transforma em reduto dos "hermanos pernambucanos" durante as partidas da seleção alviceleste. "Só estou aqui só secando e filando a cerveja e a carne desses sujeitos", provocou.

A rivalidade faz explodir a venda de rojões, afinal, os seguidores de Messi querem fazer mais barulho que os buenosairenses que insistem em torcer para o Brasil. E eles cantam os coros dos estádios argentinos pelas ruas sem terra de lá, sem saber uma palavra em espanhol. Os gritos de "Vamos, Argentina" e "Dale, Argentina" saem com forte sotaque nordestino, mas com uma paixão incrivelmente portenha.  

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