"Bico" na tradição holandesa é aposta de risco de Van Gaal

Fernando Duarte

Do UOL, no Rio de Janeiro

Acostumados a jogos psicológicos nos encontros com o temperamental treinador Louis Van Gaal, os holandeses levaram em meados de maio um soco verbal no estômago quando o homem a cargo da campanha da Laranja na Copa do Mundo do Brasil anunciou que poderia usar uma senhora retranca para estrear no torneio contra a campeã mundial Espanha – a partida ocorre na próxima sexta-feira, em Salvador.

Mais do que falar, Van Gaal pôs o plano em prática nos últimos amistosos da seleção holandesa – as vitória de 1 a 0 sobre Gana e 2 a 0 sobre o País de Gales, na semana passada. A Laranja entrou em campo nas duas partidas com um sistema tático com cinco zagueiros. Número mais do que suficiente para ter o efeito de um chute proverbial na tradição holandesa de adotar formações mais ofensivas, como o 4-3-3.
 
Desta vez, o típico espírito crítico da mídia e dos torcedores não pareceu somente comportamento padrão. Ainda mais depois de Van Gaal dizer publicamente ao chegar no Brasil que sua retranca era pura e simplesmente uma maneira de evitar o toque de bola e a movimentação de Xavi, Iniesta e companhia na Fonte Nova. "A Espanha tem um time muito bom, com jogadores fortíssimos. Não podemos deixar que eles joguem. Temos que encurtar espaços", afirmou Van Gaal, com muita naturalidade, durante os treinos do time na Gávea.
 
Não se trata de um mero devaneio de um treinador conhecido pelo ego inflado: a recente lesão do meia Kevin Strootman, do Roman, deixou Van Gaal sem uma meia capaz de avançar e defender com a mesma tocada. E a acusação traição às tradições do país de Cruyff e Van Basten tem de ser atenuada pela insistência com que o ex-comandante do Barcelona tentou encontrar espaço para que os três mais talentosos jogadores à disposição atualmente – o meia Wesley Sneijder e os atacantes Arjen Robben e Robin Van Persie – atuem juntos. 
 
"A lesão de Strootman foi uma razão para mudar o sistema, mas eu também quero jogar com um mínimo de três jogadores criativos no Mundial. Este sistema permite que os jogadores mostrem sua força. É arriscado mexer agora, mas podemos sempre voltar ao 4-3-3 caso as coisas não deem certo. Mesmo durante uma partida", explicou o treinador.
 
Nem todo mundo viu o copo como metade cheio, porém. Além do uso de três zagueiros e dois volantes "pegadores" na forma Jordy Claisie e de Nigel de Jong (aquele que deixou uma pegada no tórax do espanhol Xabi Alonso na final de 2010), críticos veem no sistema de Van Gaal uma confiança excessiva no potencial criativo de Sneijder – um jogador que o próprio Van Gaal criticou publicamente nos últimos meses.
 
"Na teoria, Van Gaal criou um sistema que é previsivelmente defensivo, mas cujo potencial ofensivo é uma incógnita. Sneijder será o ponto focal do time e vai precisar que Robben e Van Persie usem toda a sua habilidade. Se algo estiver fora de sintonia, as coisas poderão dar errado. E precisamos lembrar que o Chile não estará simplesmente atuando como figurante em nosso grupo no Mundial", opina Valentjin Driessen, do jornal holandês "De Telegraaf", referindo-se à outra partida problemática da Laranja no Mundial (a Austrália completa o grupo).
 
Para entender a controvérsia, basta saber que jogadores de futebol na Holanda são instruídos a jogar num 4-3-3 desde os níveis mais inferiores das categorias de base. Assim como no Brasil, a questão da arte versus resultado faz parte de um eterno debate na Holanda. E muitos partidários de uma ênfase no estilo acreditaram que a tática mais negativa adotada pela Laranja em 2010 com Bert Van Marwjick tinha servido de exemplo de como a "feiúra" também não trazi eficiência.
 
Para Van Gaal, porém, a preocupação filosófica entrou por um ouvido e saiu por outro.
 

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos