Volante do Brasil em 86 diz que foi humilhado por Telê em teste emocional

José Ricardo Leite e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

  • Bob Thomas/Getty Images

    Elzo contra a Espanha; volante foi um dos melhores do Brasil na Copa

    Elzo contra a Espanha; volante foi um dos melhores do Brasil na Copa

Uma dura inesquecível e que gerou choro, revolta e incompreensão por alguns dias. Essa é uma das lembranças do ex-volante Elzo, titular da seleção brasileira na Copa de 1986, quando fala da preparação do time. Ele revela ter ouvido fortes palavras do técnico Telê Santana no vestiário, só os dois, e que se sentiu humilhado.

O meio-campista foi uma das apostas do treinador para o time. Elzo deixou no banco o badalado e histórico volante Falcão. Logo quando foi pré-convocado na lista de 30 jogadores, dos quais oito seriam excluídos, foi contestado por muitos na época por seu estilo defensivo. Virou uma espécie de "patinho feio" da equipe. "Havia uma desconfiança muito grande porque eu fui a surpresa da lista", lembrou ele em entrevista ao UOL Esporte.

Na disputa para se manter entre os convocados da lista final para a Copa do México, Elzo lembra que adotava o estilo operário e abusava do esforço, sua marca registrada como jogador. Era o primeiro a entrar nos treinos e o último a sair. Eis que depois de um dos treinamentos na Toca da Raposa, local de preparação do time, Telê o chamou para uma conversa a sós. E, sem cerimônia, passou a disparar críticas ao jogador.

"Quando ele entrou no vestiário e me viu, fechou a porta...eu não consigo esquecer as palavras dele. Ele me falou: ´Olha Elzo, eu vou dizer uma coisa pra você: craques aqui são Zico, Falcão, Sócrates, Júnior, Éder, Oscar...você não é nada aqui, sabia? Você é, inclusive, o primeiro da minha lista para ser cortado. Você pensa que está me enganando ficando até mais tarde no campo e sendo o primeiro a chegar? Você não me engana não, cara. E vou dizer mais: vou sair daqui do vestiário agora porque minha vontade é de te pegar e te agredir. Você merece isso. Não é papel de homem o que você está fazendo, isso é papel de moleque´. E depois ele bateu a porta do vestiário e saiu andando", recordou Elzo, perplexo com a atitude do técnico e sem entendê-la. Ouviu tudo calado e não conseguia ter nenhuma reação.

"Aí eu entrei debaixo do chuveiro, tomei um banho e comecei a chorar. Fui para o meu quarto, arrumei minha mala e pensei: 'Quer saber? Eu vou é embora amanhã e quando as pessoal acordarem ninguém vai mais me achar por aqui'", continuou.


Ele conta que a transe psicológica e a baixa autoestima duraram mais alguns minutos. Até que tirou forças de onde não tinha para superar a dura levada e a quase iminente dispensa da equipe que iria para o México. Pensou, refletiu e entendeu que tinha que cumprir seu papel de maneira correta até que lhe fosse anunciada a exclusão.

"Lembrei que eu tinha sido por três anos consecutivos o melhor jogador de Minas Gerais. Aí o cara vem e fala que não tenho qualidade? Pensei, quer saber de uma coisa, ao invés de 7h estarei no campo 6h30 no dia seguinte. Chegava antes do roupeiro e dava mais piques do que dava antes", recordou.

Apesar do que havia ouvido do técnico, Elzo não fez parte da lista de oito dispensados e foi com a equipe até o final, sendo titular absoluto, mesmo com contestações de parte da torcida. Foi bancado por Telê e não tiveram nenhum contato ou conversa mais íntima durante todo o torneio. Mesmo após a eliminação para a França, nas quartas de final, voltaram para o Brasil sem conversar.

O mineiro voltou encucado com tudo aquilo e sem saber quando teria a chance de tirar aquela história a limpo. Mas a sua agonia durou pouco tempo. Elzo foi um dia almoçar em uma churrascaria em Belo Horizonte e cruzou com o técnico bem na porta. Não teve reação e apenas esperou o que o ex-comandante faria. Eis que Telê novamente o chama para conversar. O ex-jogador lembra até hoje de todas as palavras.

"Já pensei ´minha nossa, vou levar outra dura...mas ele falou:  Elzo, que bom que te encontrei. Queria conversar com você de novo depois daquela dura. Lembra daquela vez que eu falei que aqueles jogadores eram melhores que você?", indagou o treinador. "Respondi que sim, claro, que jamais esqueceria daquilo que você fez comigo. E ele então prosseguiu ´Sabe porque foi aquilo? Pra você ser o titular e o melhor jogador do Brasil na Copa. E vou te dizer uma coisa...você chorou aquele dia? E agora quem chora sou eu´", contou.

Elzo conta que Telê então passou a chorar e deu um abraço no jogador. Entendeu que o treinador quis fazer com ele no vestiário um teste psicológico para saber se suportaria a pressão de ser o titular de uma badalada seleção com vários craques e sendo contestado não só pela torcida, como pelo próprio treinador. Passou na fogueira e não guardou mágoa nenhuma. Foi considerado um dos melhores jogadores do Brasil no Mundial.

"Ele queria ver se eu era firme mesmo. Depois até conversei sobre isso com o filho dele, o Renê. Ele mexeu comigo psicologicamente, e se eu fosse fraco, teria arrumado minha mala e ido embora. Mas coloquei aquilo como um desafio, uma motivação final. Faço até hoje palestras motivacionais para superação."

O ex-preparador de goleiros Valdir Joaquim de Moraes era da comissão técnica de Telê na Copa e um dos homens de sua confiança. Diz que o treinador não avisou os demais integrantes do episódio com Elzo. Mas ressaltou que essas atitudes aconteciam de sua própria cabeça com frequência e que não eram mal vistas pelos atletas.

"Não, ele não comentou comigo que faria isso. O Telê tinha essas coisas assim, saía da cabeça dele. Tem vários casos assim, mas não sabia que ele tinha feito isso. O Telê tinha cara de bravo, mas na verdade não era. Ele era um cara sério, muito correto. E que queria que os jogadores se entregassem de corpo e alma."

Telê e sua psicologia

A fama que Telê Santana sempre carregou foi de um extremo perfeccionista e que dava fortes broncas em jogadores quando cometiam erros que não aceitava. Mas ainda assim sempre foi querido pela grande maioria dos seus comandados.

Não se cansava de repetir fundamentos e estimulava que os atletas corrigissem seus defeitos com repetições e orientações. Não se limitava à profissão e dava conselhos pessoais, como orientar para que os atletas não gastassem dinheiro com mulheres e carros caros. Em crise financeira nos últimos anos, o ex-atacante Macedo recorda que foi avisado pelo comandante quando estava "se perdendo".

"O Telê falava: ´toma cuidado com as meninas, elas não vão dar nada pra você, vai investir em terra e imóveis. Vocês acham que são bonitos? Elas só querem seu dinheiro", recorda o ex-são-paulino.

Citado por Elzo, Renê Santana, filho de Telê, preferiu não entrar em detalhes sobre a história do volante. Mas disse que Telê era como pai da mesma forma que como profissional, um cara exigente e que fazia cobranças e tinha estratégias sempre visando que as pessoas melhorassem.

"Eu sei que houve isso, como se deu o Elzo é que tem autoridade pra contar, ele colocou uma situação que era para testá-lo. Mas ele sabia lidar muito com a psicologia. Fazia as coisas com quem ele conhecia e sabia que ia responder. Às vezes como uma palavra ou uma atitude. Era método que ele tinha para tirar o máximo dos atletas. Ele exigia de quem tinha que exigir e às vezes uma bronca era em busca de um talento a mais", falou.

"Ele procurava orientar atletas mesmo sabendo que seria ignorado. Sentia que era obrigação dele de falar algumas coisas. Ele achava que tinha que preservar um jogador que passava a ter uma bolada nas mãos. Na questão familiar, sempre fez isso na formação dos filhos, assim como fazia com jogadores."

 

 

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