Pressionado por questões incômodas, Ronaldo tem crise de suor

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

Ao aparecer no meio do palco para ser sabatinado por jornalistas na quinta-feira, o ex-atacante Ronaldo parecia bastante à vontade, preparado para mais uma entrevista de alguém acostumado com os holofotes desde a adolescência.

Duas horas de perguntas incômodas depois, ele sairia dali levemente constrangido, encharcado de suor, mesmo sob os 17 graus de uma tarde fria em São Paulo e em um ambiente cujo aparelho de ar-condicionado marcava presença com um constante zuuumm.

"Está muito quente aqui ou sou só eu?", perguntou ele no meio do fogo-cruzado, após evitar expor sua avaliação sobre o governo Dilma Rousseff. "Só eu que estou suando? Porra! Quer dizer, poxa!" E arrancou risos da plateia.

Também passou a mão no cabelo, enxugou a testa com um guardanapo, desgrudou a camisa do peito, levantou e virou as costas para o público exibindo uma grande marca molhada na altura da cintura. Havia outras embaixo dos braços.

"Gente, vocês não têm ideia de como esse homem está suando!", atestou Naief Haddad, o editor de Esporte do jornal Folha de S.Paulo, um dos entrevistadores, que estava ao lado do ex-jogador.

O que provocou a crise de sudorese em Ronaldo foram principalmente perguntas sobre política que, ele deixou claro, "é uma área perigosa." Essas foram, porém, o ponto alto da sabatina promovida pelo jornal, que o UOL Esporte acompanhou da plateia.

Membro do Comitê Organizador Local da Copa, Ronaldo recentemente disse se sentir envergonhado pelos preparativos para o torneio. Durante a sabatina, mesmo pressionado de todos os lados, ele evitou direcionar críticas a governantes.

Quando o secretário-assistente de Redação da Folha Roberto Dias pediu para que ele desse uma nota para o governo Dilma, Ronaldo pensou, passou novamente a mão na cabeça, prolongou um silêncio incômodo e disse simplesmente: "Por que eu deveria dar nota?"

Ele, que assumiu que votará no presidenciável Aécio Neves nas próximas eleições, também tergiversou quando o editor de Opinião Uirá Machado pediu para ser citada uma boa realização política de Aécio.

"Voto nele porque ele é meu amigo. Assim como voto no Andrés [Sanchez, ex-presidente do Corinthians e pré-candidato a deputado federal] porque é amigo. Eu apoio meus amigos. Mas não quero me aprofundar nisso."

Então ele foi lembrado que em 2009 havia criticado atletas que declaram voto e influenciam a opinião pública. Pareceu ter sido pego no contrapé, mas conseguiu sair pela tangente: "Mas agora eu não sou mais atleta." Risos.

Ronaldo fez declarações de amizade a Lula ("um sujeito incrível") e a Fernando Henrique Cardoso ("muito sábio"), mas não a Dilma. "Não tenho uma relação próxima com ela, acho que porque ela não toma cachaça." Mais risos e mais fortes.

No geral, ele driblou as perguntas mais espinhosas como, no auge da carreira, costumava driblar os defensores mais cascudos.

Alguém do público escreveu uma questão em um papel e ela foi lida em voz alta: "Você acha que os políticos têm usado a Copa para se beneficiar?"

Houve um longo silêncio no qual o empresário parecia conversar consigo mesmo procurando uma resposta que não incomodasse ninguém. Um grilo fez cri-cri no meio da plateia: era o celular de alguém que se esquecera de acionar o modo silencioso.

Finalmente, Ronaldo deu uma resposta que, com outras palavras, dizia algo como: eu não vi nada, não sei de nada e, sendo assim, prefiro ficar em cima do muro.

Mas ele pareceu esquecer a retranca e ir ao ataque em pelo menos uma ocasião. No meio de uma pergunta sobre o Itaquerão, quase pulou da cadeira e disse a Roberto Dias: "Arena Corinthians! Desculpa te corrigir assim, mas é Arena Corinthians." Aplausos.

Minha vergonha é pela população que esperava realmente esses grandes investimentos, esse grande legado de Copa do Mundo para eles mesmos. Ronaldo, sobre ter dito que tinha vergonha da organização da Copa

Arrancou gritinhos ao se declarar mais corintiano do que flamenguista. Mas se embananou quando foi questionado sobre racismo, dentro ou fora do futebol.

Primeiro fez um longo discurso contra o preconceito, no qual opinou que as pessoas deveriam ser mais bem-educadas e apertar a mão de qualquer um, não importa o quê.

Depois, ao lhe perguntarem se é contra ou favor da política de cotas raciais, respondeu que a população negra de fato tem menos condições de financiar o próprio estudo e deu um veredito dúbio. "Sou a favor das cotas, mas você dar cota para negro já é racismo."

Quando o assunto saiu da política e dos temas polêmicos, Ronaldo começou a ficar mais à vontade e verbalizou seu alívio. "Ufa! Acho que agora vai esfriar."

Algumas pessoas na plateia começaram a se levantar e ir embora. Enquanto ele falava sobre o que tinha achado da seleção brasileira durante a Copa das Confederações, um rapaz bocejou alto.

Um casal conversava sobre assuntos diversos e mexia no celular enquanto Ronaldo divagava sobre os melhores jogadores e técnicos do mundo.

"Ele se saiu muito bem", disse ao final da sabatina o economista Gerson Caner, 42 anos, que se diz fã de longa data do hoje empresário. "Mostrou alguma mágoa com as críticas que fazem sobre ele porque acho que se sente usado por algumas pessoas, mas é muito bem articulado e sabe o que diz."

Caner foi uma das três pessoas que, quando Ronaldo se despediu, o aplaudiram de pé. Ele também puxava palmas após as declarações mais incisivas e chegou a gritar "fenômeno" enquanto o corintiano falava sobre si mesmo.

No fim, algumas pessoas ainda tentaram pegar autógrafos e tirar fotos, mas depois de se despedir, Ronaldo saiu rapidamente por uma porta lateral e não foi mais visto. Os fãs continuavam encantados.

"Esse cara é um máximo, adoro ele", exclamou um senhor meia hora depois, o auditório já quase vazio. 

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