Mais confiante e popular, Felipão muda de 2002 para 2014; veja frases
Do UOL, em São Paulo
O Luiz Felipe Scolari que convocou a seleção de 2002 não tinha um título mundial, estava sob enorme pressão e ainda era visto com desconfiança por torcida e imprensa. O comandante do penta é bem diferente do técnico que, nesta quarta, escolheu os 23 nomes que disputarão a Copa em casa. Em uma comparação das frases ditas agora e há 12 anos, é possível perceber um treinador mais confiante e ciente da sua popularidade.
Felipão é, segundo uma pesquisa do Ibope, o nome mais popular da atual seleção brasileira, à frente até de Neymar, grande craque do time. O status é resultado de tudo que ele passou na carreira desde a conquista do penta, quando levou Ronaldo, Rivaldo e companhia ao título na Coreia do Sul e no Japão. Antes de conseguir aquela estrela na Ásia, porém, o técnico estava bem mais arredio quando fez sua primeira convocação para a Copa.
Confira a comparação abaixo e entenda como Felipão mudou de 2002 para cá:
Felipão sob pressão
Não é do nosso feitio ficar escondido. Os torcedores não agrediram. As palavras de agressão são normais, nada que não estejamos acostumados , referindo-se ao episódio em que foi cercado por manifestantes que pediam a convocação de Romário
X Naquela noite eu tive de improvisar. Eu sabia que não ia ser bem recebido no Rio e então dormi em outro hotel. Ontem eu não precisei. Inclusive caminhei normalmente à tardezinha , explicando que pôde manter sua rotina normal sem ser afetado pelo público
Em 2002, dias antes de fazer a convocação, Felipão foi cercado por manifestantes em uma rua próxima à sede da CBF, quando ia trabalhar. No dia que divulgou a lista, um grupo pediu por Romário do lado de fora do hotel onde o técnico estava.
Agora, o cenário foi totalmente diferente. Como daquela vez, Felipão escolheu deixar fora da convocação nomes de peso como Kaká e Ronaldinho Gaúcho. Só que não há, desta vez, um clamor popular por nenhum dos dois, ao contrário do que havia com Romário.
A mudança pode ser creditada a um misto de coisas. Felipão hoje passa mais confiança do que há 12 anos, quando se preparava para a sua primeira Copa do Mundo. Hoje, tem um título com o Brasil e uma semifinal com Portugal na bagagem. Além disso, é claro, pesa o momento dos ídolos barrados, já que tanto Kaká quanto Ronaldinho não estão em alta.
Relação com a Copa
Prefiro passar por bode expiatório e resolver com a minha cabeça a resolver com a dos outros e ser crucificado da mesma maneira. Não ganhou, seria morto igual , em tom calamitoso sobre a Copa e seu futuro
X Jogar a Copa do Mundo no seu país é a maior honra, a maior alegria, a maior satisfação da minha vida. É aquilo de mais bonito que pode acontecer na minha vida em termos de futebol , bem mais leve, falando sobre o desafio que tem pela frente
Felipão foi à Copa de 2002 com um histórico respeitável em clubes, dono de duas Libertadores, por Grêmio e Palmeiras. Comandar o Brasil na competição, porém, era o maior desafio da sua carreira, e ele ainda não gozava do prestígio que tem atualmente.
Por isso, e pelo contexto da primeira convocação, o tom de Felipão ao falar da Copa do Mundo é bem diferente daquele que ele adotou nesta quarta. Agora, mesmo diante da pressão de uma disputa em casa, o técnico adota adjetivos mais leves e se mostra mais satisfeito com a experiência, ciente de que dificilmente sairá da competição como o vilão que poderia ter sido há 12 anos.
Relação com a torcida
Sou o técnico da seleção e quero ter a oportunidade de dizer que escolhi esses jogadores. Agora, na base da força e da pressão, não. Ninguém vai fazer eu mudar de ideia , sendo duro ao dizer que não cederia à pressão da torcida
X É uma decisão do técnico a escolha e gostaria de pedir aos nossos torcedores que os 23 sejam muito bem recebidos, independentemente de cores e escolhas que cada um tenha , mantendo a fé nas convicções, mas mudando o tom ao se referir ao público
Felipão estava em guerra com a opinião pública em 2002 por conta da opção por não levar Romário. Em várias de suas falas na entrevista que concedeu após a convocação, ele ressaltou que não levaria em conta outras opiniões que não a sua. Que, se preciso fosse, erraria sozinho.
Em 2014, ele segue convicto e pouco aberto a discussões, mas o tom que ele usa para se referir à torcida mudou completamente. Até por jogar em casa, Felipão acostumou-se a pedir o apoio popular, tentando criar uma atmosfera favorável aos seus jogadores, como já aconteceu no ano passado, na Copa das Confederações.
Sem dar brecha para a imprensa
A situação do Romário foi diferente porque envolveu também a questão tática , cedendo aos jornalistas e dando pistas sobre a ausência de Romário
X Eu tenho 23 convocados. Os que não foram convocados, não o foram por alguma razão que o técnico escolheu , sem dar os motivos pelos quais não quis levar os brasileiros do Atlético de Madri
Na atual gestão, Luiz Felipe Scolari sempre repete um mantra em suas entrevistas: "Não falo sobre quem não foi convocado". Em 2002, ele já fazia algo parecido, mas as suas declarações no momento de divulgação da lista mostram que, diante da insistência, o técnico por vezes acabava cedendo.
Além da questão tática, Felipão também apontou a Copa América de 2001 e a indisciplina como explicações para a não-convocação de Romário. Doze anos depois, ele não cedeu quando uma jornalista estrangeira o questionou sobre os brasileiros do Atlético de Madri, que não foram lembrados.
Mais do que a resposta seca à repórter, o simples fato de que somente ela fez uma pergunta do tipo em 45 minutos de entrevista é sintomático. Felipão, confiante e com respaldo da CBF, está mais acostumado a lidar com as cobranças da imprensa, que também reage à nova postura do treinador.
Todos sabem quem é a estrela
O Ronaldinho pode ter uma marcação especial, mas ainda teremos a criatividade do Rivaldo e do Ronaldo , destacando quem surgia como candidato a estrela da equipe
X Na seleção ele atua por pontos e setores em campo e tem uma responsabilidade maior. Não é só pela criação, mas contra-ataque e improvisação , sobre Neymar, sua estrela indiscutível atualmente
Ronaldo e Rivaldo foram os protagonistas da conquista da Copa de 2002, com Ronaldinho como coadjuvante, mas semanas antes do torneio, muitos achavam que os papeis seriam invertidos. O Gaúcho foi o destaque dos amistosos preparatórios para a competição e via seus companheiros às voltas com lesões.
Felipão, respondendo à sensação geral, previa que Ronaldinho ganhasse marcação especial e entendia que Ronaldo e Rivaldo poderiam ser elementos-surpresa. Hoje, ao contrário, o técnico não tem dúvida de quem é a estrela da companhia, e deixa claro o papel de Neymar na competição.
Imposição no grupo
Se alguém não estiver integrado com o objetivo da Copa, pode sair. Se o atleta não tiver um comportamento, um trabalho adequado ou uma dedicação , ressaltando seu papel de ?chefão? para o grupo de atletas
X Desenvolver com esses jovens é ainda mais fácil do que trabalhar com aqueles veteranos já em fim da carreira e sem aquela ambição , mostrando mais cumplicidade com seus escolhidos
Felipão lidava com vários jogadores que tinham experiências em Copas quando convocou a seleção de 2002. Sem a bagagem que possui hoje, o técnico teve problemas com Romário e Mauro Silva, que não quiseram ir à Copa América, e temia novos casos de indisciplina como o de Djalminha, que acertou uma cabeçada em seu treinador às vésperas da convocação.
Hoje, o treinador tem muito mais controle do grupo, que além de tudo é mais jovem que aquele que foi à Ásia conquistar o penta.
Relação com o favoritismo
Chegamos com idênticas condições às das grandes seleções. Eu estou preparado para a Copa. Agora, vou fazer de tudo para que os jogadores estejam também , ciente de que tinha em mãos um time em formação
X Eles não vão sentir a diferença de jogar uma liga forte europeia ou uma Copa do Mundo. Eu confio totalmente nesses jogadores porque quem trabalha com eles sabem que eles são capazes , mais empolgado ao projetar o futuro de seu time
Em seus dois trabalhos na seleção, Felipão chegou em cima da hora para tentar resolver os problemas do time. Em 2002, porém, ele não teve a prova de fogo que foi a Copa das Confederações de 2013, quando Neymar e companhia se impuseram sobre a poderosa Espanha.
Quando tinha Ronaldo e Rivaldo em mãos, Felipão prometia pelo menos chegar à semifinal. Depois, ele dizia, "era com os jogadores". Em casa e com um time mais azeitado, o técnico já se arrisca mais. Embora não tenha repetido o discurso no anúncio da convocação, o treinador já repetiu algumas vezes que vai ganhar a Copa de 2014.