Eles foram ver a Copa de 70 de fusquinha e ficaram amigos da seleção

Verônica Mambrini

DO UOL, em São Paulo

Em 1969, Ivan Charoux e Rafael Sawaya eram jovens nos seus vinte e poucos anos, donos de uma loja de automóveis em São Paulo que tinha fechado, porque o imóvel foi desapropriado. Eles haviam comprado um Fusca 1962 em bom estado – "Ótimo estado!", corrige Rafael – e resolveram ver uma das eliminatórias do Brasil para a próxima Copa, no Paraguai. Foram para ver o jogo, ficaram viajando por duas semanas.

Na volta, os sócios estavam comendo um hambúrguer, em silêncio. "Vamos para o México com esse carro?" Bastou enunciar a pergunta para o plano estar decidido: iriam ver o Brasil jogar a Copa de 1970. O fusquinha estava em ponto de bala; levaram uma ou duas trocas de roupa.  e US$ 1 mil cada um, um bom dinheiro na época. Ingressos, arrumariam na hora. "Desimpedidos, solteiros, com algum dinheiro no bolso, o fusca…", conta Fael. Nenhum motivo para não ir.

"No Paraguai, ficamos no mesmo hotel que a seleção. À noite conversamos com eles, perguntávamos como ia ser o jogo no dia seguinte", conta Fael. Certos de que teriam uma ajudinha para eles ve os jogos, partiram. "Ficamos viajando 22 dias. Eram 500 km de volante para cada um, sem parar", conta Fael. "Enquanto eu estava dirigindo, o Ivan dormia. Íamos trocando e viajando. A gente discutia para saber quem ia sair do carro e dar a volta, e quem ia mudar de lugar só pulando de um banco para outro."

No mesmo ano, estava acontecendo o rali Londres-México. Londres tinha sido sede da Copa de 66, e o destino era a Cidade do México, local da final da Copa de 70. "Quando saímos do Brasil, sabíamos que o rali passaria por perto dos mesmos lugares onde a gente ia passar. Pintei o número 15 no carro, porque gosto desse número e porque achei que poderia nos ajudar", conta Fael. O truque foi fundamental eles conseguirem uma carona no barco que levou os carros do rali do Equador ao Panamá de barco. "Lá, nossa estratégia deu certo", relembra Fael.

O primeiro jogo do Brasil seria em 3 de junho. "Começaria às 4h da tarde e chegamos às 4h ou 5h da manhã", conta Ivan. "Achamos um lugar pra dormir e de manhã fomos procurar os jogadores da seleção para tentar conseguir um lugar no jogo, mas mas não deu. Acabamos tendo que comprar de cambista, mas garantimos o ingresso."

Os dois rapazes no fusquinha fizeram sucesso na cidade. "Daí pra frente foi só alegria. Os mexicanos nos receberam de forma excepcionalmente carinhosa, e praticamente passamos um mês sem gastar um tostão. Eles adoravam os brasileiros e pagavam todas as nossas despesas. Para fazer sucesso, era só sair com a camiseta do Brasil na rua e ensinar um pouquinho de samba", diverte-se Fael.  Entre caipirinhas de tequila e jogos da seleção, o fusquinha ia ganhando fãs. 

Eram outros tempos, com acesso fácil aos jogadores, algo impensável hoje. "Conhecemos a maioria dos jogadores, e ficamos muito amigos do Félix [goleiro da seleção].  Em todas as folgas que ele tinha, se encontrava conosco, e vinha dançar samba com os mexicanos, com a gente", conta Ivan. "Naquele tempo não tinha todo esse esquema de segurança."

Os dois assistiram a todos os jogos em Guadalajara e seguiram para a Cidade do México para ver a final contra a Itália. "A noite da vitória foi a melhor história. O Félix nos convidou e nos colocou no salão do Camino Real, o melhor hotel da cidade, onde foram os festejos. Sentamos na mesa com todos os jogadores: Zé Maria, Tostão, Rivelino, Pelé. Ficamos até de manhã na festa, com o (Wilson) Simonal cantando", conta Fael.

A história poderia ter terminado aí, mas os então rapazes receberam o convite de um casal de brasileiros para visitá-los, em Chicago, onde viviam. Com ajuda dos novos contatos mexicanos, conseguiram o visto para os Estados Unidos e esticaram a viagem até Fairbanks, no Alasca.  "Andamos 66 mil km", conta Ivan.

Agora, 44 anos depois, os dois irão repetir a viagem para a gravação do documentário "Os Filhos da Pista", e repetirão o roteiro. Com isso, não estarão no Brasil durante a Copa de 2014, mas não lamentam. "Politicamente, não sei se queria que o Brasil ganhasse essa Copa", desabafa Fael, hoje com 68 anos. Ivan tem 70. Muito mudou, mas a bagagem continua praticamente a mesma. O que vão levar de diferente dessa vez? "Remédios!", dizem os dois em uníssono, rindo. 

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos