Honduras troca Guerra do Futebol por revolução silenciosa pela Copa-2014
Luis Augusto Simon
Do UOL, em São Paulo
Uma revolução silenciosa toma conta do futebol de Honduras e alcança resultados palpáveis: o mais importante deles, a classificação para a Copa do Mundo pela segunda vez seguida.
Tudo começou com o Semilleros Del Futuro" (Sementes do Futuro, em tradução livre), um programa de massificação do futebol instado em 2006 por Rafael Callejas, presidente da federação hondurenha de futebol e ex-presidente da República (1994-1998). São 300 profissionais treinando 25 mil crianças a partir dos 12 anos por todo o país. O projeto é bancado pela federação e por entidades privadas. O governo de Honduras dedica apenas U$ 2 milhões por ano aos esportes, sendo 22% para o futebol.
Os treinos são realizados três vezes por semana. As crianças que se destacam passam para equipes municipais e depois para ligas menores, que foram criadas também por Callejas. No campeonato principal, os clubes são obrigados a utilizar um certo número de jogadores com menos de 20 anos no mínimo por 540 minutos na temporada. Foi criado também o campeonato de reservas, o que facilita a participação de jovens.
O resultado do trabalho já se faz notar. Em 2013 Honduras foi campeã da Concacaf no sub-15 e no sub-17, classificando-se para o Mundial. No sub-21, foi campeã da América Central e Caribe. Chegou à Olimpíada de 2012 e à Copa do Mundo no ano que vem. A segunda Copa seguida.
Guerra do Futebol
Uma revolução silenciosa que se mostra muito mais profícua, por exemplo, do que a Guerra do Futebol, que envolveu Honduras e El Salvador em 1969, com a morte de mais de 2 mil pessoas. Foram cinco dias de insanidade. O futebol foi, é bom que se diga, apenas o estopim para um estado latente de tensão entre as nações.
Os dois países são limítrofes. El Salvador tem espaço territorial seis vezes menor que Honduras. Com uma grande concentração de terra em mãos de poucas famílias, 300 mil salvadorenhos emigraram para Honduras em busca de trabalho. E em Honduras, camponeses pediam reforma agrária. A solução dos latifundiários de Honduras foi expulsar os salvadorenhos. Eles não queriam voltar e foram mal recebidos em seu país. Eram um problema para os dois lados.
Foi nesse clima que os países se enfrentaram na semifinal das eliminatórias. Honduras venceu em casa por 1 a 0 e os jogadores salvadorenhos não puderam dormir com gritos ao redor de seu hotel. Uma jovem salvadorenha, Amélia Bolanõs, de 17 anos, revoltou-se e cometeu suicídio.
É fácil imaginar como ficou o clima para o segundo jogo. O hino de Honduras foi vaiado desde o início. Bandeiras foram rasgadas. Os jogadores tiveram de recorrer a carros blindados para chegar ao campo. El Salvador venceu por 3 a 0.
Houve uma terceira partida, na Cidade do México, vencida por El Salvador por 3 a 2, dia 26 de junho. Honduras rompeu relações diplomáticas com o vizinho. Em 14 de julho, Honduras foi invadida. A guerra terminou no dia 18 de julho com aproximadamente 2 mil mortes, inclusive de civis.
Desde então, Honduras teve duas alegrias no futebol: a classificação para o Mundial de 1982 e a vitória sobre o Brasil por 2 a 1 na Copa América de 2001. Um feito tão histórico como o vexame brasileiro, já treinado por Luiz Felipe Scolari.
Abaixo a política
A mistura nunca agradável de uma paixão popular com exageros nacionalistas é totalmente banida na Honduras de hoje. "Rafael Callejas conseguiu sucesso com o discurso de que o futebol pertence ao povo e não aos políticos. É proibida propaganda política nos campos de Honduras. E os políticos, quando procuram se valer do sucesso recente do futebol, são ignorados ou insultados", diz o jornalista Gerson Gomez, do "El Heraldo", de Tegucicalpa.
A segunda classificação seguida, como a primeira, tem mãos colombianas. Reinaldo Ruedas, treinador que classificou a seleção em 2009, foi dirigir o Equador, que se classificou agora em 2014. Para sucedê-lo, indicou Luiz Fernando Suares, também colombiano, que havia levado o Equador à Copa de 2006.
O time é renovado, com muita gente do Semilleros. Há muitos jogadores que venceram a Espanha por 1 a 0 na Olimpíada do ano passado. Os destaques foram os atacantes Costly, que joga na China, (13 jogos e sete gols) e Bertgson, que atua nos Estados Unidos (12 jogos e nove gols). O zagueiro Emílio Izaguirre pôde ser visto recentemente, pelo Celtic, marcando Neymar. No futebol inglês atuam Espinoza e Garcia (ambos no Wigan), Figueroa (Hull City) e Palácios (Stoke City).
No início das eliminatórias da Concacaf todos os jogadores se reuniram e fizeram um voto de humildade. Não haveria estrelas. Não haveria nenhuma vontade individual que comprometesse a luta pela vaga. Todos juraram diante da bandeira hondurenha. A preocupação com estrelismos é procedente. "Em Honduras não existem cantores famosos, não existem atores, escritores e esportistas de NBA e F-1, não temos grandes destaques. Por isso os jogadores de futebol podem se tornar grandes ídolos de jovens e adultos", diz o jornalista Rudy Urquiza. "Isso foi evitado agora. Todos os jogadores são reconhecidos, mas não há uma idolatria como antes, com atacantes como Pavón e Suazo", afirma Gersom Gomez.
Astecazo inesquecível
O grande momento foi vivido em 6 se setembro. A vitória por 2 a 1 sobre o México fora de casa – a primeira da história – foi chamada de Astecazo, uma "homenagem" ao estádio Azteca. O México marcou primeiro, logo aos quatro minutos. Honduras empatou com Bertgsno aos 17 e virou com Costly, aos 19 do segundo tempo.
Foi uma grande festa. Superada apenas pela da classificação para a Copa. "O futebol em Honduras, como no Brasil, é a religião do povo. Em 2009, tivemos um golpe militar que dividiu a população entre o apoio a Zelaya, que havia sido deposto, e Micheletti, que assumiu. A classificação para o Mundial da África do Sul serviu para reagrupar as pessoas. Essa união se repetiu agora. A "H", como chamamos nossa seleção é muito querida. Quando ela ganha, nada mais importa", diz Gerson Gomez.
A união, pelo futebol, faz com que os hondurenhos se esqueçam de graves problemas sociais. "Na última década, nos convertemos no país mais violento do mundo. Somos o segundo país mais pobre da América Latina e é fácil entender que o futebol seja o ópio do povo, que está muito decepcionado com políticos e seus altíssimos níveis de corrupção", diz Urbina.
É fácil entender, então, que serão 11 hondurenhos em campo e 8 milhões torcendo.