Na construção do estádio da Copa em Manaus, chuva é apenas um dos desafios

Sam Borden

Do New York Times, em Manaus*

  • Lalo de Almeida/The New York Times

    O fato de o estádio ser construído em plena floresta Amazônica criou novas dificuldades aos engenheiros

    O fato de o estádio ser construído em plena floresta Amazônica criou novas dificuldades aos engenheiros

Qual é o aspecto mais desafiador na construção de um estádio de futebol para a Copa do Mundo no meio da Amazônia pode ser debatido.

Alguns poderiam dizer que é descobrir como levar guindastes imensos e centenas de toneladas de aço inoxidável e concreto para uma cidade cercada por uma floresta tropical, que se estende por aproximadamente 5,4 milhões de quilômetros quadrados. Outros poderiam mencionar a necessidade da construção ser realizada antes da estação das chuvas inundar todo o canteiro de obras. Então, é claro, há aqueles que poderiam apontar a necessidade de instalação de assentos especiais.

Sim, os assentos. Pode parecer uma preocupação pequena –ao menos em comparação com a possibilidade de tudo ser inundado– mas um dos aspectos menos óbvios presentes na construção de um estádio na selva é o que a forte luz solar equatorial daqui pode causar ao plástico.

Os assentos supostamente serão em tons diferentes de amarelo e laranja. "Mas se não usarmos o tipo certo de material, então o sol derreterá a pintura. Todos os assentos se transformarão em brancos", disse Miguel Capobiango Neto, o coordenador do projeto de construção.

Neto suspirou. "A imprensa brasileira nos compara às construções de outros estádios", ele disse por meio de um intérprete. "Não há comparação. Não há nada como isto."

A Copa do Mundo nunca realizou jogos em uma floresta tropical, muito menos no meio da Amazônia. Mas esse é o plano para o ano que vem, uma ambição que acarreta em uma série de obstáculos.

Que outro grande projeto de estádio precisa drenar um "afluente indesejável de um rio", como colocou Neto, passando por suas fundações? Que outra construtora precisa gastar múltiplos dias em cada junção soldada, porque a umidade sufocante pode fazer o aço deformar? Que outro trabalho precisa acomodar uma das regiões ecologicamente mais sensíveis do mundo?

Então, é claro, há as preocupações com quantos milhões de dólares a mais serão gastos em estouros de orçamento, sem contar o que acontecerá com o estádio assim que terminarem os quatro jogos da Copa previstos para serem jogados aqui no ano que vem. (Uma proposta recente sugeriu que o estádio poderia ser convertido em um centro de triagem de presos.)

Do ponto de vista da construção, Eric Gamboa, um autoridade do comitê organizador local, disse que a melhor comparação para a construção da Arena Amazônia pode ser a da histórica casa de ópera que foi inaugurada aqui em 1896.

Aquela obra levou 15 anos e foi financiada pelo governo durante um período de boom da indústria da borracha. O produto final, o Teatro Amazonas, é um belo projeto renascentista que, de muitas formas, parece deslocado em sua localização, não distante da área portuária mais rude da cidade.

O projeto do estádio tem uma opulência semelhante, e ele também depende de materiais importados devido à distinta falta de estradas transitáveis por caminhões até Manaus. Grande parte dos materiais para o estádio veio do porto de Aveiro, em Portugal.

Três navios foram carregados com aço e um quarto trouxe a membrana que serve como cobertura parcial do estádio. Cada um dos navios precisou de aproximadamente 17 a 20 dias para cruzar o Oceano Atlântico, então navegar pelo Rio Amazonas e seus afluentes para chegar a Manaus.

Diante dessa realidade, uma instalação de pré-fabricação de concreto foi construída ao lado do canteiro de obras do estádio, em uma tentativa de acelerar as obras.

Mas apesar de contar com até 1.400 trabalhadores, o projeto foi atrapalhado por atrasos, aumento de custos e mudanças no projeto que acompanham cada parte significativa da infraestrutura brasileira.

Em uma declaração educada, mas incisiva, Hubert Nienhoff, o presidente-executivo da gmp-Architekten, a firma alemã que projetou o estádio, disse que apesar do "planejamento e implantação precisos pelos quais os alemães são creditados" poderem ser respeitados no Brasil, eles "nem sempre são compatíveis com os negócios pragmáticos existentes no cotidiano" do país.

A posição dele é clara. O que não foi dito foi: o progresso em Manaus foi tão lento que a certa altura no final do ano passado, Jerome Valcke, o secretário-geral da federação internacional de futebol, a FIFA, disse que era possível as partidas não serem realizadas na cidade se os prazos do estádio não fossem cumpridos.

Essa ameaça, segundo autoridades locais, levou a uma aceleração das obras, acompanhada por um inchaço no orçamento. O estádio deveria custar cerca de R$ 500 milhões e ser concluído em julho; agora ele custará pelo menos R$ 600 milhões e a previsão é de que seja concluído em dezembro, disse Neto.

No final de agosto, aproximadamente 78% do estádio estava concluído, segundo a FIFA, o que torna o novo prazo ao menos teoricamente viável.

"A estação das chuvas começa no final de novembro", disse Neto. "Por causa disso, nós temos que realmente correr para deixar a cobertura pronta até lá."

LEIA TAMBÉM: Justiça propõe que Arena Amazônia vire centro de triagem de presos após a Copa

  • Divulgação

    A Arena Amazônia, em Manaus, receberá quatro partidas da Copa do Mundo de 2014 e, em seguida, pode ter uma destinação inusitada: o estádio seria usado com um centro de triagem de presos.

    O Tribunal de Justiça do Amazonas enviará ao governo do Estado a sugestão para que a arena, cujas obras passam de 80% e custará R$ 605 milhões, abrigue os detentos recém-capturados.

Ele não estava brincando: de dezembro a março, a cidade geralmente recebe até 45 polegadas de chuva, quase o dobro que Johannesburgo, que recebeu jogos durante a Copa do Mundo de 2010, recebe o ano todo.

É claro, há pessoas que acreditam que os quatro jogos da Copa do Mundo que serão jogados em Manaus não deveriam ser jogados aqui. Os críticos do estádio em Manaus, assim como de projetos semelhantes em Brasília e Cuiabá, notam a falta de equipes de divisões superiores nessas cidades e chamam os estádios caros de "elefantes brancos".

Isso não é incomum. Dúvidas semelhantes foram levantadas sobre os estádios na África do Sul; algumas obras para os Jogos Olímpicos de 2012 em Londres também deixaram legados questionáveis.

Mas no Brasil, onde as questões econômicas são tão divisoras, estimativas recentes de que cerca de R$ 6,4 bilhões em dinheiro público serão usados para financiar a Copa do Mundo deixaram as discussões dos elefantes brancos mais acaloradas.

Em Manaus, por exemplo, a maioria das equipes profissionais está na quarta divisão do Campeonato Brasileiro. Um jogo no mês passado envolvendo uma das equipes, o Nacional,  atraiu pouco mais de 1.000 torcedores ao estádio minúsculo no leste da cidade. Com a capacidade do estádio da Copa do Mundo de aproximadamente 42 mil lugares, persiste o questionamento de quanto o projeto era necessário.

"Os estádios em Manaus, Cuiabá e Natal –eles são absurdos", disse Romário, o ex-astro da seleção brasileira que agora é membro do Congresso brasileiro, em uma entrevista. "Serão realizados dois jogos ali e depois o quê? Quem irá? É um desperdício total de tempo e dinheiro."

Os organizadores contestam esse pensamento, dizendo que há várias opções de eventos pós-Copa do Mundo e acentuam que o projeto do estádio é intencionalmente multiuso. Elementos bons para o meio ambiente, como a captação de água de chuva para uso nos banheiros do estádio, o tornam sustentável, disseram os projetistas, e concertos e outras apresentações estão entre as possibilidades levantadas para futuro uso.

As autoridades locais também notam rapidamente a exposição que a Copa do Mundo trará para a região amazônica, já que Manaus é frequentemente usada pelos turistas apenas como ponto de partida (ou retorno) para as incursões na floresta.

Apesar de certamente isolada, Manaus está longe de ser antiquada. A cidade tem uma população de aproximadamente 2 milhões e uma economia crescente, que inclui empresas de eletrônicos, químicas e de petróleo. A Zona Franca de Manaus também é um importante pólo industrial.

De helicóptero, esta cidade amazônica é um desfile de vistas deslumbrantes. No rio, há o famoso Encontro das Águas, o fenômeno onde o Rio Negro e o Rio Solimões se encontram mas não se misturam. Ao longo das margens, pousadas da floresta se erguem encostadas à mata. No porto, navios transportando açúcar, peixes, bananas e melancias chegam e partem das docas.

"Eu acho que as pessoas vão se surpreender com o que há aqui e com o que as pessoas daqui fazem", disse Harold M. Wright, diretor do escritório de relações internacionais da Universidade Estadual do Amazonas. "Ter o estádio é importante para esta cidade. Há muito mais paixão pelo futebol aqui do que as pessoas percebem."

Vanessa Silva, 23 anos, está envolvida em uma das torcidas do Nacional. Ela vibrou no mês passado com a vitória por 5 a 2 sobre o Genus, outra equipe do Amazonas, e disse que a maioria dos torcedores apoia a construção do estádio.

"Encher o estádio –eu acho que é um grande sonho, mas acho que pode acontecer", ela disse. "Nós nos importamos com as equipes daqui. Nós temos muitos torcedores jovens que acompanham o Nacional, e esse pode ser o estádio deles. Isso pode ser algo em Manaus para considerarmos como sendo nosso."

Primeiro, o estádio terá seu momento sob os holofotes. Presumindo que a construção seja concluída até dezembro, o sorteio da Copa do Mundo ocorrerá logo depois e os moradores locais finalmente saberão quais seleções e torcedores viajarão para Manaus.

Assim que chegarem lá, os visitantes encontrarão um contraste acentuado. O estádio, que foi projetado para parecer uma cesta de palha indígena, certamente brilhará enquanto a cidade ao redor oferece uma mistura de áreas: a luxuosa Ponta Negra, por exemplo, contrastando com uma enorme quantidade de favelas.

O glamour do Rio de Janeiro e a agitação de São Paulo ficam a 2.700 quilômetros ao sul. Esta é o Amazonas. Há pousadas na floresta e tempestades elétricas nesta cidade.

Mas se a inundação for evitada –e as cadeiras especiais chegarem a tempo– também haverá partidas de futebol aqui em meados do ano que vem.

*Tradução de George El Khouri Andolfato

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