Assim como seu pupilo, guru de Scolari tinha fama de retranqueiro e paizão
Gustavo Franceschini e Paulo Passos
Do UOL, em Porto Alegre
Bronco, às vezes rude e boca suja, mas vencedor e muito querido pelos seus jogadores. A descrição bem que poderia ser para Luiz Felipe Scolari, comandante da seleção brasileira de futebol, mas não é. Ela foi feita ao UOL Esporte por ex-jogadores que trabalharam com Carlos Benevenuto Froner, técnico gaúcho falecido em 2002. Não por acaso, o "Capitão", como era chamado pelo passado de militar, é tido por Felipão como seu guru.
Os dois se conheceram no final da década de 70, quando Scolari ainda se aventurava na carreira de zagueiro esforçado, mas pouco talentoso no Caxias, do Rio Grande do Sul. Froner já era um técnico consagrado no futebol gaúcho e com passagens por Santa Cruz, do Recife, e Flamengo. O jogador viril caiu nas graças do treinador, que o escolheu para ser capitão da equipe.
Do guru, o técnico da seleção guardou e replicou muita coisa. A cobrança por dedicação em campo, marcação forte, disciplina tática e até alguns exageros do chamado "estilo Felipão" para chegar às vitórias têm origem nos ensinamentos de Froner.
"Felipe organiza a equipe taticamente da mesma maneira como eu gostava de armar o time. Todos devem se comprometer com a ação defensiva e o ataque", afirmou Froner, em entrevista ao livro "Alma do Penta", de Ruy Carlos Ostermann, sobre a conquista da Copa de 2002. "Sempre fui adepto da participação total dos atletas, desde a primeira equipe que dirigi, e me dei bem", completou.
Quem conviveu com Froner vê o pupilo bem mais light no modo de ser. "O Capitão era bem mais gritão e estourado que o Felipão", lembra Joãozinho, ex-atacante do time do Grêmio, tricampeão gaúcho na década de 60.
PENTA EM HOMENAGEM AO MESTRE
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Froner faleceu em agosto de 2002, pouco mais de um mês após ver o seu discípulo mais famoso conquistar a Copa do Mundo com a seleção brasileira. Antes da morte do técnico, Felipão já havia dedicado o título ao seu mestre
"Teve uma vez num Gre-Nal que o Volmir (ponta-esquerda do Grêmio) pegou a bola e driblou um, dois, três jogadores. A cada drible o Froner xingava ele de um nome diferente e dizia que era para passar a bola. Ai depois de mais um drible o Volmir fez o gol", conta Joãozinho entre gargalhadas. "Pensa que ele ficou feliz? Nada, gritou: 'E não é que esse porco fez o gol ainda!'".
No livro "Alma do Penta", Ostermann relata que Froner usava um tabuleiro onde cada jogador era representado por um cabo de vassoura. Era comum que, no meio da preleção, ele derrubasse um dos cabos para assustar o jogador em questão, dizendo: "Bandido, tu já estás te entregando!". Era o jeito dele de chamar a atenção de um atleta mais preguiçoso.
"Ele era um cara que tinha aquela coisa de linha dura, mas ao mesmo tempo um coração maior que tudo", diz Valdir Espinosa, que foi comandado pelo técnico no Grêmio. "Era um chefe excepcional, apesar de ser exigente", conclui.
Zico e a faca rodada na barriga do adversário
Já consagrado no Rio Grande do Sul, Froner desembarcou no Rio de Janeiro para comandar o Flamengo em 1975. No time, havia a geração promissora que veio a ser a melhor da história do clube. Zico, então com 21 anos, começava a despontar na equipe principal.
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Zico foi treinado por Froner na década de 70 no Fla
"Ele chegou dizendo que tinha uma filosofia para o time: tem que enfiar a faca e rodar lá dentro da bariga", lembra Zico, que logo explica: "O Froner defendia que se tiver que matar o jogo, mata mesmo logo. Se for só enfiar a fica e tirar, o 'bandido' pode dar um tiro. Enfia a faca na barriga do adversário, roda lá dentro e garante que ele vai morrer", completa.
O craque do Flamengo jura que o linguajar não assustava os jogadores. "Era diferente, mas o pessoal entendia o que ele queria dizer. Ele tinha uma índole muito boa, era um cara do bem", conta.
Apesar do time promissor, com Adílio, Junior e outros jogadores que se consagraram depois, o Flamengo de Froner não conseguiu conquistar nenhum título. Em 76, deixou o clube.