Quinze anos depois de Copa "arco-íris", França ainda debate raça
Fernando Duarte
Do UOL, em Goiânia
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AFP PHOTO / FRANCK FIFE
Benzema em partida seleção francesa: polêmico silêncio na hora do hino
Além de trazer para a França seu primeiro título, a vitória de 3 a 0 sobre o Brasil na final da Copa do Mundo de 1998 foi saudada no país e no resto da europa como um triunfo do multiculturalismo: no time de Aimee Jacquet, franceses brancos de nascimento como Didier Deschamps e Laurent Blanc dividiram espaço com negros e filhos de imigrantes com origens tão diversas como a Armênia (Youri Djorkaeff) e Argélia (Zinedine Zidane).
Quinze anos depois, no entanto, raça continua sendo um assunto delicado na sociedade francesa, com reflexos óbvios no futebol. A seleção que enfrenta o Brasil neste domingo em Porto Alegre continua trazendo uma diversidade de origens em seu grupo, mas a harmonia que sinalizou ter sido consolidada com os eventos de 1998 no Stade de France nunca pareceu tanto uma coisa do passado.
Ao mesmo em que um dos líderes da seleção campeão do mundo, o então lateral Lilian Thuram, acusou as autoridades francesa de enviar uma mensagem simplista para minorias étnicas (a de que o esporte deveria ser uma via compulsória de integração com a sociedade francês), Blanc viu-se acusado de racismo há dois anos, quando ainda era técnico da seleção: gravações de trechos de uma reunião em que ele defendia um aumento na admissão de jogadores brancos para os programas de base da Federação Francesa vieram à tona.
Inocentado por um inquérito administrativo, Blanc permaneceu no cargo, mas em 2012, após a eliminação da França para a Espanha nas quartas-de-final da Eurocopa, deixou o cargo, hoje ocupado por Deschamps. Mas a questão na França também descamba para o patriotismo: Karim Benzema, atacante do Real Madrid e autor do gol da vitória no mais recente amistoso dos Les Bleus contra a seleção brasileira, em fevereiro de 2011, é constantemente criticado por se recusar a cantar "A Marselhesa", o hino nacional francês.
Filho de imigrantes argelinos, Benzema está longe de ser o único jogador francês do presente e do passado a manter os lábios cerrados enquanto o time se perfila – Michel Platini, até o surgimento de Zidane o grande herói francês, também o fazia. Franck Ribery, de origem francesa e convertido ao islamismo, idem. Mas foi Benzema quem virou alvo de campanhas de protesto da Frente Nacional, o maior partido da extrema-direita do país.
O motim dos jogadores que tanto prejudicou a campanha francesa no último Mundial – a equipe caiu na primeira fase pela segunda vez em três Copas, sem vencer um jogo – também ganhou contornos étnicos, com o então presidente Nicolas Sarkozy pregando a necessidade um debate nacional sobre identidade e valores franceses, sugestão recebida com estranheza por público e mídia. "Em 1998, a extrema-direita estava isolada ao protestar contra a diversidade étnico-racial da seleção francesa. Hoje, me parece que todo mundo que não seja branco ou cristão está assustando as pessoas ", afirma o jornalista Joachim Barbier, autor de um livro sobre a influência de imigrantes africanos na escola francesa de futebol.
Mais contundente é o depoimento de Nicholas Anelka, jogador negro francês cuja briga com o então treinador Raymond Domenech, ajudou a detonar o motim de 2010 na seleção. "É só não ganharmos um jogo que a cor ou a religião dos jogadores volta a ser assunto", contou o jogador, numa recente entrevista.