Quase 30 anos depois, Barnes reflete sobre "golaço zumbi" no Maracanã

Fernando Duarte

Do UOL Esporte, no Rio de Janeiro

  • David Cannon/Getty Images

    John Barnes em ação pelo Liverpool: autor de golaço na última visita inglesa ao Rio

    John Barnes em ação pelo Liverpool: autor de golaço na última visita inglesa ao Rio

O amistoso entre Brasil e Inglaterra no Maracanã, em 1984, tinha tudo para ser mundano. Sem seus principais jogadores e contra uma seleção visitante que não se classificara para as finais da Eurocopa daquele ano e que fazia um tour caça-níqueis pela América do Sul, a seleção brasileira do técnico Edu era mais um expressinho que uma união dos melhores jogadores do país. A razão do jogo ser lembrado até hoje por ambos os lados atende pelo nome de John Barnes: autor de um golaço que pode até não ter sacramentado a primeira vitória inglesa em território brasileiro, mas que se tornou legendário no imaginário esportivo inglês, o ponta é menção obrigatória no folclore dos confrontos entre brasileiros e ingleses.

Ainda mais porque o gol teve um impacto muito maior do que o próprio Barnes jamais imaginou. No apagar das luzes do primeiro tempo, o então jogador do Watford, clube dos arredores de Londres, arrancou com a bola da intermediária brasileira e driblou cinco jogadores, incluindo o goleiro, antes de empurrar a bola para a rede e entrar para história. Mark Hateley, no segundo tempo, foi quem assegurou a vitória inglesa. Mero detalhe diante de um lance que 29 anos depois ainda fascina mesmo seu protagonista.
 
"Eu ainda me sinto como se tivesse virado um zumbi. Não me lembro de quase nada o que aconteceu no campo, porque lances de dribles e arrancadas ocorrem por puro instinto. De repente, tinha os jogadores pulando em cima de mim e gritando no meu ouvido. Foi só quando voltei para a Inglaterra que pude ver o gol. De vez em quando ainda vejo de novo, porque foi um golaço", brinca Barnes, em entrevista por telefone ao UOL Esporte.
  • John Barnes faz lindo gol contra o Brasil no Maracanã

A ironia é que o gol acabou sendo luz e sombra na carreira do jamaicano naturalizado inglês. Para comentaristas e torcedores ingleses, um lance ocorrido quando Barnes tinha apenas 21 anos foi o auge de sua carreira na Inglaterra. Embora tenha ido aos Mundiais de 1986 e 1990 com a seleção, ele jamais se firmou na equipe. Ganhou relevância histórica muito maior por ter sido o jogador negro que mais representou a seleção, com 79 convocações.
 
Foi no Liverpool, clube que o comprou do Watford em 1987, que ele se tornou ídolo, conquistando dois títulos ingleses e duas Copas da Inglaterra."Não mudaria nada em minha carreira. Muita gente diz que aquele gol foi um peso para mim, mas representei a Inglaterra em Copas do Mundo e fiz um golaço no Maracanã que as pessoas ainda mencionam. Sempre sonhei em jogar naquele estádio quando era criança, imaginava qual era a sensação de estar num lugar tão imenso", lembra.
 
O ex-jogador, hoje trabalhando com comentarista da ESPN Inglesa, diz ser um apaixonado pelo futebol brasileiro. "Nasci em 1963, então minha primeira referência sobre o futebol brasileiro era o time campeão do mundo de 1958. Vocês tinham uma mistura de jogadores mais voluntariosos, como Vavá, e de maestros como Didi. Didi era meu ídolo de infância. E, para mim, aquela seleção foi mais bonita que a de 1970. Com todo o respeito", brinca Barnes.
 
A identificação de Barnes com o futebol brasileiro também se justifica por um relacionamento longe de harmonioso com a pátria adotada. A cor de sua pele ainda era tabu na sociedade inglesa e a foto de Barnes "dominando" uma banana atirada nele por torcedores do Everton durante uma partida do Liverpool é de um impacto impressionante. O racismo, ele também encontrou nas fileiras do próprio clube e nas tentativas de ser treinador. Teve apenas um emprego, como treinador do Celtic, da Escócia, durante a temporada de 1999-2000.
 
"Minha questão contra o racismo é que toda a equalidade racial obtida nos últimos anos ainda não chegou ao plano intelectual. Negros ainda são preteridos para empregos em que a habilidade atlética não seja o determinante. Contra isso é o que protesto. E que vocês no Brasil também deveriam fazer. O Brasil tem jogadores negros na seleção desde a década de 30, quando o primeiro inglês (Viv Anderson, do Nottingham Forest) só foi convocado em 1977. Porque vocês não têm mais treinadores negros é uma discussão que adoraria ter no Brasil", afirmou.
 
 
Desde seu momento mágico no Maracanã, porém, Barnes nunca mais voltou ao país. Não foi convidado para a primeira visita inglesa em 29 anos. Pouca surpresa diante do fato de que um recente projeto comemorativo da Federação Inglesa sobres os grandes momentos da seleção não incluiu nem ele ou qualquer outro negro no hall da fama. "Não me incomodou porque nunca precisei de reconhecimento público. Sou um cara extremamente realizado pelo que consegui no futebol. Mas adoraria voltar um dia ao Brasil, ainda mais porque acho que ninguém me reconheceria na rua (risos)", conta ele, referindo-se à cabeça raspada e aos quilos a mais, contrastando com a figura de 1984.
 
Quando conversou com o UOL Esporte, na quarta-feira, o imbróglio judicial envolvendo o Maracanã ainda não tinha ocorrido. Seu palpite para o clássico era simples: ''A seleção brasileira está sem equilíbrio e isso pode ser visto no amistoso de fevereiro em Londres. Neymar é um grande jogador, mas está faltando disciplina tática. Por isso não entendo porque Dunga levou tantas críticas. O time dele poderia ter sido campeão do mundo não fosse aquele apagão contra a Holanda. O Brasil agora precisa de um bom jogo contra a Inglaterra, é bem diferente de 1984, quando acho que muitos jogadores estavam em ritmo de pelada e nem me marcaram direito", brinca.

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