Famílias removidas ou ameaçadas por megaeventos no Rio ultrapassam 8.000

Vinícius Konchinski e Vinícius Segalla

Do UOL, no Rio de Janeiro e em São Paulo

  • Divulgação

    Linha de BRT na Zona Oeste do Rio, obra que gera o maior número de remoções na cidade

    Linha de BRT na Zona Oeste do Rio, obra que gera o maior número de remoções na cidade

O número de famílias removidas de suas casas ou ameaçadas de remoção em virtude das obras preparatórias para a Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro deverá ficar em torno de 8.350. Esta é a estimativa que faz o Comitê Popular da Copa no Rio de Janeiro, entidade da sociedade civil que lança nesta quarta-feira um documento chamado "Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro".

De acordo com o estudo, produzido basicamente por professores do IPPUR/UFRJ (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ), a política que move as remoções não leva em conta apenas a necessidade de liberar áreas necessárias para a construção de estruturas esportivas ou obras de mobilidade urbana, como o corredor exclusivo de ônibus BRT Transcarioca. 

Para a entidade, a lógica que move as remoções "tem como um componente importante a expulsão dos pobres das áreas valorizadas, como o bairro da barra da tijuca e do recreio, ou que serão contempladas com investimentos públicos, como os bairros de Vargem Grande, Jacarepaguá, Curicica, Centro e Maracanã".

O documento aponta que os investimentos públicos realizados em transporte privilegiaram esses mesmos espaços, multiplicando as oportunidades de outros investimentos e de retorno financeiro na produção habitacional para classes média e alta e na produção de imóveis comerciais.

Quanto às construções destinadas aos atletas e equipamentos esportivos – vila dos atletas no Riocentro e parque olímpico – de acordo com o estudo do Comitê Popular da Copa, "após
os jogos, serão transformadas em empreendimentos residenciais de luxo, comercializados pelas empreiteiras"parceiras" dos governos municipal e estadual".

Já os conjuntos habitacionais produzidos pelo programa Minha Casa Minha Vida (destinado às famílias com rendimentos de até três salários mínimos) para atender à população removida, segundo o dossiê, "não estão localizados, em sua grande maioria, nas áreas beneficiadas com investimentos para a Copa e as Olimpíadas, mas nas áreas periféricas da cidade, as quais possuem baixa cobertura dos serviços públicos e da infraestrutura urbana".

CONFIRA A LISTA DE FAMÍLIAS REMOVIDAS OU AMEAÇADAS

Local Famílias removidas Famílias ameaçadas Total Justificativa
Largo do Campinho/Campinho 65 - 65 BRT Transcarioca
Rua Domingos Lopes (Madureira) 100 - 100 BRT Transcarioca
Rua Quáxima (Madureira) 27 - 27 BRT Transcarioca
Penha Circular 40 - 40 BRT Transcarioca
Largo do Tanque 66 - 66 BRT Transcarioca
Arroio Pavuna (Jacarepaguá) 68 28 96 Acesso à condomínio; BRT Transcarioca; Preservação ambiental
Vila das Torres (Madureira) 300 - 300 Construção do Parque Madureira; Transcarioca
Restinga (Recreio) 80 Indefinido 80 BRT Transoeste
Vila Harmonia (Recreio) 120 - 120 BRT Transoeste
Vila Recreio II (Recreio) 235 - 235 BRT Transoeste
Notredame 52 Indefinido 52 BRT Transoeste
Vila da Amoedo 50 Indefinido 50 BRT Transoeste
Vila Taboinha - 400 400 Reintegração de posse
Asa Branca (Curicica) - Indefinido Indefinido BRT Transolímpica
Vila Azaleia (Curicica) - 100 100 BRT Transolímpica
Vila União (Curicica) - 3.000 3.000 BRT Transolímpica
Colônia Juliano Moreira - 400 400 BRT Transolímpica
Metrô Mangueira 566 46 612 Estacionamento no entorno do Maracanã
Vila Autódromo (Jacarepaguá) - 500 500 Parque Olímpico; BRT Transolímpica; preservação ambiental
Belém-Belém (Pilares) - 300 300 Construção de novo acesso ao Engenhão
Favela do Sambódromo 60 - 60 Alargamento do Sambódromo
Morro da Providência 140 692 832 Implantação de teleférico e plano inclinado; área de risco
Ocupação Machado de Assis 150 - 150 Projeto Porto Maravilha
Ocupação Flor do Asfalto 30 - 30 Projeto Porto Maravilha
Ocupações na Rua do Livramento - 400 400 Projeto Porto Maravilha
Ocupação Boa Vista 35 - 35 Projeto Porto Maravilha
Quilombo das Guerreiras - 50 50 Projeto Porto Maravilha
Zumbi dos Palmares 133 - 133 Projeto Porto Maravilha
Ocupação Carlos Marighela 47 - 47 Projeto Porto Maravilha
Ocupação Casarão Azul 70 - 70 Projeto Porto Maravilha
Total 2.434 5.916 8.350  

Um dos exemplos citados é o da Comunidade da Vila Harmonia, no bairro do recreio (zona Oeste), onde viviam cerca de 120 famílias. Segundo o estudo, a partir de 2010, as famílias foram pressionadas a aceitar a remoção para um conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida em Campo Grande," sem antes terem acesso ao contrato que iriam assinar"

Inicialmente, 97 famílias aceitaram indenizações e 52, o apartamento. As demais resistiram no local com liminares impetradas pela Defensoria do Rio de Janeiro, que foram derrubadas. Dois terreiros de Candomblé não receberam nenhuma indenização.

O processo de remoção foi justificado, segundo relato dos moradores, pela ampliação da Avenida das Américas e para a construção de um anel viário vinculado, cujo projeto nunca foi apresentado.

Na época, a Defensoria Pública chegou a questionar se havia realmente necessidade da remoção para a execução da obra (Transoeste, corredor de ônibus). Dois anos depois da remoção, o terreno permanece vago, utilizado como estacionamento para máquinas da Prefeitura do Rio.

Outro caso analisado pelos pesquisadores é o da comunidade Metrô Mangueira, que reunia aproximadamente 700 famílias e tinha cerca de 40 anos de existência. Situada nas proximidades do estádio do Maracanã, começou a ter suas casas marcadas para a remoção em 22 de agosto de 2010, com previsão para a construção de um estacionamento no local.

As primeiras 107 famílias que aceitaram a remoção foram assentadas em um conjunto habitacional em Cosmos (zona Oeste – 70 km do local). Os demais teriam começado um movimento de resistência. Sob pressão dos movimentos populares, a prefeitura assentou 240 famílias no conjunto Mangueira I, ao lado da comunidade, inicialmente previsto para receber famílias de três a seis salários mínimos (o que não era o caso das famílias ali colocadas, que tinham renda inferior a esta).

"Depois de mais de um ano aguardando e convivendo com os escombros demolidos das primeiras casas, cerca de 200 famílias foram para o conjunto Mangueira II, em dezembro de 2012, e aproximadamente 50 famílias ainda permaneciam na comunidade, aguardando questões burocráticas para serem transferidas para um conjunto do programa Minha Casa Minha Vida, em triagem", relata o documento.

REMOÇÃO E ESCOMBROS EM SP

  • Leandro Moraes/UOL

    Em São Paulo, 200 famílias viveram por mais de seis meses entre escombros de casas demolidas, entulho e lixo gerados pela derrubada de casas desapropriadas na zona sul capital pelo Metrô.

    As demolições foram feitas na margem da avenida Jornalista Roberto Marinho, para limpar um terreno que será ocupado pela Linha 17-Ouro do Metrô, obra que fazia parte do planejamento do governo paulista para a Copa do Mundo de 2014. Posteriormente, a intervenção foi retirada dos planos paulistas para a Copa, já que o governo não conseguirá entregar a linha a tempo do Mundial. LEIA MAIS


Prefeitura do Rio responde

A Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro afirma que todas as remoções que estão sendo realizadas no município fazem parte de um projeto de melhoria da mobilidade urbana da cidade, que visa beneficiar todos os cariocas. Não há, de acordo com o Executivo municipal, nenhuma motivação econômica que objetive beneficiar grupos privados de qualquer natureza. Leia, abaixo, nota oficial da Prefeitura do Rio enviada ao UOL Esporte sobre o assunto:

"A Prefeitura do Rio tem realizado obras estruturantes em toda a cidade com o objetivo de proporcionar mobilidade urbana com conforto e segurança para os cariocas. É neste contexto que se enquadram os projetos das novas alternativas viárias em andamento. Transcarioca, Transoeste, Transolímpica e Transbrasil são projetos fundamentais para atender às necessidades de mobilidade da cidade e foram alavancados pelos Jogos Olímpicos de 2016.

No caso dos Jogos, uma intervenção se fará necessária: o reassentamento de 600 famílias que hoje vivem em condições precárias na favela da Vila Autódromo. Em parte da área onde hoje fica a comunidade será construído o acesso a um terminal de integração do BRT (ônibus articulado de alta capacidade), no entroncamento das linhas Transcarioca (Barra-Aeroporto Internacional) e Transolímpica (Barra-Deodoro). O terreno restante será utilizado, durante os Jogos, como área operacional do Centro Internacional de Transmissão (IBC) e do Centro de Mídia (MPC), que fazem parte do Parque Olímpico. Após os Jogos Olímpicos, esta última parte será também uma área pública. Às margens da Lagoa de Jacarepaguá, a faixa marginal de proteção será recuperada com a implantação de um parque linear.

Para as famílias da comunidade, a Prefeitura está oferecendo, através da Secretaria Municipal de Habitação, a opção de se mudarem para o Parque Carioca, empreendimento que está sendo construído a um quilômetro da comunidade, em parceria com o governo federal, através do Programa Minha Casa, Minha Vida. O Parque Carioca terá apartamentos de dois e três quartos, toda a infraestutura e ainda áreas de lazer com piscinas e espaço gourmet.

Desde 2009, 19.220 famílias foram reassentadas pela Prefeitura do Rio, a grande maioria por viver em áreas de risco em toda a cidade. Deste total, 738 famílias foram reassentadas em função das obras viárias executadas pela SMO (666 na Transoeste e 72 na Transcarioca)."

DEU NO NEW YORK TIMES

  • Fernando Maia/UOL

    Logo após o encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres-2012, um dos principais jornais dos Estados Unidos, o New York Times, criticou a cidade do Rio de Janeiro pelo planejamento mostrado para a Olimpíada de 2016.

    A publicação disparou duras críticas ao projeto de desapropriação de alguns bairros da cidade em nome da construção de uma infraestrutura para a recepção da competição olímpica. LEIA MAIS

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