Venda de bebida alcoólica pode dar confusão na Copa no Qatar, diz Silas

Luis Augusto Símon, em São Paulo

  • Neco Varella/Freelancer

    Apesar da preocupação, treinador acredita que país vai ceder a algumas tradições ocidentais

    Apesar da preocupação, treinador acredita que país vai ceder a algumas tradições ocidentais

Há dez anos, Silas fazia, pela Inter de Limeira, as últimas partidas como profissional. Era o final de uma carreira de sucesso, com participação em duas Copa do Mundo, membro efetivo dos "Menudos do Morumbi", de Cilinho, em 1985, e com direito a ser ídolo no San Lorenzo, quando ainda não era conhecido como o time do Papa Francisco.

Após uma derrota para o Santos, Silas voltou para casa e, como sempre, brincou com os filhos Natan e Caleb, então com 12 e seis anos, respectivamente. Natan foi receptivo, mas Caleb, não. Cara amarrada, não queria conversa. Silas insistiu, perguntou o que o papai fez, até ouvir o desabafo de Caleb. "Eu vi o jogo na televisão e você bateu muito no Robinho. Você é muito bruto".

A decepção do filho mostrou claramente a Silas que o tempo havia passado. O meia talentoso, eleito o melhor jogador do Mundial sub-20 de 1985, agora era um volante sem muito fôlego, com boa saída de bola, mas que precisava recorrer a faltas para jogar. Era hora de parar, mas não com o futebol. Ele começou a trabalhar como auxiliar-técnico de Zetti e em 2007, assumiu o Fortaleza. Passou por muitos clubes – Flamengo e Grêmio, os mais importantes – e nos últimos dois anos esteve no Qatar.

Ali, viveu uma experiência interessante. Pelo Al-Gharafa, enfrentou o Al-Jaiysh em um amistoso. Vencia por 3 a 0 quando o treinador adversário fez uma substituição. Colocou Natan, o filho de Silas, em campo. "Nunca pensei em dirigir contra meu próprio filho. Aí, ele recebeu uma bola no ataque e ficou na frente do Qasin, nosso goleiro e também da seleção do Qatar. Faz, faz, eu falei, baixinho. Já estava ganho mesmo e queria um gol do garoto. Mas o Qasin não deixou. Foi uma pena".

E é sobre essa experiência no país que abrigará a Copa do Mundo de 2022 que Silas conversou com o UOL Esporte. Na entrevista ela fala sobre a proibição do consumo de bebidas alcoólicas e de como os qatarianos estão se organizando para abrigar a Copa do Mundo.

Como vai se a Copa no Qatar, em 2022?

Olha, acho que vai ser parecida com uma Olimpíada, quando tudo se realiza em apenas uma cidade. O Qatar é praticamente uma cidade só, a capital Doha. Tem mais umas duas cidades, mas a mais longe é a 30 quilômetros. Então, os estádios vão ser muito próximos uns dos outros. É uma cidade com 1,6 milhão de habitantes e deve ter problema com trânsito. Todo mundo vai se encontrar por lá.

Vai haver algum choque cultural?
Já imaginou os ingleses em um país em que é proibido beber? Acho que vai dar alguma confusão, mas ainda faltam dez anos. Acho que o Qatar vai se ocidentalizar um pouco, vai permitir alguma coisa que não permite.

A bebida é totalmente proibida?
Sim, mas se você estiver almoçando em um hotel, pode pedir alguma coisa. Fora daí, não. Vai ser comemoração sem bebida

E religião?
Não há nenhuma pressão deles sobre praticantes de outras religiões. Seguem a deles com fervor, mas não se intrometem na vida dos outros. São seis orações por dia, cada uma com quinze minutos. Tudo para nesse momento. Até os treinos dos times de futebol. Hora de reza é hora de reza.

Vai haver problema com a construção dos estádios?
Nenhum problema. Lá, sobra dinheiro. Tem muito petróleo e agora descobriram mais gás. Acho que os estádios vão estar prontos lá por 2019. Hoje, tem o Califa Stadium, para 50 mil pessoas. Os novos serão bem mais modernos. Os xeques compraram o PSG, querem o Manchester United, patrocinam o Barcelona. Acha que falta dinheiro?

E como o Qatar vai montar uma seleção?
Vão naturalizar garotos que hoje estão na faixa dos 13 aos 17 anos. Tem poucos qatarianos que praticam o futebol, inclusive no campeonato nacional. Tem muita gente do Sudão, de outros países da África, mas locais, mesmo, não. 

Vai ser um processo de naturalização em massa?
Eles têm um centro de excelência que se chama Aspire. Ali estão jogadores recrutados no Qatar e em outros países também. Eles treinam bastante e participam de competições. Os xeques patrocinam torneios sub-20 com times de outros países. Há um intercâmbio muito bom e assim pretendem melhorar o nível deles. Os melhores jogadores serão naturalizados para formar uma seleção para 2022.

Você acha que poderão passar para a segunda fase da Copa?
Falta tempo, mas eu acho muito difícil. Copa é outro nível.

E o campeonato nacional do Qatar, como é?
O campeonato é em organizado, mas não desperta muito interesse. Pouca gente vai aos jogos. A presença feminina é inexistente. Não são proibidas pela lei, mas os maridos não deixam ir. Cada clube tem um centro de treinamentos muito bom, comparáveis com os melhores do Brasil.

Treinador tem garantia?
Até dois anos atrás funcionava assim: imagina que você tem um contrato de dois anos e o clube não quer mais os seus serviços. Então, a Federação, que é a dona do dinheiro, tinha a responsabilidade de encaminhar você para outro time. Agora, é diferente. Ela repassa o dinheiro para o clube, que te indeniza.

E agora, em sua volta ao Brasil, quais são seus planos?
Quero dirigir na Série A do Brasileiro. Recentemente, porque ainda estava no Qatar, recusei convites do Cerro Porteño e do Vitória, mas agora estou livre.

Qual estilo de jogo mais te agrada?
O do Barcelona, com três zagueiros, aliás dois zagueiros mais o Mascherano, dois laterais que jogam totalmente no ataque, nem são laterais, e muito toque de bola no meio-campo, mas isso é um sonho. No Brasil, tem muitos times bons, na Espanha são só dois, ou no máximo três.

E na falta deste estilo?
Bom, o que está na moda é o 4-2-3-1, mas eu acho que, para dar certo, tem de ter profundidade pelas laterais – ou com os meias ou com os laterais mesmo – e volantes que chutem forte a gol. Volantes como o Leo Gago, do Palmeiras, e o Ferdinando, da Portuguesa.

Como você viu essa conquista do Flamengo, que conseguiu equacionar suas dívidas e conseguiu uma certidão negativa?
Fiquei muito feliz. Isso ajuda a ter tranqüilidade e favorece o trabalho dos treinadores. Vai ajudar o Jorginho. Eu tive muitos problemas em minha passagem pelo Flamengo. Teve o caso do Bruno, que abateu muito o grupo de jogadores.

Para terminar, você é ídolo até hoje no San Lorenzo, da Argentina. Você acha que a eleição do Papa Francisco, que é torcedor do San Lorenzo, vai ajudar o time?
Só se ele mandar algum dinheiro lá do Vaticano para ajudar o San Lorenzo com seus problemas financeiros. Fora disso, é milagre. Eu acredito em milagres, mas não em milagre feito pelo papa.

Silas diz não montar "igreja" nos times e faz sucesso com pastéis

  • No começo do mês de março, Silas concedeu entrevista exclusiva ao UOL Esporte para falar sobre o retorno ao Brasil após dois anos trabalhando no oriente médio. O técnico falou também sobre como o mercado brasileiro lida com o fato de ele ser um técnico evangélico.

    De acordo com Silas, o interesse dos clubes faz com que a questão fique em segundo plano. O treinador também comentou sobre o sucesso de sua pastelaria na cidade de Campinas, no interior de São Paulo.Leia a história completa.

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