Em um mundo em que as chamas não são mais metafóricas, há lugar para o amor, há lugar para a poesia? A poeta carioca Luiza Mussnich, em seu novo livro "Todo resto é muito cedo", sem oferecer respostas, nos coloca diante da pergunta.
"Não escrevo para ser a mulher que sou, escrevo para ser a mulher que não sou", afirmou em entrevista a João Varella a escritora argentina Ariana Harwicz, cuja prosa perturbadora desestabiliza - ou mesmo destrói - os fundamentos da ideia de família.
Ler costuma ser solitário, mas há livros que convocam conversas. "A autobiografia da minha mãe", da escritora de Antígua e Barbuda Jamaica Kincaid, é um deles. Duas dessas interlocuções me ajudaram a entender por que fui tão mobilizada por esse livro, que chegou ao Brasil em 2020 pela editora...
Você abre o Instagram entre uma tarefa e outra e saltita nos stories uma foto em que aparecem, juntas, suas boas amigas. Você primeiro pensa que deve ser um TBT, elas jamais se encontrariam sem você, aí você as vê de casaco, calcula que ontem estava um frio daqueles, a garganta se fecha e o dia se...
Ilaria Gaspari suava do outro lado da tela, numa Itália escaldante pelo calor da crise climática. O desconforto não diminuiu a gentileza e paciência com que me explicava conceitos filosóficos que um dia achei difíceis de entender - agora não mais, não nas palavras dela. Seus livros de ensaio "A...
Confesso: sou supersticiosa nos esportes. Aprendi desde cedo que gol não se seca, e se alguém entrou na sala e o Corinthians marcou, que essa pessoa fique exatamente ali até o fim do jogo.
Um dos livros listados entre os 100 melhores do século 21 pela revista New York Times não foi publicado no século 21, mas no 20. O critério único de que a publicação em inglês fosse a partir do ano 2000 contemplou a "Trilogia de Copenhagen", da dinamarquesa Tove Ditlevsen, com o anacronismo.
O que Clarice Lispector, Franz Kafka, Sylvia Plath, Henry James e Vanessa Barbara têm em comum? Se você ler "Três camadas de noite", saberá que todos escrevem sobre, com ou apesar da depressão.
Quando você vai, enfim, inventar, em vez de escrever sobre si? A pergunta não foi feita a mim, mas a uma amiga anos atrás e a entravou. Como se ela fosse uma escritora menor se não inventasse. Como se a ficção total fosse superior à escrita de si. Como se existisse algo como ficção total, ou como...
"Se você levar nove minutos para ler este texto, durante este tempo uma mulher terá morrido por ter feito um aborto clandestino. Provavelmente, essa mulher será do hemisfério sul, de um dos países onde abortar ainda é ilegal — não por coincidência, em sua maioria, países considerados...
É deselegante escrever sobre a própria obra. É, sem dúvida alguma, deselegante, mas me perdoo de antemão munida de justificativa: uma adaptação é uma obra em si, outra da qual a originou.
Mulheres abortam. De todas as religiões, classes sociais, etnias e profissões, mulheres realizam e continuarão realizando procedimentos abortivos clandestinamente e de maneira insegura no Brasil.
"Bebê Rena" é um título instigante para uma série, quase incômodo, de uma estranheza que nos interpela, como provavelmente toda estranheza. O nome vem a calhar, pois a série trata justamente do estranho, assim como dos limites pouco definidos entre o singular e o patológico, o impulso e a...
Julia Dantas é escritora e sua casa foi uma das centenas de milhares de casas alagadas no Rio Grande do Sul. Empresto suas palavras para dizer o que aconteceu, o que está acontecendo. "Se algum dia eu virar cineasta e fizer um filme de terror, essa cena estará lá: a água brota por entre as junções...
Quando soube da notícia da morte de Paul Auster, temi que me pedissem para escrever algo sobre ele. Como quase todo temor, no centro dele havia um desejo: o de que me pedissem para escrever algo sobre ele.
Você abandona livros? Eu não. Ou pelo menos eu achava que não, até que precisei fazer uma limpeza na cabeceira da minha cama, onde uma montanha de páginas se acumulava, e constatei que alguns já haviam sido abandonados. Não como uma decisão tomada do tipo "não estou gostando, vou parar de ler", mas...
Nos oito anos em que trabalhei num hospital penitenciário de São Paulo, tive diante dos olhos o que já sabemos: racismo prende e prisão mata. (O silogismo lamentavelmente funcionaria excluindo prisão da sentença: racismo mata).
Imagine se você perdesse de repente o que você mais gosta. Bem, não de repente, mas no intervalo de dois meses. Um dia você é uma garota de treze anos que vai à escola, em outro você está cega. Sua escola e seus amigos têm muita dificuldade de se adaptar e te oferecer o melhor para a sua nova...