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Copa 2018

Com 6 na seleção, guru do Shakhtar diz que Ucrânia foi mais que "trampolim"

Mircea Lucescu dirigiu o Shakhtar por 12 anos - Dmitry Korotayev/Epsilon/Getty Images
Mircea Lucescu dirigiu o Shakhtar por 12 anos
Imagem: Dmitry Korotayev/Epsilon/Getty Images

Dassler Marques

Do UOL, em Moscou (Rússia)

21/03/2018 18h00

Falar sobre o futebol brasileiro empolga o romeno Mircea Lucescu, 72 anos e hoje à frente da seleção da Turquia.

Ele é o treinador que mudou a história do Shakhtar e, no mesmo trabalho, ajudou a desenvolver seis convocados de Tite para os amistosos de março contra Rússia e Alemanha. De Fernandinho, Willian e Douglas Costa, praticamente dentro da Copa da Rússia, aos aspirantes à lista, Taison, Fred e o novato Ismaily. Lucescu tem muito a dizer sobre todos eles, e falou bastante nesta entrevista exclusiva ao UOL Esporte, concedida por telefone direto de Istambul.  

Lucescu conta que Fred resistiu em mudar de posição, e que Fernandinho foi sua maior inspiração para isso. Lembra que Ismaily não corria tanto quanto hoje no momento em que chegou de Portugal. O treinador romeno ainda fala com carinho de Willian e mostra, acima de tudo, orgulho pelo que construiu: são oito títulos ucranianos, além de seis Copas e sete Supercopas do país. 

Há uma década, Dunga começou a apostar em jogadores do Leste Europeu, com a Ucrânia incluída. Mano Menezes, seu sucessor, também identificou que jovens de talento emergiam em Donetsk e tinham muito a acrescentar. A resistência, no entanto, foi enorme no Brasil. Hoje, com vários daqueles consolidados em ligas maiores e outros prestes a darem o mesmo salto, os questionamentos diminuem. É sobre isso, e outras coisas, que Lucescu conversa com o UOL Esporte:

Ismaily não corria mais de 9 quilômetros

Ismaily chega à seleção brasileira - Lucas Figueiredo/CBF - Lucas Figueiredo/CBF
Ismaily chega à seleção brasileira
Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Fico muito feliz pela convocação dele. É um jogador que cresceu muito nos últimos anos. Não começou muito bem porque não era bem preparado fisicamente. Antes, só corria 8 km por jogo, no máximo 9 km. Hoje pode percorrer 11 km. 

A adaptação de Ismaily à Ucrânia foi mais fácil

Os jogadores brasileiros são muito preocupados com a técnica, mas na Europa também a parte física e tática são importantes. A adaptação de Ismaily foi mais fácil porque veio de Portugal. A parte mais importante de sua adaptação foi na parte física. 

Fernandinho inspirou a mudança de Fred

Mudei a posição dele em campo. Fred era um extremo esquerdo com Dunga. Era assim que jogava em Porto Alegre, na seleção. Eu mudei porque vi que ele tinha outras qualidades, como fiz com Fernandinho também. Ele era um atacante, da mesma posição de [Alex] Teixeira e depois foi jogando atrás do atacante central. Ele fez tantos gols e tinha qualidade para a função.

Fred não queria jogar em nova posição

Vi em Fred um jogador com grande personalidade. De início a mudança foi difícil, porque todos os jovens de 18, 19 anos...é encrenca [risos]. Depois, no aspecto profissional Fred aprendeu muito rápido e se comportou muito bem. Eu sabia que ele seria um jogador assim. Fred aproveitou a saída de Fernandinho para se colocar. Com Douglas Costa e Willian, antes, era muito difícil para ele. Depois veio Bernard para a mesma posição.

Era importante para ele. Não é fácil convencer os jogadores de talento a mudar de posição para jogarem todos os jogos. Foi uma grande perda quando fomos desqualificados na semifinal da Copa da Uefa [Liga Europa]. Se ele estivesse em campo, seria outro resultado. A gente poderia vencer a Copa da Uefa.

Lucescu exigiu a contratação do novo pupilo de Tite

Eu sabia o que poderia ter com ele. Já falei com o presidente [na hora], peguei três ou quatro jogadores [opções]. "O melhor de todos é o Fred, em perspectiva". Ele pode chegar lá porque, à parte de talento, queria jogar para vencer.

A Ucrânia permite o crescimento dos jogadores

Douglas Costa e Fred foram moldados por Lucescu no Shakhtar - Bruno Domingos/Mowa Press - Bruno Domingos/Mowa Press
Douglas Costa e Fred foram moldados por Lucescu no Shakhtar
Imagem: Bruno Domingos/Mowa Press

A Ucrânia ajudou muito os jogadores a crescerem em sua educação profissional, em condição difícil de temperatura, em um campeonato físico e duro, de grande dificuldade. Vencer esses campeonatos cria uma mentalidade vencedora. Depois, esses jogadores querem sempre vencer, isso é muito importante. Eu trabalhei muito a educação profissional com eles. Todos jogaram anos comigo, e depois é mais fácil crescer profissionalmente. Sou como um pai, como dizem, mas sou muito exigente em preparação física principalmente, a que fazemos é  muito melhor que em outros lugares. Todos têm uma base boa.

"Chegam na Europa e acham que sabem de tudo"

Fred é bravo. Trabalha muito bem, é muito sociável com os outros. Eu fui mais duro com ele, porque disciplinar os jovens brasileiros não é fácil. Eles chegam na Europa pensando que sabem tudo. O futebol europeu é muito difícil e diferente do brasileiro. Luiz Adriano, por exemplo, se adaptou, cumprimentava a todos, etc.

Shakhtar não é trampolim

Os jogadores queriam chegar, assinar contrato e sair depois dois anos ou três. Os jogadores ficaram sete anos, como Fernandinho, Luiz Adriano...mais de cinco com Willian. Eles fizeram uma história no Shakhtar, tiveram um comportamento que honra o futebol brasileiro. Sempre é espetacular a base técnica que todos têm, mas olha quanto é difícil para os jovens nos clubes europeus que não jogam. Esperam anos para jogar. Me recordo de Lucas Moura e de tantos outros. Ronaldo à parte [que chega e joga], os outros são diferentes.

Dar rodagem é essencial

Foram 12 anos, com 275 partidas e amistosos. Especialmente para os jovens, isso dá um nível motivacional alto. Vai para a Itália, para a Grécia, sempre estão jogando, sentindo o futebol europeu. Aos 22 ou 23 anos, esses jogadores já tinham uma cultura. 

Se sente responsável pelos selecionáveis

Sou muito contente por isso. São seis ou sete jogadores do Shakhtar que passaram na seleção. Jogamos um grande futebol, espetacular, com um componente de equipe. Sou muito contente por eles e não me esqueço do período comigo. Todos eles são como filhos para mim. Chegaram aos 18 anos, sem parentes quase, mas era tudo entre eu e eles. Fiquei preocupado em formar esses jogadores para grandes equipes e para o futuro. 

Alex Teixeira é uma frustração por ter ido à China

Fico muito surpreso por [Alex] Teixeira [não estar na seleção], que poderia ser grandíssimo. Ele pode mudar o ritmo da jogada, pode mudar as partidas, tem drible, tem tudo. Só foi à China para assegurar a vida, o futuro da família, mas é um jogador de grande classe.

Quis Neymar no Shakhtar

Sim, é verdade. Ao mesmo tempo de [contratar] Teixeira, Douglas Costa, o presidente queria Neymar. A gente viu Teixeira e Douglas no Campeonato Mundial do Egito [sub-20 de 2009] quando perdeu para Gana. Queria três ou quatro jogadores, mas foi muito importante que tomamos os dois, mas Neymar... Ele já era consagrado. Era jovem, mas era consagrado. Teixeira estava na segunda divisão no Vasco. O Douglas jogava pouco no Grêmio.

Willian no Anzhi? Lucescu foi contra

Willian queria sair, mas eu não queria. É um grande orgulho ver meus jogadores em grandes equipes. É pelo meu trabalho...pelo talento deles e pelo meu trabalho. Fiquei um pouco aborrecido porque ele foi para a Rússia, e esse é um jogador de grandes equipes. Mas, depois de um ano, ele se foi ao Chelsea. Willian ainda joga muito bem.

Ainda pede para falar de Jadson

Continua jogar muito com 33 anos. Ele teve uma boa preparação para jogar. Eu falo sempre com ele, manda por favor um abraço ao Jadson. 

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