Copa 2018

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Região que hospedará Brasil inspirou ideal de "pureza branca"

Ilustração sobre classificação de raças de tese do antropólogo Johann Friedrich Blumenbach imagem: Reprodução/domínio público

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/12/2017 04h00

A seleção de um dos países mais miscigenados do mundo escolheu como casa a região que originou o termo “caucasiano”, usado ao longo da história para definir a “pureza” da “raça branca”.

Sochi, base do Brasil na próxima Copa do Mundo, ficou conhecida mundialmente como sede dos Jogos Olímpícos de Inverno de 2014. Com clima bem mais ameno que outras regiões russas, a cidade no litoral do Mar Negro recebe turistas em busca do que a Rússia tem de mais próximo do clima tropical.

Povo “sem misturas”

Bem antes de receber atletas e banhistas, porém, a região do Cáucaso, onde está Sochi, recebeu a visita do fisiologista e antropólogo alemão Johann Friedrich Blumenbach. Foi ele quem, no final do século XVIII, sugeriu classificar os seres humanos em cinco raças diferentes: caucasianos, mongóis, etíopes, americanos e malaios. De acordo com a tese de Blumenbach, as origens da "branquitude" estavam no Cáucaso. Ou seja, os brancos mais puros do mundo, sem nenhum tipo de miscigenação, eram aqueles que viviam nessa região montanhosa do sudoeste russo.

Em 2014, a autora e professora da Universidade de Harvard Sarah Lewis chamou a atenção para esse passado "escondido" de Sochi. Em um artigo para a revista "The New Yorker" ela conta como os circassianos, um dos povos que habitavam o Cáucaso, foram considerados à época como “o povo mais bonito” e “o mais próximo da imagem de Deus”. 

Curiosamente, os circassianos foram quase totalmente dizimados durante as Guerras Caucasianas (1817 – 1864), quando os russos passaram a controlar definitivamente a região. Sochi, aliás, foi um dos últimos bastiões de resistência à conquista.

Caldeirão de etnias

O mais intrigante, porém, é que diferente da imagem idealizada, os caucasianos sempre foram um dos povos mais miscigenados e plurais do planeta. Em seu artigo, Sarah cita um viajante americano que, ao voltar da região em 1870, tentou explicar o que viu aos colegas da Sociedade Geográfica Americana: “ao pensar em caucasianos, devemos lembrar que os montanheses do Cáucaso são uma mistura de fragmentos de quase todos os povos da Europa e da Ásia Ocidental".

Para Vicente Ferraro Junior, do Laboratório de Estudos da Ásia da Universidade de São Paulo (USP), as características geográficas da região, com diversos povos isolados e várias tentativas frustradas de invasão por russos, persas e turco-otomanos, ajudaram a alimentar a ideia de pessoas "puras". “Trata-se, porém, de uma das regiões mais diversas do mundo, com mais de 150 etnias”, explica Ferraro.

O estudioso, que esteve recentemente na Rússia para um mestrado em Ciência Política, concorda com a autora americana em outra contradição. Se no Ocidente o termo “caucasiano” ainda é entendido como sinônimo de “branco”, na Rússia a percepção é bem diferente. Ao ponto de, para alguns russos, caucasianos serem considerados como de outra raça.

O Swissôtel Resort Sochi Kamelia é o hotel que vai abrigar a seleção brasileira durante a Copa do Mundo de 2018, na Rússia. imagem: Divulgação

Para russos, caucasiano nada tem de branco

“Só o fato de os caucasianos normalmente terem cabelos escuros já é suficiente para que muitos russos os vejam desse jeito. Como uma raça não-branca”, diz Ferrero. “E, no caso de nacionalistas russos, isso significa algo negativo. Eles são vistos como inferiores”.

No artigo para a “The New Yorker”, Sarah Lewis menciona reportagem do jornal russo “Kavkaz” que, em 1913, mostra surpresa com a descoberta de cerca de 500 “negros russos” vivendo no Cáucaso.

O poeta e ativista americano Langston Hughes foi outro a ficar um pouco confuso com aquilo que encontrou no Cáucaso: ele viajou para a região e, em seu diário, se disse surpreso ao encontrar pessoas que nos Estados Unidos seriam consideradas “de cor”. Nada mais distante da ideia de Blumenbach.

Sochi, porém, difere um pouco dessa caldeira cultural caucasiana. “Depois das guerras caucasianas, Sochi foi fortemente colonizada pelos russos e por isso não é uma região tão plural. Não é uma cidade com uma variedade tão grande de etnias”, diz Ferraro. Como comparação, ele lembra que a Chechênia, por exemplo, tem apenas 3% de “russos étnicos” entre sua população.

O fato de o Cáucaso ser uma das regiões mais pobres da Rússia também pesa no preconceito. É comum que seus habitantes partam para cidades mais ricas em busca de melhores condições de vida. “É mais ou menos como o preconceito com nordestinos em São Paulo”, acredita Ferraro. 

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