Lembra do Brasil de 94? A história tem muito a ver com essa Argentina

Do UOL, em São Paulo

O primeiro sentimento que esse time da Argentina deve despertar para a maioria dos brasileiros é algo bem distante da simpatia, pela rivalidade histórica entre os dois países. Mas muito da equipe treinada por Alejandro Sabellla que tem Lionel Messi como protagonista lembra aquele Brasil de 1994, de Romário, que venceu a Copa após 24 anos de jejum. Muito da história, dentro e fora dos campos.

As semelhanças dessa Argentina com aquele Brasil vão do momento vividos pelos países, longe da bola, até o organograma dentro da equipe titular.

1. Gerações de ouro derrotadas

Leandro, Toninho Cerezo, Falcão, Júnior, Sócrates, Zico, Éder e Serginho. O Brasil de 1982 atacava com todos esses jogadores, comandados por Telê Santana, naquele que é considerado um dos melhores times da história do futebol. E que não ganhou a Copa, por uma derrota para a Itália. A Argentina não encantou tanto, mas teve suas melhores gerações nas Copas de 2002 e 2006, e fracassou nas duas oportunidades. Gabriel Batistuta, Javier Zanetti, Juan Pablo Sorin, Ariel Ortega, Juan Sebastian Verón, Diego Simeone, Pablo Aimar. Depois, Esteban Cabiasso, Javier Saviola, Javier Mascherano, Juan Román Riquelme, Carlos Tévez... até Lionel Messi. Afundaram, igualmente.

2. Sonho x pressão

A Argentina enfrenta a Alemanha por um sonho neste domingo. Não havia pressão por um título de Sabella e Messi até a estreia. A Copa é no Brasil. Além da seleção da casa, Espanha e Alemanha chegaram como favoritas. Essa geração, de Messi, está longe das que a Argentina teve nos últimos anos, principalmente em 2006 e 2002. Seria sonho superar tanta adversidade e erguer a taça na sede rival. Em 94, no entanto, o Brasil encontrou outro cenário. A seleção não era tão boa, mas estava entre as melhores do mundo e carregando um jejum de 24 anos sem vencer uma Copa do Mundo. Pior: daria chance à Itália, uma das favoritas, a ultrapassá-la como campeã. Entre vários motivos que deixavam a seleção sob pressão, até a morte de Ayrton Senna um mês antes da Copa se somou a isso.  

3. Messi x Romário

O Brasil teve um time em 94 que viu um craque assumir a responsabilidade também sem a bola nos pés. Romário ainda era verborrágico na malandragem, disse que ganharia a Copa pelo Brasil e assim o fez. Jogou muito e fez com que uma equipe limitada conquistasse o mundo depois de duas gerações que se marcavam pelo coletivo, e não pela individualidade de um jogador. Messi, igualmente. Depois da melhor geração argentina de todos os tempos, que nada conquistou, é o protagonista de uma equipe que se molda para jogar em sua função.

4. Momento político

No Brasil, o intervalo entre os títulos mundiais de 1970 e 1994 coincidiu com uma abertura política. Nesse período, o país deixou uma ditadura militar, adotou eleições diretas, promulgou a atual constituição e consolidou bases políticas que permanecem até hoje. O presidente Fernando Collor de Mello passou por um impeachment – o primeiro da América Latina – em 1992, dois anos antes da conquista nos Estados Unidos. A Argentina tinha acabado de sair de uma ditadura militar em 1986, ano de seu último título mundial. O presidente na época era Raúl Alfonsín, que conduziu a redemocratização do país e ficou até 1989. Alfonsín deu lugar a Carlos Menem, que ficou até 1999 e teve um governo controverso. Quando ele saiu, o país já começava a viver a crise política que se intensificou no governo de Fernando de la Rúa e levou o presidente a renunciar em 2001, depois de apenas dois anos no cargo.

A queda de De la Rúa escancarou o momento conturbado na política da Argentina. A presidência do país passou pelas mãos de Adolfo Rodríguez Saá e Eduardo Duhalde entre 2001 e 2003, quando começou ascendeu a família Kirchner. Néstor presidiu a nação de 2003 a 2007 e foi sucedido pela mulher, Cristina, que ocupa o cargo até hoje. Em 2012, Cristina voltou a enfrentar grave crise causada pelo desemprego e pela situação econômica. A situação foi agravada por um problema pessoal – ela teve de se afastar da última campanha presidencial para tratar de um hematoma cerebral. Cristina, que já enfrentava uma oposição mais forte, com diversas críticas ao governo, sofreu um revés nas eleições legislativas de 2012, quando sua base perdeu nos principais distritos – apesar de ter mantido maioria no Congresso.

5. Momento econômico

Durante o processo de redemocratização do país, o Brasil teve um período econômico conturbado na década de 1980. Devido à estagnação econômica, o período é chamado por muitos economistas de "a década perdida": o país crescia pouco, os índices desempregos eram altos, e a inflação disparava de forma assustadora. Isso começou a mudar no início dos anos 1990, e um marco da economia brasileira foi o lançamento do Plano Real em fevereiro de 1994. Meses antes do título na Copa do Mundo, a população brasileira conhecia a moeda que circula no país até hoje.

Na Argentina, a situação econômica durante os anos de jejum foi igualmente irregular. O país cresceu pouco na década de 1990, e isso motivou uma decisão drástica em 2001: em meio a uma grave crise, a Argentina anunciou um calote na dívida pública, que na época era de US$ 100 milhões. A entrada de dólares ficou dependente da exportação, e a falta da moeda fez a cotação disparar. A economia pouco competitiva também elevou a taxa de inflação. De acordo com o Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censo), órgão do governo, a inflação terminou 2013 em 10,9%. Entretanto, há denúncias de que esse número seria maquiado. A questão dos dados oficiais gerou até uma crítica pública do FMI (Fundo Monetário Internacional) em 2013, quando a instituição considerou insuficientes os dados sobre o país.

6. Mascherano x Dunga

Romário teve Dunga como seu escudeiro. O capitão do tetra, que mais tarde viraria técnico, era o exemplo do empenho, sem tanta técnico, e foi figura importante para equilibrar uma equipe. A Argentina de hoje não tem extremos de personalidade tão opostos, mas tem em Mascherano aquele que é conhecido como "chefinho", personagem imponente e de autoridade no grupo, que já usou a braçadeira de capitão. É quem desempenha a função que Messi não consegue, mesmo vestindo a faixa.

7. Agüero x Raí

A Argentina que joga a final dessa Copa tem Messi como craque, Mascherano como autoridade e tinha Sergio Agüero como coadjuvante. Mas o atacante, que levou o Manchester City ao topo da Inglaterra, perdeu a vaga após três jogos nessa Copa. Não por ser pior, mas simplesmente por não caber. Assim como no Brasil de 94, que teve Romário como craque, Dunga como autoridade e Raí como coadjuvante. Mas o meia, que levou o São Paulo ao topo do mundo, também perdeu a vaga por não caber na equipe titular, após duas partidas.

8. Resgate de ídolos como técnicos

A quinta Copa sem título do Brasil rendeu uma atitude de resgate. Paulo Roberto Falcão, exemplo máximo de técnica da seleção de 1982, foi contratado para iniciar a carreira de técnico na seleção brasileira após o desastre na Copa de 1990, sucedendo Sebastião Lazaroni. Durou menos de um ano, sem sucesso. Depois, em 2006, a história se repetiu, trocando a técnica pela raça de outrora: Dunga assumiu. Durou mais, um ciclo inteiro, foi à Copa e acabou derrotado e massacrado pela crítica. Na Argentina, a figura tratada quase como divindade de Diego Maradona assumiu a seleção para tentar fazer uma boa geração chegar ao título em 2010, e também não conseguiu. 

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