Jogador brasileiro vende mais lá fora do que castanha de caju
Rodrigo Bertolotto
Do UOL, em Parnamirim (RN)
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Arte UOL
Contar com um jogador brasileiro é um selo de qualidade, agrega valor e virou quase um talismã para times dos quatro cantos do mundo. Mas será que essa imagem mística internacional resiste ao vexame do 7 a 1 em casa? Provavelmente. O efeito do jejum de 16 anos (que serão completados em 2018) em Copas do Mundo e a atual geração com apenas um jogador de exceção (Neymar), se for sentido, vai ser a longo prazo. Afinal, o crescimento da exportação futebolística é contínuo há mais de 20 anos.
Aumentou tanto que superou itens típicos que o Brasil vende ao exterior. Só como comparação: as transferências de Neymar, Paulinho e Bernard renderam mais que toda a exportação de castanha de caju do Brasil no mesmo ano de 2013 em que esses atletas deixaram o futebol nacional. O caju totalizou US$ 134 milhões para os produtores rurais e a indústria alimentícia, enquanto o trio da seleção somou US$ 139 milhões para seus bolsos (e de seus agentes e clubes).
Outra comparação curiosa mostra o papel dos jogadores nessa balança comercial. Só o dinheiro não declarado na ida de Neymar para o Barcelona (transação supostamente ilegal que custou a queda do então presidente do time catalão, Sandro Rosell) superou de longe o total de exportações de castanha do pará, outro produto nativo do Brasil. Placar desse jogo: Neymar levou US$ 23 milhões por fora, enquanto a noz amazônica ficou atrás, com US$ 21 milhões.
Claro que nessas contas há a hipervalorização dos jogadores e o descaso com a produção de frutos nativos do Brasil. Contudo, engana-se quem pensa que a indústria entorno do caju esteja em decadência. Seu crescimento, contudo, nem se compara com a explosão do "futebol for export".
Segundo as estatísticas oficiais da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), o fluxo de atletas deixando o país aumentou 392% entre 1992 e 2005. No mesmo período, a cajucultura cresceu 20% sua produção média, de acordo com os produtores do setor.
"A venda de jogadores para o exterior é uma fonte de renda preciosa, e o Banco Central estima que as transferências de brasileiros geraram US$ 1 bilhão em receitas entre 1994 e 2005", afirma o jornalista Fernando Duarte em seu livro "Futebol Exportação", escrito em parceira com Claudia Silva Jacobs. A publicação foi a primeira a se aprofundar nesse fenômeno comercial e social do país.
E as transações de atletas só se avolumaram nos últimos dez anos. Em 2003, por exemplo, a CBF contabilizou 804 jogadores deixando o país. Em 2013, ou seja uma década depois, o número quase duplicou: 1.530 foram exportados.
Segundo levantamento de Amir Somoggi, consultor de marketing e gestão esportiva, o Brasil bateu o recorde de lucro em 2013, com o montante de US$ 277 milhões – a marca anterior era de US$ 186 milhões, arrecadados em 2007.
"O futebol brasileiro ainda é muito dependente da venda de atletas. Os clubes não conseguem fechar o ano no azul sem negociar suas estrelas", analisa Somoggi.
O maior comprador dessa "commodity" é a Inglaterra e seus clubes bilionários. Só no ano passado, os ingleses gastaram US$ 913 milhões em compras no exterior, muitos deles brasileiros, como Paulinho (Tottenham) e Fernandinho (Manchester City), dois queridinhos do técnico Luiz Felipe Scolari.
Mas o Brasil também vende para mercados alternativos. Um caso emblemático foi a transferência em um só ano de 30 futebolistas para o Vietnã. Justamente o Vietnã que é o maior produtor de caju do mundo, com safras anuais que são dez vezes maiores que a brasileira.
A ironia é que o caju é nativo do Brasil e foi levado pelos portugueses para a África e a Ásia. Atualmente, o Brasil é o sétimo no ranking de maiores produtores de caju, atrás de Vietnã, Índia, Nigéria, Costa do Marfim, Indonésia e Filipinas. Quando há uma quebra de safra por aqui, a indústria brasileira importa a castanha do Vietnã.
Claro que os clubes brasileiros também importam atletas, principalmente de países vizinhos com economia mais frágil, como Uruguai, Paraguai, Argentina e Colômbia. E há também um "recall" dos jogadores exilados que não se adaptaram futebol europeu ou já estão muito veteranos para a intensidade das partidas no Velho Continente.
Nos tempos do futebol-negócio, o êxodo é tão grande que até as seleções estrangeiras incorporam os brazucas. Só nesta Copa de 2014, Portugal, Espanha, Croácia e Itália se reforçaram com similares nacionais, mesmo assim foram eliminados na primeira fase.
A fuga para o exterior é tão antiga quanto o futebol profissional no Brasil. Já na década de 1930, algumas estrelas rumavam para os clubes europeus e se somavam também às seleções de lá. Após a 2ª Guerra Mundial, isso diminuiu dada a reconstrução da Europa. Mas nos anos de 1960 os times locais atraíram alguns craques brasileiros.
A diáspora atual, porém, ganhou impulso na década de 1980, quando craques consagrados como Falcão, Zico e Sócrates arrumaram suas malas. A geração seguinte, de Romário e Ronaldo, rumou para o exterior ainda como promessas e só consolidaram a carreira pelos gramados gringos.
Atualmente, muitos jogadores migram sem ter saído dos juniores ou sem passar por grandes clubes do Brasil. É o caso de Hulk e Luiz Gustavo, dois dos escolhidos de Scolari. Surgiram rotas diretas de juvenis indo direto do Maranhão para a Bélgica ou do Ceará para Portugal, que esbarravam no crime de tráfico de menores.
Duas leis foram primordiais para o incremento do trânsito de "pés-de-obras". Na Europa, a Lei Bosman ampliou para o futebol a lei de livre circulação de trabalhadores dentro do continente, o que acabou gerando a incrível cena da Internazionale de Milão campeão da scudetto de 2009/10 sem um italiano entre os titulares. No Brasil, a lei Pelé libertou o passe dos jogadores dos clubes, ampliando a possibilidade de transação internacional.
Outro fator foi a criação de ligas profissionais no Japão, EUA, China e países árabes, o que multiplicou as opções de emprego. Por seu lado, o Campeonato Brasileiro se transformou em uma vitrine para os novatos e um "retiro espiritual" para os veteranos em fim de carreira.
Mesmo no jejum atual, o Brasil ainda vive da fama de ser o único pentacampeão mundial e de ser um celeiro interminável de craques.
O Brasil só é superado no quesito exportação pela Argentina. Só para ilustrar: em 2009, migraram 1.716 argentinos, contra 1.443 brasileiros. Se os argentinos vencerem na Copa do Brasil no domingo, vão ganhar também uma bela campanha de marketing para incrementar suas vendas.