Mulheres relatam como foram assediadas nas festas da Copa na Vila Madalena
Vanessa Ruiz e Vinícius Segalla
Do UOL, em São Paulo
Na última segunda-feira, o UOL Esporte publicou a reportagem "Driblando na Vila Madalena: quando o xaveco é quase uma agressão sexual", relatando os assédios que sofriam as mulheres em meio às multidões que se formavam para ver os jogos e festejar na Vila Madalena, em São Paulo. Nos dias subsequentes, o portal passou a receber relatos de internautas que também tinham sofrido assédio nas festas da Copa.
Assim, a reportagem voltou às ruas em festa pela Copa para flagrar casos em que o flerte e a paquera se convertem em puxões de cabelo e beijos forçados, e também para ouvir o que tinham a dizer as torcedoras que frequentam as fan fests, a Vila Madalena e outros bairros boêmios das cidades-sede do Mundial. O resultado está no vídeo e nos depoimentos desta reportagem.
Beijo forçado
"Fui à Vila Madalena na noite do dia 30 de junho, véspera do jogo da Argentina contra a Suíça, no Itaquerão. Estava lotado de argentinos, e eu estava com um amigo brasileiro. Estamos no meio da rua e um argentino chegou e, sem falar absolutamente nada, tentou me dar um beijo, segurando minha cabeça. Eu segurei de volta no rosto dele e disse que, daquele jeito, ele não tinha a menor chance comigo nem com nenhuma brasileira. Os próprios amigos que estavam com ele começaram a rir, e eu fui embora feliz". Letícia Bahia Diniz, 30 anos, psicóloga
Puxões e xingamentos
"Fui à Fan Fest em São Paulo no dia do jogo do Brasil contra Camarões (26/6). O jogo acabou e começou a festa. Em menos de duas horas, foram três abordagens em clima de fim de Carnaval, pegando no cabelo, puxando pelo braço, não ouvindo eu falar "Não!". Eram todos brasileiros. Saí de lá e fui para um bar na Vila Madalena. Lá, recebi cantadas grosseiras de chilenos, colombianos e argentinos. Quando eram rejeitados, xingavam". M.K., 26 anos, arquiteta
"Na madrugada do dia 12 de junho, noite anterior ao primeiro jogo da Copa, fui para a Vila Madalena. Passamos de carro por este cruzamento que está sempre lotado [um dos cruzamentos da rua Aspicuelta]. As janelas estavam abertas, um croata enfiou a cabeça para tentar me beijar. Ele estava com um amigo brasileiro que ficava incentivando a 'brincadeira'. Eu comecei a xingar, empurrar a cabeça dele para longe, mas ele era mais forte e colocou quase metade do corpo para dentro. Então, comecei a forçar o vidro e consegui fechá-lo. Não contentes, eles abriram minha porta e começaram a me puxar pelo braço enquanto falavam na língua deles, e os brasileiros traduzindo as palavras nojentas que diziam: beijar, sentir 'isso e aquilo' de um europeu. Então, comecei a chutá-los, mas eles tentavam me puxar pela perna. Finalmente consegui fechar a porta e saímos dali." W. B. G.
De brasileiros e estrangeiros
"Tudo o que foi mencionado na matéria, tenho vivido todos os dias, mesmo antes de começar a Copa. Levei uma encoxada de croatas, puxão de cabelo, recebi elogios, fui xavecada, esnobada e também xingada. Tentei levar na esportiva. Resumindo a ópera, achei brasileiros até mais atirados (e matando cachorro a grito) do que gringos." M. L. S.
Sem medo da polícia
"Estive na Vila Madalena no dia de Brasil e Chile. Depois do jogo, falei para minha prima: 'Vamos passar ali no meio do povo pra ver o movimento'. Como fui inocente! Nem imaginei que a gente pudesse ser assediada de forma tão agressiva. Um homem segurou meu braço e tentou me beijar a força, puxei meu braço e saí. Depois, a gente continuou andando depressa e sem olhar pros lados. Vieram uns quatro e nos cercaram. Um deles levantava a camiseta para mostrar que era malhado. Oi? Como se isso fosse fazer diferença. Falei: 'Sai da frente que vou começar a gritar, a polícia está bem ali'. Continuamos andando enquanto eles nos xingavam." S. A. A.
Nem cheguei a ir
"Toda semana, vou para algum bar com amigas e amigos, mas já comecei a ouvir os relatos de conhecidas desde o primeiro dia [da Copa do Mundo]. Na vida, já passei por situações muito ruins com homens que me forçaram a fazer coisas que eu não queria, mas fiz para poder me livrar daquilo. Então, mesmo gostando muito da Vila Madalena e sabendo que deixar de ir é me privar da minha liberdade, me senti acuada e acabei não indo nem curtindo a festa." R. J.
Não é só na Vila Madalena
"Fui à Lapa, bairro boêmio do Rio de Janeiro, no dia 4 de julho. Em razão da Copa, a cidade estava lotada de gringos e a região mais cheia do que de costume. Sexta à noite, gente jovem e bonita, clima de paquera, um ambiente legal, certo? Errado. Pras mulheres, estava especialmente hostil. Alguns estrangeiros tinham uma abordagem bem agressiva. Chegavam pegando na gente, abraçando, um tipo de contato bem íntimo e que eu não tinha permitido. Dentre as coisas que mais me incomodaram estavam os olhares ameaçadores, umas perseguições pela rua, os esfregões e as encoxadas. Mas o que mais me deixou assustada foi um cara que me agarrou enquanto eu passava perto dele. Ele era mais forte que eu, então, não teve dificuldade para me puxar pelo cabelo, me prender entre os braços e tentar forçar um beijo. Não adiantava dizer que eu não queria, ele continuava me elogiando e me apertando. Até perguntou o porquê de eu não querer beijá-lo, falando 'você sabe que eu sou lindo, sou gostoso, todo mundo quer me pegar hoje'. Quando eu consegui me soltar, ele me chamou de 'branquinha escrota'. Ninguém ao redor sequer esboçou uma reação." M. B.
Metrô não é seguro
"Na abertura da Copa, precisei pegar o metrô antes do jogo. O empurra-empurra era esperado, havia centenas de pessoas formando um corredor em que era impossível evitar o contato físico, mas senti claramente um apertão na bunda. Olhei para trás para identificar o agressor, que ficou com medo de ser pego e acabou se entregando, ao me olhar de volta e perguntar 'o que foi?" na defensiva. Ou seja, realmente houve uma má intenção e uma violência. Na semi-final, voltando do Itaquerão, enquanto esperava o fluxo de torcedores diminuir para voltar, três brasileiros fecharam uma rodinha ao meu redor e um tentou roubar o beijo, segurando meu rosto. O nojo numa situação dessas é indescritível, por mais que o homem tente ser educado nas palavras para se aproximar. É revoltante. Quando o metrô esvaziou, embarquei e um animado grupo de argentinos fazia festa e interagia com todo mundo no vagão. Sobrou pedidos de "beijinhos", "selinhos" e "biquinhos" para as meninas, que foram cercadas, para entrar na brincadeira de dançar no meio da festa deles no vagão. Não passou disso, mas é desagradável lidar com essa noção de que toda mulher está disponível e ter que 'provar' que tem um namorado para ser deixada em paz". D. V.