Neymar mais sincero da carreira quase consegue deixar vexame em 2º plano

Gustavo Franceschini e Paulo Passos

Do UOL, em Teresópolis

Neymar sempre foi tratado por Luiz Felipe Scolari como um bibelô, no que diz respeito à imprensa. Poupado de entrevistas coletivas, escondido à vista de todos dentro do campo, restrito ao que sabe fazer melhor. Era como se o camisa 10 não soubesse o que dizer, não pudesse se dividir durante 30, 40 minutos entre falar e jogar.

E eis que no pior vexame da história, quando todos esperam qualquer palavra com pedras na mão, surge o craque do time com voz tranquilizadora e uma segurança de quem tem muito a dizer. Pressionada pelo 7 a 1 vexatório que sofreu diante da Alemanha, a seleção escalou Neymar. Naquela que provavelmente foi a melhor entrevista de sua carreira, o camisa 10 fez fora o que se espera dele em campo.

Neymar ficou pouco mais de meia hora na sala de entrevistas da Granja Comary, acompanhado de perto pelo pai e o assessor de imprensa Eduardo Musa. O atacante demorou menos de cinco minutos para mostrar a que veio. "Foi uma coisa inacreditável, inexplicável. Eu não consigo explicar. Foi um apagão de toda a nossa equipe que acabou tomando gols e ficou difícil de reverter. Não existe se: 'Se eu tivesse em campo'", disse o camisa 10 sobre a derrota da última terça.

Já era muito para Neymar. O atacante tem uma relação delicada com a imprensa desde os 18 anos, quando xingou um treinador em campo. Jovem e impetuoso, ele foi tolhido aos poucos pelo chamado mídia training, que supostamente ensina os jogadores a se portarem diante da imprensa. Na prática, as aulas de entrevista servem mesmo é para que fuja de polêmica, ainda que o preço disso sejam respostas pálidas, que pouco dizem sobre quem as profere.

Neymar, que sempre foi a encarnação do mídia training, saiu do personagem.  Quando perguntado sobre o impacto da derrota à qual só pode assistir, mudou a resposta do singular para o plural e assumiu responsabilidades de um jeito que nem seu técnico conseguiu.

"Falhamos, deixamos a desejar. Sabemos que não fizemos uma campanha boa, demonstrando o nosso melhor futebol. Mostramos um futebol regular, por isso chegamos na semifinal, mas não mostramos um futebol de seleção, que encanta a todos", disse ele.

Neymar não foi apenas sincero e crítico, mas manteve um domínio total da situação. Atento a cada pergunta, o atacante encontrou o tom certo para a resposta e nunca foi econômico. Pelo contrário. Quando o assunto em questão passou a ser a lesão que interrompeu sua Copa do Mundo, o camisa 10 gastou emoção.

"Foi uma das piores semanas que eu tive na minha vida. Se eu fosse imaginar uma semana ruim eu não imaginaria essa", disse ele, cortado da seleção por uma lesão na vértebra, causada por um choque na partida contra a Colômbia, nas quartas de final.

"Foi lance que eu não concordo e não aceito", disse ele, que aproveitou a chance para rebater, com mais propriedade do que nunca, uma das críticas mais constantes da sua carreira. "Muitos de vocês falam que sou cai-cai. Não ligo. Quando eu tenho a visão periférica eu consigo me defender, mas de costas não. A única coisa que pode me defender de costas é a regra", emendou.

Neymar desfilou seu perdão a Zuñiga e não segurou a emoção ao falar da gravidade do choque que passou. "Podia estar de cadeira de rodas", disse o atacante, indo à lágrimas para, em seguida, pedir desculpas aos repórteres.

A fragilidade deu lugar à sobriedade quando o assunto exigiu. Sob pressão e diante dos olhos de milhares de pessoas, um dos desafios de um bom entrevistado é ter controle total das palavras, para que o conteúdo transmitido seja exatamente aquele que se pretende. Quando um repórter perguntou especificamente sobre a continuidade de Felipão, o atacante conseguiu, na mesma tacada, alfinetar a imprensa e não se meter na discussão sobre o treinador, que sequer foi citado por ele.

"Nós brasileiros, principalmente a imprensa, temos uma mania um pouco errada de achar que quando se perde tem de mudar. No futebol não é assim. Não estou falando que não tem de mudar nada, mas é essa mania que nós temos. Tem de corrigir trabalhando, treinando. Isso é mais importante do que pensar em mudar alguma coisa", disse Neymar.

As declarações são como ouro para jornalistas ávidos por histórias e manchetes de um time que não tem mais objetivo até o fim da competição. E Neymar contrariou o discurso comum em praticamente todas as suas respostas. Ao abrir a boca, não deu quase nenhum passe para o lado, mas só dribles e chutes precisos.

Qual é o simbolismo do maior jogador do Brasil declarar torcida para a Argentina, ainda que ela esteja endereçada especificamente aos companheiros de clube Messi e Mascherano. E se o futebol no país vai mal, como se diz após a goleada diante da Alemanha, Neymar também dá o seu recado.

"Vocês não sabem, mas meu pai me ensinou muito. Muito mais que vários treinadores que eu tive. Eu comentei com ele, lembra quando eu fazia os movimentos de fundamentos de driblar o cone? Na base a gente acaba aprendendo de forma errada. Que corrijam. Eu não sou treinador, sou só um atleta que tive felicidade de ter uma pessoa na minha vida que me ensinou bastante", disse Neymar.

O pai também voltou à tona quando um repórter lembrou que Wagner Ribeiro, seu empresário, xingou Felipão em uma rede social. "Existem dois caras que respondem pelo que eu falo. Eu e meu pai. O que não sai da nossa boca, sai da boca do Wagner, ele que tem de explicar. Tenho um carinho muito grande por ele, mas com essa atitude dele eu não concordo. Se eu vir eu vou xingá-lo sim, mas ele que responde pelos atos dele", disse Neymar, totalmente fora de qualquer zona de segurança.

Até na hora de agradecer ao carinho o craque foi diferente. Em sua pergunta sobre o carinho que as crianças têm por Neymar, um repórter citou o próprio filho. Oportunista como em seus melhores momentos em campo, o atacante aproveitou a deixa.

"Qual é o nome do seu filho? E qual o seu mesmo? David, filho do Sandro, um abraço para você. Queria agradecer o carinho de todas as crianças. Filhos de famosos e não famosos. Isso me deu força. O carinho do seu filho, do filho de todo mundo, que continuam me dando força", disse Neymar.

Ainda que não consiga ganhar a Copa com isso, Neymar foi decisivo. Na hora em que precisou, saiu do casulo do mídia training, empertigou a voz e falou como gente grande. Convenceu um público treinado e ávido por sangue. Saiu aplaudido. E se as palmas jogam contra os manuais do jornalismo, servem também para exaltar o maior vencedor da entrevista.  

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