Não é só em campo que a Alemanha é brasileira e o Brasil virou alemão
Guilherme Palenzuela
Do UOL, em São Paulo
A Alemanha é o time de passes longos, jogo aéreo, de marcação e cintura dura, chutes potentes de fora da área. Não, não é. Esqueça todo o estereótipo do futebol alemão. Está tudo errado. A Alemanha de 2014 é mais brasileira que o Brasil. E é diante dessa inversão histórica da cultura do futebol que o time de Luiz Felipe Scolari se apresentará na próxima terça-feira, no Mineirão, pela semifinal da Copa do Mundo.
Mario Götze, Thomas Müller, Mesut Özil, Lukas Podolski, Tony Kroos, André Schürrle. À exceção de Neymar – que não joga –, a seleção alemã é muito mais talentosa que o Brasil com a bola nos pés. E o Brasil está muito mais próximo ao estereótipo do futebol alemão: passes mais longos, menos dribles, mais marcação, mais violência. O que não significa que o Brasil seja pior. Dentro do estereótipo, a Alemanha chegou a 12 semifinais de Copa do Mundo e levantou três vezes a taça.
A Alemanha é a seleção que mais trocou e completou passes nessa Copa. Vence todas nos dois quesitos. O Brasil é só a 4ª equipe no ranking de número total de passes, e com índice de acerto muito menor: 73% de eficiência, contra 82% dos alemães. A primeira estatística do time do técnico Joachim Löw já desmonta a escola dos passes longos.
A mudança no perfil alemão não se deve apenas ao técnico. Esta geração é totalmente diferente das anteriores. Jogadores como Götze, Özil, Schürrle e Draxler lembram muito mais os futebolistas sul-americanos do que europeus. Marko Reus, talvez o mais talentoso dessa geração e que fez a melhor temporada em 2013-14, pelo Borussia Dortmund, se machucou e foi cortado às vésperas da Copa. Mas mesmo com os que estão no elenco, a Alemanha é mais Brasil. O time de Joachim Löw é aquele que mais fez jogadas individuais, de dentro para fora da área, em toda a Copa: 25 vezes, contra apenas 15 do Brasil – quatro de Neymar.
E há várias outras características do time mais técnico da Alemanha. Chuta menos de fora da área que o Brasil: 18 contra 24 finalizações longas. E mais de dentro da área: 34 contra 30. Ou seja, chega mais perto para chutar. Porque toca mais, dribla mais e consegue mais jogadas individuais. E até a marcação alemã, hoje, é mais branda. Em números, é essa a maior diferença entre as equipes. São 10 cartões amarelos do Brasil, contra quatro da Alemanha. Em faltas cometidas, 96 pelos brasileiros e apenas 57 pelos alemães. Quase o dobro dos que ficaram famosos pelo jogo duro e por vezes excessivamente agressivo.
A Alemanha brasileira também extrapola as linhas do gramado. O Brasil não é o time mais distante da torcida nesta Copa do Mundo, mas passa muito longe da inesperada e curiosa interação dos jogadores alemães com o povo brasileiro durante o torneio. Bastian Schweinsteiger e Manuel Neuer chamaram atenção pela primeira vez ao aparecerem em um vídeo vestindo camisas do Bahia cantando o hino do clube e gritando "Baêa". Quem viu a cena pensou que alguns brasileiros encontraram a dupla alemã nas ruas, entregou as camisas e ensinou o hino. Mas foi o inverso. O zagueiro brasileiro Dante os ensinou a música no Bayern de Munique, e os jogadores que pediram a gravação do vídeo.
Depois, ainda houve caminhadas nas praias com o povo, dança com os índios e mais fotos. Schweinsteiger encontrou um garoto na Bahia que tinha seu sobrenome tatuado nas costas. Quis registrar o momento. Também apareceu vestido com as camisas de Grêmio e Flamengo, ao lado de Lukas Podolski. O atacante do Arsenal tirou diversas fotos incomuns, ao lado de policiais militares e até da Chanceler alemã, Angela Merkel. E em todos os momentos os jogadores alemães disseram estar torcendo pela seleção brasileira. Schweinsteiger e Podolski – mais uma vez os dois – foram filmados assistindo à disputa de pênaltis entre Brasil e Chile em um quiosque na praia, em meio ao povo, sentados, festejando a vitória do time da casa. Talvez porque a Alemanha, brasileira, tenha se inspirado um pouco do Brasil de antigamente, o do estereótipo.
Assim como o futebol extremamente técnico dos alemães foge à regra nesta geração, o perfil de personalidade também se diferencia completamente. A seleção alemã por décadas se marcou pela frieza, pela impessoalidade. Figuras extremamente racionais e distantes da emoção. Tudo contrário à seleção atual, passional como a brasileira, sem lágrimas.