Na Copa, cidade de Lampião torce no xaxódromo e sonha com a Lampions League

Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em Serra Talhada (PE)

Que Fan Fest que nada. Em Serra Talhada, sertão pernambucano, a população se reúne no xaxódromo para torcer pela seleção brasileira na Copa do Mundo. A cidade natal de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1897-1938), também se orgulha de ser a terra do xaxado, sapateado que os cangaceiros dançaram e popularizaram com os rifles em punho.

Lampião é agora até mascote de time. O Serra Talhada Futebol Clube, fundado em 2011, adotou o cangaceiro como símbolo e tem até uma torcida organizada em sua homenagem. É o Comando do Lampião. No estádio local, o Pereirão, esses torcedores gritam a cada jogo o refrão "Eu sou do Serra de Coração/A torcida mais vibrante do temido Lampião".

Caçula entre as equipes da cidade, o Serra Talhada F.C. está na primeira divisão do Campeonato Pernambucano e tem em seu distintivo uma bola com um chapéu de cangaceiro. 

Já a equipe do Serrano, fundado em 1995, amarga a segunda divisão estadual após tempos de glória entre 2004 e 2009 e um fechamento por dois anos por questões políticas. O Serrano chegou a disputar em 2005 a série C  do Campeonato Brasileiro e  conta com seus torcedores uniformizados Lampiões da Fiel.

"Lampião nunca jogou futebol, mas todos os clubes da cidade reivindicam a coragem e a garra dele para seus jogadores", analisa Anildomá de Souza, secretário municipal de Cultura, pesquisador do cangaço e responsável pelo xaxódromo.

Enquanto acompanham a seleção brasileira em cada jogo da Copa do Mundo no xaxódromo local, os fanáticos por futebol de Serra Talhada sonham um dia que seus times cheguem à Lampions League, como foi batizada jocosamente a Copa do Nordeste, torneio regional de maior sucesso na atualidade no Brasil, reunindo equipes de sete Estados da região (Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, os mesmos Estados em que o bando de Lampião atuou nas décadas de 1920 e 1930).

Por ter a primeira fase com grupos e depois mata-mata até a decisão, a Copa do Nordeste foi apelidada com uma referência a Champions League (a Liga dos Campeões), o estrelado torneio de clubes europeus. "Chegar ao Nordestão é um sonho para a torcida local, mas é muito difícil de se alcançar", afirma, de forma realista, o locutor de rádio Carlos Bahia. 

O Serra Talhada teria de superar os três grandes times de Pernambuco (Sport, Náutico e Santa Cruz) para conseguir uma vaga no torneio regional do ano seguinte. Hoje em dia, o time cangaceiro luta é não cair para a segunda divisão e encontrar o conterrâneo Serrano por lá.

Se falta nível técnico, o que sobra é valentia e histórias de macheza dentro e fora de campo. Conta-se que após um jogo cheio de safanão e bate-boca no estádio Pereirão, o time do Surubim, também do sertão, jurou vingança para a partida de volta. Para evitar alguma agressão ou emboscada, os 22 jogadores do Serrano viajaram para a cidade vizinha com revólveres na cintura, a maioria calibre 38. Até que não foi difícil arranjar tanto armamento já que três jogadores trabalhavam na delegacia local. E eles voltaram sem um arranhão para a cidade.

Na década de 1990, o zagueiro central do Serrano era Boi, primo-neto de Lampião. "Esse negócio de briga eu trago de berço. Aqui ninguém ganha no grito, porque o time só tem cabra macho. Quando um briga, a briga é com todos", disse Boi à época ao jornalista Mário Magalhães, então repórter da Folha de São Paulo e hoje blogueiro do UOL.  Boi foi assassinado anos depois em um entrevero típico da região.

O cotidiano de violência da região mistura as rixas agrárias, as desavenças familiares e o crime organizado, afinal, Serra Talhada está dentro do chamado Polígono da Maconha, municípios do sertão pernambucano que produzem a droga para o mercado nacional.

Outro tipo de violência da região foi chamada, de forma polêmica, como "novo cangaço". São as ações de grupos altamente armados em pequenas cidades. Eles, em geral, chegam às localidades rendendo os poucos policiais presentes e depois explodindo caixas eletrônicos e roubando comércios. Na última terça (1/7), enquanto todos seguiam os jogos da Argentina e da Bélgica pelas oitavas de final, a cidade de Inajá, a 120 quilômetros de Serra Talhada, era alvo de 20 "cangaceiros modernos", que assaltaram dois bancos e mataram um policial.

"Chamar isso de cangaço é um erro. O bando de Lampião tinha uma dimensão social e cultural. Não eram simples bandidos. Eles lutavam contra os latifundiários e o governo", critica Anildomá, reivindicando uma imagem heroica do cangaceiro.

Para uns, Lampião foi uma mescla de Che Guevara com Robin Hood, um guerrilheiro que roubava dos coronéis para dar aos flagelados. Para outros, Lampião foi um bandido sanguinário, que atacava cidades e fazendas. Por muito tempo dividida, Serra Talhada adotou ultimamente sua figura como símbolo local, com direito a museu do cangaço e xaxódromo para celebrá-lo.

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