Calor e umidade colaboram para alta média de gols, dizem cientistas
Do UOL, em São Paulo
Se alta temperatura e umidade são dois adversários a mais para quem entra em campo na Copa do Mundo do Brasil, elas, por outro lado, podem estar sendo grandes amigas do espetáculo. A alta média de gols vista nos estádios do Brasil (2,8 por partida) tem relação com o extremo cansaço que os atletas têm sofrido debaixo do sol escaldante, como o que castigou o Castelão no último Holanda x México, disputado às 13h.
Pelo menos essa é uma hipótese que vem sendo bastante explorada pelos analistas estrangeiros para explicar, primeiro, o grande número de gols e, segundo, o pífio desempenho de algumas seleções europeias sob o clima tropical.
A ideia é que o calor e a umidade desgastam mais rapidamente o corpo dos atletas, os levam a cometer mais erros e prejudicam os sistemas de marcação. Com mais espaços em campo, fica mais provável que saiam gols.
"O calor e a umidade diminuem de glicogênio, a energia guardada nos músculos, o que causa perda de concentração e da habilidade de os defensores ficarem no lugar certo na hora certa", afirmou o médico fisiologista Michael Davison ao jornal britânico Telegraph, no fim de semana.
O fisiologista brasileiro Turíbio Leite, um dos primeiros a aplicar os conhecimentos dessa ciência no futebol, pondera que o "efeito clima" não pode ser considerado o único fator a influenciar a alta média de gols, mas concorda que ele faz a sua parte.
"Existem vários estudos no futebol que mostram que você tem uma incidência maior de gols no terço final [15 minutos] de cada tempo, e a explicação seria o desgaste maior", afirma Turíbio. "O gol sempre sai de um grande erro, de um grande acerto ou de uma combinação dos dois. A influência do erro [sobre a taxa de gols] é sempre levada em conta no futebol."
Debaixo do sol quente, a temperatura do corpo se eleva a até 39 graus e você precisa de muito mais energia para mantê-lo funcionando. Sob alta umidade, você sua mais, e a desidratação pode causar de câimbras à diminuição da capacidade cognitiva.
Alan Ruddock, professor de fisiologia do exercício da Universidade Sheffield Hallam, do Reino Unido, escreveu um artigo antes da Copa começar tentando antever como os jogadores se comportariam no clima das regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Baseado em estatísticas, concluiu que em jogos mais quentes, os atletas correm menos e raramente atingem a velocidade que eles conseguiriam em uma situação normal. É claro que isso afeta todos em campo, mas em tese os defensores sofrem mais com o cansaço na medida em que são menos frequentemente substituídos.
"Seria interessante entender se a maioria das substituições no torneio foi de atacantes mais do que de defensores", sugere Michael Davison. "Se foram, os defensores estão claramente mais cansados no fim das partidas e sujeitos a mais erros contra atacantes descansados."
Um número que talvez reforce essa hipótese: o Mundial do Brasil já bateu o recorde de gols feitos por jogadores que saíram do banco, ou seja, menos cansados. Foram 25 até aqui, dois a mais do que o número alcançado em toda a Copa de 2006.
Tempo técnico
Holanda x México, no domingo, teve a primeira parada obrigatória para a reidratação. Chegou a fazer 39 graus no gramado do Castelão. Turíbio Leite e o sindicato de jogadores de futebol se engajaram em uma queda de braço com a Fifa para tentar vetar os jogos da Copa disputados às 13h. Não conseguiram.
"Grande parte dos jogos têm acontecido em condições climáticas bem adversas, isso é inegável. E não afeta apenas os jogadores, como também os árbitros", afirma ele, sugerindo que essa pode ser uma explicação para alguns dos erros de julgamento que têm ocorrido.
É claro que a influência do calor e da umidade sobre a alta média de gols desta Copa, bem maior do que a da África do Sul, disputada no inverno, é apenas um dos fatores a se levar em consideração.
Outros pontos, técnicos, táticos e de brilhos individuais, devem ser levados em conta. Mas o "efeito clima" não deve ser ignorado.
"Certamente isso tem contribuído", afirmou o técnico da Austrália Ange Postecoglou. "Tem contribuído para uma competição mais aberta, porque os jogos ficam mais francos em climas quentes. Essa é a explicação para você estar vendo tantas partidas tão abertas."