De olho no cofre

Fifa diz que não pediu R$ 1,1 bi em isenções para Copa, governo se esquiva

Aiuri Rebello

Do UOL, em Brasília*

A Fifa publicou em sua página na internet uma carta aberta em inglês com o título "Setting the record straight" -- expressão similar ao "colocando os pingos nos 'i's" brasileiro -- onde rebate críticas relacionadas à organização e exigências da entidade para a Copa no Brasil, e diz que nunca obrigou o governo federal a conceder uma "isenção fiscal geral para patrocinadores e organizadores" nos moldes do que foi feito no país. Questionado pelo UOL Esporte, o Ministério do Esporte evitou polemizar, disse que não é bem assim mas ficou em cima do muro.

De acordo com o documento que não foi refutado frontalmente pelo Ministério, a isenção fiscal concedida a patrocinadores e parceiros da Fifa na realização do Mundial -- assim como às construtoras dos 12 estádios da Copa e a ampla extensão do benefício, por exemplo -- teria sido uma liberalidade do governo brasileiro. De acordo com número inédito do TCU (Tribunal de Contas da União), o total das renúncias na arrecadação de impostos que caberiam à Fifa, suas parceiras, empreiteiras e afins na realização da Copa chega a R$ 1,1 bilhão no período de 2010 a 2014 -- apenas em impostos federais.

Em 2007, antes do Brasil ser escolhido como sede da Copa de 2014, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou -- em conjunto com seus ministros -- um documento com 11 garantias governamentais para a realização da Copa no Brasil. As garantias números três e quatro tratam das isenções fiscais. Na garantia número três, em resumo, o governo se compromete basicamente com as isenções fiscais referentes ao que a Fifa afirma no documento publicado na terça-feira (10), para importação de equipamentos para a Copa. Na garantia número quatro, de título "Isenção Fiscal Geral", está o resto dos benefícios que foram concedidos pelo governo.

Ali, o governo federal diz: "nenhum imposto, taxas ou outras contribuições serão impostas à Fifa, aos subsidiários da Fifa, às delegações da Fifa, às equipes, aos oficiais de jogos, às confederações da Fifa, às associações de membros, às associações de membros participativos, à emissora anfitriã e aos membros não-residentes, à equipe e aos funcionários de todas estas partes. Eles deverão ser tratados como pessoas/entidades isentos de impostos".

A isenção inclui também a venda de ingressos e os direitos mundiais de transmissão de TV -- posteriormente incluiu-se no pacote materiais para a construção dos estádios também -- e foi feita também com impostos e taxas estaduais e municipais. É isso que a Fifa diz que o governo deu por que quis. O Ministério do Esporte evita polemizar e bater de frente com a entidade, mas deixa nas entrelinhas que não foi ideia do governo federal redigir as garantias da maneira que o documento foi assinado.

"Realizar um evento esportivo internacional é um processo desafiante e complicado para a Fifa e o país-sede, e pode acender críticas e um debate nacional", diz a Fifa na apresentação da carta aberta, publicada na terça-feira (10). "Parte destas críticas são justas, e a Fifa sempre procura ouvir e aprender como fazer as coisas melhor. Mas parte deste criticismo é injusto e e até mesmo baseado e uma interpretação errada dos fatos", afirma a entidade máxima do futebol mundial.

Na seqüência, a Fifa apresenta nove afirmações genéricas que considera que são feitas sobre a Copa no Brasil (sem especificar onde ou por quem) e apresenta argumentos para refutá-las. A quinta afirmação é "a Fifa exige uma isenção fiscal para seus patrocinadores, o que significa que o país-sede não ganha nenhum dinheiro". Para derrubar este argumento a entidade começa dizendo que a "Fifa não faz nenhuma exigência para uma isenção fiscal geral para fornecedores e patrocinadores, ou para qualquer atividade comercial no país-sede".

"Ao contrário, a Fifa apenas requer uma facilitação dos procedimentos de alfândega para alguns materiais que precisam ser importados para a organização da Copa do Mundo e que não estão à venda no país-sede, importação de placas de publicidade eletrônicas, bolas de futebol, e que serão ou levados embora do país após a Copa ou doados a instituições ligadas ao esporte no Brasil. Todos esses pedidos são compatíveis com o escopo daqueles pedidos pelos organizadores de outros eventos esportivos ou culturais", diz a Fifa.

A entidade diz que dos cerca de US$ 2 bilhões que gasta na organização da Copa, metade é gasto no Brasil, adquirindo serviços e produtos nacionais, e que estudos do governo brasileiro indicam que a Copa irá movimentar cerca de US$ 27 bilhões na economia.

Isenção total na Copa

De acordo com a Lei Geral da Copa, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2012, a Fifa, suas empresas parceiras e todas as patrocinadoras da Copa, nacionais e estrangeiras, possuem isenção fiscal total em todas as atividades relacionadas ao Mundial. Uma lei de 2010 já garantia o benefício.

Segundo o último balanço sobre os preparativos para a Copa divulgado pelo próprio governo federal, em setembro de 2013, o total de renúncias fiscais ligadas à Copa chega a R$ 648 milhões, quase metade do valor total nas contas do TCU. Apenas em isenção fiscal para a compra de materiais de construção para os 12 estádios do Mundial, o programa chamado Recopa, foram R$ 520 milhões até setembro do ano passado.

Em "desoneração de tributos" no geral, deixou-se de arrecadar outros R$ 104,1 milhões até setembro de 2013, de acordo com o governo. O total de R$ 1,1 bilhão em renúncias apontado pelo TCU não inclui as isenções fiscais das cidades-sede e dos governos estaduais, apenas as do governo federal. Assim, na realidade o valor que deixa de ser recolhido na realidade é maior.

O governo federal sempre afirmou que a isenção fiscal para a Fifa, patrocinadores e parceiros era uma condição para a realização da Copa no Brasil. Questionada sobre as afirmações da entidade sobre o assunto, a assessoria de imprensa do Ministério do Esporte primeiro questiona a tradução feita pelo UOL Esporte do teor do texto. "Na verdade, a correta tradução do texto publicado pela Fifa revela que a entidade não requereu isenções de forma genérica", desconversa a resposta enviada a reportagem.

Depois, diz que apesar das isenções a Copa irá gerar cerca de R$ 18 bilhões em impostos para os municípios, estados e federação, de acordo com estudo encomendado pelo governo a uma consultoria terceirizada, para então dizer que o Brasil tinha a obrigação de conceder isenções, mas não fala de quais nem sua extensão.

'Compromissos são assumidos por todos'

"Ao se candidatar como país-sede de uma Copa do Mundo, o interessado assume uma série de compromissos perante a Fifa, que abrangem, entre outros, segurança, vistos de entrada de estrangeiros [turistas e trabalho], telecomunicações, centros de mídia, hinos e bandeiras, além de benefícios tributários, tais como isenções e reduções de alíquotas. Esses compromissos são assumidos por todos e variam, em número e extensão, conforme o sistema jurídico vigente em cada um deles. Tanto na Alemanha quanto na África do Sul, houve a assunção do compromisso de conferir benefícios tributários à Fifa", diz o Ministério do Esporte, no entanto sem explicar o porquê de ter concedido mais do que a entidade diz ter exigido.

O governo federal ainda lembra que a isenção não vale para qualquer atividade da Fifa e das empresas da Copa no Brasil. "Por exemplo, a compra de um imóvel em território nacional, seja pela FIFA ou qualquer outro parceiro comercial, consultores etc, pagará os mesmos tributos que qualquer pessoa deverá pagar ao realizar a transação. Da mesma maneira, a aquisição de outros bens ou a realização de transações comerciais, monetárias não relacionadas com a Copa, também serão tributadas normalmente, sem o direito às isenções".

Na carta aberta publicada em seu site, a Fifa rebate ainda que os contribuintes brasileiros pagaram por todo o evento e a Fifa não gastou nada, que o dinheiro investido em estádios foi retirado da Saúde e da Educação (parafraseando o discurso oficial do governo federal), que as entradas são caras demais e que a entidade só quer saber de lucro e não liga para mais nada.

A Fifa reafirma que não mandou construir estádio nenhum, apenas mostrou as condições mínimas que exigia em uma arena da Copa, e que o Mundial podia ser feito em oito sedes. A opção de fazer em 12 foi do governo brasileiro. A entidade também afirma que recebeu por escrito do governo uma garantia que ninguém seria despejado para construir estádios, e que proíbe o comércio ambulante e nos entornos das arenas para assegurar o lucro dos patrocinadores. A Fifa também refuta que não ajude o país-sede da Copa a lidar com seus problemas sociais, econômicos e ecológicos.

* (Colaborou Vinícius Konchinski, do UOL no Rio de Janeiro).

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