Seleção da redenção: como os jogadores mudaram para tentar o hexa em casa

Gustavo Franceschini e Paulo Passos

Do UOL, em Teresópolis

Nunca é fácil chegar a um grupo de 23 afortunados que podem brigar por uma Copa do Mundo, mas para o elenco formado por Luiz Felipe Scolari o processo foi ainda mais difícil que o normal. Por problemas diferentes, que vão desde o exagero na vida extra-campo até o comportamento dentro dele, ao menos cinco jogadores da seleção atual tiveram de se "regenerar". Recuperados, focados e livres do passado polêmico, eles ajudam a compor o Brasil heterogêneo que vai buscar o hexa em casa. 

A redenção pessoal faz parte das histórias de Júlio César, Marcelo, Fred, Maicon e Jô, três titulares e dois reservas de primeira hora de Felipão.

Veja, a seguir, a história de cada um deles:

Ex-solteirão dos caipisaquês

Wander Roberto/VIPCOMM
Fred exagerou nas noitadas quando mudou-se para o Rio e perdeu a Copa de 2010
Fred surgiu para o futebol em 2004, no Cruzeiro, e saiu da Copa do Mundo de 2006 como um dos candidatos a substituto de Ronaldo. Exilado na França ou enturmado no Rio de Janeiro, o atacante sempre viveu intensamente fora dos gramados.

Em 2011, chegou a ser perseguido por uma torcida organizada do Fluminense pelos excessos na vida noturna. Tornou-se folclórica a noitada dele com Rafael Moura, em que ele bebeu 28 caipisaquês em bar no Rio de Janeiro. O histórico de "pegador" e as investidas como ator só ajudaram a conturbar a carreira de Fred, que culpa as distrações pela sua ausência na Copa do Mundo da África do Sul, há quatro anos.

"Mudei a minha postura inteira. Vim da França para o Rio solteiro e acabei me descuidando na vida pessoal, o que reflete no profissional. Hoje tenho 30 anos e tenho que aproveitar ao máximo o futebol. Hoje é a coisa mais importante da minha vida. Se treino de manhã, não vou ao restaurante japonês à noite. Já começo a descansar às 22h", disse Fred, no início de maio.

O esforço foi recompensado. De 2013 para cá, o atacante ficou às voltas com lesões, viu seu time quase ser rebaixado no Campeonato Brasileiro e passou a ser questionado na seleção brasileira. Felipão, ciente do esforço que ele fazia para recuperar-se a tempo, chegou a antecipar a convocação do jogador, hoje titular absoluto do time.

Ex-menino prodígio

Flávio Florido/UOL
Jô vacilou nos tempos de Inter, foi afastado duas vezes e se reencontrou no Atlético
Jô também passou por um processo parecido. Em 2011, o atacante voltou ao Brasil para jogar no Inter, mas tropeçou em exageros na vida noturna, que lhe renderam dois afastamentos por indisciplina. Era um roteiro triste para o atacante que um dia despontou como a galinha dos ovos de ouro do Corinthians, que apostava alto no jogador no meio da década passada.

Sua redenção veio ao lado de Ronaldinho Gaúcho e Diego Tardelli, dois jogadores que também sofreram do mesmo mal, mas juntos ergueram o Atlético-MG. O trio, ao lado de Victor e Bernard, foi fundamental na conquista da Libertadores do ano passado.

"Quando eu cheguei no Atlético-MG eu tive um respaldo muito grande. Eu estava em um momento difícil, não vinha bem, não tive sucesso e eles foram uma família para mim. O jogador, quando se sente abraçado, se sente tranquilo e feliz para fazer um bom futebol. E tem também a família, os amigos próximos, que estiveram sempre me incentivando, sempre me dando uma dura e puxando minha orelha", disse ele na última segunda, admitindo que errou.

O prêmio pela guinada na carreira veio de forma inesperada. Em 2013, quando Leandro Damião se machucou já com a seleção reunida para a Copa das Confederações, Felipão decidiu apostar em Jô. O atleticano fez sua parte, virou uma opção para o segundo tempo e marcou duas vezes na campanha do título, garantindo sua vaga no grupo de 2014.

Ex-baladeiro

Flavio Florido/UOL
Maicon é discreto, mas revelou que exagerou na noite quando voltou para a seleção
Maicon sempre foi muito mais discreto que seus companheiros "regenerados" de seleção, mas também fez das suas. Titular absoluto da lateral direita de 2006 a 2010, ele mudou o perfil de trabalhador cumpridor que o acompanhou na era Dunga após a derrota dolorida na África do Sul.

Assim como Júlio César e Lúcio, Maicon sofreu com a derrocada da Inter de Milão que havia conquistado a Liga dos Campeões em 2010. Dois anos depois da glória, o lateral deixou o clube pela porta dos fundos para tentar a sorte no Manchester City. Por trás da troca de países estavam os problemas extra-campo.

Foi o próprio Maicon quem revelou a situação quando voltou a ser convocado por Luiz Felipe Scolari para a seleção brasileira. "Tenho um objetivo que é mais importante do que uma saída na noite. Então, com certeza, vou ficar mais em casa e focar no meu objetivo", disse o lateral no ano passado, em entrevista para a Rede Globo.

Quando entrou na mira de Felipão, Maicon já tinha se "regenerado". Na Roma, reencontrou o bom futebol, voltou a ter uma sequência e ganhou a vaga no grupo que disputará a Copa do Mundo.

Ex-marrento

Flávio Florido/UOL
Em 2014, J. César baixou a guarda e mostrou humildade ao falar da própria condição
Júlio César nunca teve problemas com baladas, mas não teve um ciclo dos mais tranquilos desde 2010, quando foi protagonista da derrota por 2 a 1 para a Holanda. Um dos pilares da era Dunga, o goleiro entrou em um espiral de decadência em clubes.

De melhor goleiro do mundo ele passou a titular de um clube pequeno na Inglaterra. Posteriormente, a equipe viria a cair para segunda divisão e, não bastasse isso, Júlio César foi para o banco. Hoje, ele joga no Toronto FC, da liga norte-americana. Por tudo isso, mudou bastante a postura em relação a 2010.

"Autoconfiança atrapalha. Experiência própria. Eu cheguei muito confiante em 2010 pela Inter, pela mídia e, às vezes, isso atrapalha. Hoje chego bem melhor e focado. Hoje estou me sentindo 100% para jogar a Copa", disse Júlio, primeiro jogador a falar com a imprensa na preparação para a Copa.

Há quatro anos, na África do Sul, também foi ele quem inaugurou o contato com a imprensa. Na época, porém, o destaque da sua entrevista foi a crítica que fez à Jabulani, bola da Copa, tratada por ele como "bola de supermercado".

Ex-garoto problema

Flavio Florido/UOL
Marcelo tem apenas 26 anos de idade, mas teve problemas com dois treinadores
Dos cinco "regenerados", Marcelo é o único que não fez um pronunciamento público sobre o assunto. O lateral esquerdo, no entanto, acumula problemas com dois treinadores diferentes na seleção com apenas 26 anos de idade.

Com Dunga, a rusga foi em 2008, após os Jogos Olímpicos. A derrota traumática para a Argentina abalou a confiança do treinador em Marcelo. Cuidadoso com a postura de seus comandados em campo, o técnico se irritou com o excesso de brincadeiras do lateral que, a partir dali, ficou fora do time.

A renovação com Mano parecia ser a grande chance do jogador, que àquela altura se firmava no Real Madrid. Só que o treinador, em março de 2011, entendeu que o lateral estava fingindo ter uma lesão para não se apresentar na seleção. O problema tornou-se público e Marcelo negou, mas mesmo assim perdeu a Copa América daquele ano.

Quando voltou, fez questão de ressaltar seu amor pela seleção. "Sempre tive vontade de estar na seleção. Nas vezes que estive aqui sempre dei o melhor de mim. Tenho muita vontade de ajudar a seleção e de acabar com essa coisa de que eu não quero estar aqui", disse Marcelo, que dali em diante não saiu mais da equipe e é uma das armas de Felipão. 



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