RJ descumpre lei e estuda em segredo obras para o Maracanã
Vinicius Konchinski*
Do UOL, no Rio de Janeiro
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Júlio César Guimarães/UOL
Maracanã deve passar por obras em seu entorno. O projeto é mantido em sigilo pelo governo
O governo do Rio de Janeiro criou um sigilo ilegal para dados sobre obras que serão feitas no entorno do Maracanã. Desrespeitando a Lei de Acesso à Informação, o Estado não respondeu ao pedido do UOL para consulta ao projeto básico das intervenções que devem ser realizadas ao redor da arena da final da Copa do Mundo pela concessionária Maracanã S/A. O projeto foi apresentado pela empresa em março deste ano. Ele está sendo avaliado pela Casa Civil.
O UOL solicitou acesso ao documento e seus anexos em requerimento apresentado ao governo no dia 19 de março. De acordo com a Lei de Acesso à Informação, sancionada em 2011 pela presidente Dilma Rousseff, o Estado tinha até 30 dias divulgar o que lhe foi solicitado ou então justificar oficialmente os motivos para o não atendimento do pedido. Nada disso foi feito.
Um dia antes do final do prazo para respostas, um funcionário da Casa Civil do Estado chegou a informar via e-mail que o que havia sido solicitado estaria à disposição para consulta. Dias depois, entretanto, o mesmo funcionário retificou a informação e afirmou que o projeto básico das obras no entorno do Maracanã não seria mais disponibilizado porque estava "sendo alterado".
As obras ao redor do estádio são uma obrigação da Maracanã S/A. No contrato que a empresa firmou com o governo, ela se comprometeu a investir R$ 594 milhões na área do estádio. Como isso será feito, entretanto, ainda é uma incógnita.
Pelo contrato, a empresa deve construir estacionamentos, lojas, um museu, além de reformar o Estádio de Atletismo Célio de Barros e o Parque Aquático Julio Delamare. Nenhuma informação sobre a data do início das obras, os prazos para execução ou mesmo o local exato onde serão levantados o museu ou as lojas foi divulgada por governo ou Maracanã S/A.
"Transparência é um princípio básico da administração pública. Se a empresa já apresentou um projeto para obras no Maracanã para o governo, ele não pode negar as informações do documento ao cidadão", disse o presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), Adib Kassouf Sad. "Isso é ilegal."
Segundo Sad, só em casos de ameaça à segurança, estratégia militar ou em outras raras exceções, está previsto sigilo de documentos ligados à administração pública. Ele ratificou, porém, que essas justificativas não se aplicam ao Maracanã.
Joara Marchezini, oficial de projetos da Artigo 19, organização voltada à liberdade de informação, confirmou os argumentos de Sad. Enumerou ainda outras falhas do governo no que diz respeito à Lei de Acesso à Informação.
"O documento entregue pela concessionária já deveria estar em um site do governo. O ideal é que não fosse nem necessário solicitar", disse ela. "Além disso, o governo é obrigado a dar uma resposta oficial a cada pedido de informação não atendido. Se o governo nem respondeu à solicitação, já descumpriu a lei."
No final do mês de abril, depois de o governo desrespeitar a Lei de Acesso à Informação, o UOL Esporte entrou em contato com a assessoria de imprensa do gabinete do governador Luiz Fernando Pezão para pedir respostas sobre o fato. O órgão não se pronunciou.
Nesta quinta-feira, o próprio governador Pezão falou sobre as obras no entorno do Maracanã em visita ao estádio. Ele disse que o projeto para as construções será apresentado até "terça ou quarta-feira".
A Maracanã S/A também foi questionada sobre seu projeto para o entorno do estádio. Confirmou que já o entregou para o Estado, mas não se pronunciou sobre o sigilo que o governo mantém sobre a proposta para as obras.
Questão judicial
A falta de transparência do governo quanto à privatização da administração do Maracanã já virou até tema de processo judicial. Mesmo antes de a Maracanã S/A assumir o controle do estádio, o MP-RJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro) questionou na Justiça a falta de divulgação documentos que basearam a concessão do estádio.
Em abril do ano passado, a concorrência que definiu a empresa que administraria a arena chegou a ser suspensa porque a Justiça entendeu que uma das empresas sócias da Maracanã S/A, a IMX, do empresário Eike Batista, tinha acesso a dados privilegiados sobre a concessão. Em maio, a Justiça também impediu que o contrato de concessão fosse assinado porque a Maracanã S/A teria sido beneficiada.
As decisões judiciais contra a concessãodo Maracanã eram provisórias e foram revertidas a pedido do governo do Rio. O processo que discute a concessão do estádio segue em tramitação na Justiça do Rio de Janeiro.
*Atualizada às 15h