Cachorros abandonados viram mascotes dos operários do Itaquerão
Felipe Pereira
Do UOL, em São Paulo
Torcedor é um sujeito fanático e na construção do Itaquerão muitos deles consideraram o lugar "sagrado": teve gente tentando jogar as cinzas do pai no espaço que seria o gramado, homens querendo enterrar o cordão umbilical do filho no campo e pessoas enchendo sacos plásticos de terra e pedras do local do estádio. Mas a presença deles num canteiro de obras com centenas de máquinas pesadas é perigosa e, por isso, proibida. Muitas destas tentativas foram frustradas graças aos latidos de Coringa, uma vira-lata que virou segurança e mascote da obra.
A cadela vive no terreno onde será o Itaquerão desde antes do estádio começar a ser erguido, lembra Carlos Nogueira, inspetor de segurança da obra. Com a chegada dos operários e a imensa transformação que o lugar passou, ela sumiu por um tempo. Mas quando o funcionário iniciou no emprego, em 11 de maio de 2011, o animal havia abandonado a vida de cachorro de rua errante e estava de volta. Por causa da magreza, alguns operários a apelidaram de Costelinha, mas o nome logo caiu no esquecimento.
A vira-lata ganhou o coração de Carlos porque acompanhava o inspetor de segurança nas rondas feitas pelo canteiro de obras. Passou a ser tratada como bicho de estimação. "Esta cachorra é a mascote da gente". Logo Costelinha também conquistou um dos principais funcionários da Odebrecht, empreiteira que constrói o Itaquerão. A partir daí passou a ser cercada de mordomias.
Ganhou ração premium, visitas periódicas de uma veterinária, uma coleira e uma cama, que foi colocada dentro do contêiner onde Carlos fica. Com o tratamento VIP, logo aumentou o peso e o nome parou de fazer sentido. Ela foi rebatizada de Coringa.
O inspetor de segurança diz que o diretor da Odebrecht negociou a construção de um espaço para a cadelinha permanecer no Itaquerão depois que o estádio estiver pronto. "A gente vai sair e tava combinado de eu levar ela (sic) para casa. Mas conversaram e ela vai ter o canto dela aqui", revela.
Claro que Carlos vai sentir falta de dividir o tempo com a cachorrinha, como nos banhos que a vira-lata ganhava aos domingos de verão para aliviar o calor. Em seguida, ele emenda com tom de reprovação e como se não tivesse culpa alguma: "Essa cachorra é mimada pra caramba".
Sorriso banguela
Se Coringa é a rainha do pedaço, Sorriso pode ser considerado o rei. Carlos explica que ele foi batizado assim porque falta um canino. A permanência dele é bem mais recente, chegou há meio ano. Como encontrou comida e proteção, foi ficando. O cachorro já tinha seus protetores, mas deixou de ser apenas mais um quando foi atacado por um pit bull há cerca de um mês.
"Largaram o pit bull aqui e ele começou a bater em todos os cachorros. Daí ele pegou o Sorriso e fez uma ferida grave na barriga dele", lamenta Carlos. Os operários acharam que ele ia morrer porque o machucado próximo às pernas traseiras estava exposto e inflamado. Foi a hora de Eduardo de Paula entrar em cena.
Ele é enfermeiro contratado para a obra e tem muito apego a animais. Vendo Sorriso ferido, perguntou para o médico o que poderia fazer. Comprou anti-inflamatórios indicados e aplicou por via oral e injeção. Gastou R$ 100, mas nem liga. "Vai sarar", fala com um sorriso no rosto.
Mas as providências do enfermeiro deixaram o cachorro com um pé atrás em relação a ele. Carlos menciona que a primeira reação de Sorriso é medo de tomar mais uma injeção. Vendo as mãos vazias se entrega as brincadeiras e cafunés de Eduardo.
Estádio cercado
Coringa e Sorriso são a dupla de escolhidos do Itaquerão, mas o que não falta no entorno do estádio são cachorros. Afastado e com pouco movimento de carros, o local serve para muita gente abandonar animais de estimação. Perto da entrada de operários há tigelas com ração e potes de água. Também é possível ver quentinhas de isopor na boca de cachorros.
Carlos declara que a maioria dos abandonados são vira-latas, mas já teve poodle, dog alemão, fila, pit bull e labrador. No começo a Prefeitura recolhia os animais, agora não aparece, e a solução é tentar doações. O casal de filas, que pelo tamanho tinham mais facilidade que os demais para virar lixeiras e roubar o restante das quentinhas, foi para uma loja de autopeças da Zona Leste.
Coringa tem lugar garantido, Sorriso deve terminar bem. O que será dos outros, não se sabe.