Nilton Santos levou malandragem às Copas e previu tragédia do Maracanazo

Do UOL, em São Paulo

Nilton Santos, ex-jogador do Brasil e Botafogo
Nilton Santos, ex-jogador do Brasil e Botafogo

Quem vê o currículo de Nilton Santos, morto na última quarta-feira aos 88 anos, vítima de uma infecção pulmonar, se impressiona de cara. Quase 13 anos de serviços à seleção, com quatro Copas disputadas e, como titular, duas delas ganhas. Mas, na verdade, o ídolo do Botafogo deixou a vida para virar lenda graças a um conjunto da obra que transcende taças e medalhas.

Não foi à toa que o melhor lateral esquerdo da história do futebol brasileiro mereceu a alcunha de "Enciclopédia do Futebol", apelido que tentava traduzir um jogador que parecia à frente de seu tempo.

Nilton desabrochou para o futebol como atacante nas peladas na Ilha do Governador, no Rio. Mas, logo chegando ao Botafogo acabou recuado para a linha de defesa. Nascia ali, no fim dos anos 40, uma das grandes histórias individuais do esporte brasileiro.

O lateral bicampeão mundial é provavelmente o maior "bom malandro" do futebol nacional, com uma coleção de casos que resvala no folclórico. Nilton Santos também ficou para a posteridade como ator fundamental na história de vida do gênio Garrincha, parceiro em campo e amigo inseparável fora dele. Por fim, quem o viu jogar destaca o caráter revolucionário que ofereceu à posição de lateral. Antes do craque do Botafogo, eles apenas defendiam. Depois dele, se rebelaram com a aventura em direção ao ataque.
 

Veja fotos de ídolos do passado
Veja fotos de ídolos do passado

Em homenagem a Nilton Santos, o UOL Esporte reuniu abaixo cinco histórias marcantes do campeão mundial de 1958 e 1962. Confira:

1950 - PROFECIA DURANTE O MARACANAZO

  • Novato em seleção, Nilton Santos esquentou o banco durante a Copa de 50, na reserva do truculento Bigode – aquele que tomou um vareio de bola do uruguaio Alcides Ghiggia na partida decisiva. Isso mesmo com o lobby de Zizinho, o craque do time.

    Em vida, Nilton sempre reclamou que o técnico Flavio Costa não gostava de seu estilo.

    "Ele era mandão à beça e eu nunca gostei dele. Primeiro ele implicou com a minha chuteira, que era macia. Ele achava que jogador de defesa tinha que jogar com chuteira de bico duro. Então eu fiz uma brincadeira, falei que eu não precisava dar chutão na bola porque não tinha raiva dela. Ele ficou bravo e não me colocou no time. Sabia com certeza absoluta que não ia jogar nunca", disse o lateral em entrevista ao UOL em 2002.

    Na célebre final com o Uruguai, Nilton Santos abandonou o gramado do Maracanã em direção aos vestiários no momento do empate dos adversários. A igualdade parcial de 1 a 1 ainda dava o título ao Brasil, mas o botafoguense depois revelou que pressentiu naquele instante que a impensável tragédia viria a acontecer. Sozinho, não viu o gol histórico de Ghiggia.

1953 - O PRIMEIRO TREINO DE MANÉ

  • Existem mil e uma lendas a respeito do famoso primeiro treino de Garrincha no Botafogo. Se todo mundo que disse estar em General Severiano naquela tarde falasse a verdade, o acanhado estádio do clube precisaria ser do tamanho do Maracanã.

    Mas a verdade é que o menino de pernas tortas realmente ridicularizou o melhor lateral esquerdo daquela época. Garrincha pôde treinar graças aos insistentes pedidos do jogador Arati com o técnico Gentil Cardoso.

    A lenda diz que Mané, no time reserva, colocou uma bola entre as pernas de Nilton Santos logo no primeiro embate. A versão mais aceita, no entanto, ignora o drible, mas relata que de fato Garrincha fez o célebre lateral comer poeira o treino todo.

    "Gentil, contrata esse garoto logo porque nunca mais quero jogar contra ele", teria dito Nilton ao treinador botafoguense. Nos anos seguintes, o lateral viraria o melhor amigo do mito da ponta direita.

1954 - ACABANDO COM A GREVE DE FOME DE DIDI

  • Didi era quase sempre o cara que mandava nos times em que jogou, com exceção do Real Madrid, onde foi boicotado por Di Stéfano e companhia. Palavras e atitudes do talentoso meia eram lei. No entanto, fora dos campos que dava as cartas era a geniosa esposa Guiomar.

    Durante os treinos na Suíça para a Copa de 1954, Guiomar foi proibida de visitar a concentração da seleção e provocou um fuzuê. O craque Didi decidiu então entrar em greve de fome.

    Coube a Nilton Santos demover o meia: "você está aqui para treinar e jogar, consequentemente queimar carvão. Se você não se alimentar, não vai aguentar. Apoio você, não conto a ninguém, mas vou começar a roubar comida no restaurante e trazer para você".

    Assim, com a ajuda de um casaco grande, Nilton abastecia os bolsos para garantir as refeições de Didi.

1958 - GOL EM COPA SAIU APÓS INDISCIPLINA

  • Até a Copa da Suécia, o lateral que ousasse ir além de suas funções de marcação era considerado quase um subversivo. Mas Nilton Santos foi chamado de louco pelo técnico Vicente Feola quando disparou para o ataque logo na partida de estreia contra a Áustria.

    Eram quatro minutos do segundo tempo, e o Brasil já vencia por 1 a 0. Nilton recuperou uma bola na defesa e avançou, acompanhado pelo olhar desesperado de Feola. O treinador gritou para seu lateral voltar, mas o botafoguense recebeu de Mazola e seguiu em disparada até tocar na saída do goleiro.

    Na volta para a defesa, território de onde não poderia sair, Nilton Santos ouviu um elogio comedido de Feola. O legado dos laterais brasileiros começava a mudar a partir dali.

1962 - MALANDRAGEM HISTÓRICA CONTRA A ESPANHA

  • Um ato de malandragem de Nilton Santos mudou a história da seleção na Copa do Chile. No último jogo da fase de grupos em Viña del Mar, entre Brasil e Espanha, quem perdesse voltaria para casa. Já no segundo tempo os espanhóis venciam por 1 a 0 e tiveram um pênalti legítimo ignorado pela arbitragem.

    Enrique Collar foi derrubado por Nilton Santos dentro da área. No entanto, antes de a arbitragem assinalar a infração, o brasileiro ergue os braços e dá dois passos adiante, sutilmente, conseguindo transformar o pênalti em uma falta fora dos limites da área.

    O resto é história. Substituto de Pelé, lesionado, Amarildo fez dois gols e virou o placar para o Brasil. Depois de bater a Espanha, o time de Aymoré Moreira seguiu avançando até conquistar o bicampeonato em cima da Tchecoeslováquia.

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