Discurso de Dilma faz líderes anti-Copa cogitarem pausa em protestos

Gustavo Franceschini

Do UOL, em Salvador

A entrada de um discurso conservador, o crescimento do vandalismo e, principalmente, o aceno da presidente Dilma Rousseff devem diminuir a pressão sobre a Copa das Confederações. Neste sábado, a Comitê Popular da Copa de Salvador pode decidir pausar os protestos contra a competição, decisão que deve ser acompanhada pelas outras cidades-sede nos próximos dias.

"A gente ainda está tentando ver se vale a pena. Como Comitê, vamos avaliar se vale a pena puxar o protesto, porque talvez não seja o momento", disse Argemiro Almeida, um dos coordenadores do Comitê Popular de Salvador e membro da Articulação Nacional dos Comitês, que destacou a fala da presidente Dilma na última quinta. "Ela nos chamou para conversar, que era o que a gente mais queria", completou.

A princípio, Salvador seria palco de mais uma grande manifestação antes de uma partida da seleção brasileira contra a Itália, neste sábado, como aconteceu em Brasília e em Fortaleza. O ato da capital baiana, no entanto, pode não ter o apoio do Comitê Popular, fará uma reunião decisiva sobre o assunto neste sábado, por volta das 10h.

A manifestação pode acontecer mesmo sem a presença do Comitê, mas a eventual ausência tende a enfraquecer o ato. Em Brasília e Fortaleza, assim como em outras cidades que viveram dias de protestos contra a Copa das Confederações, os Comitês Populares estiveram sempre envolvidas nos chamados, o que pode mudar depois do pronunciamento da presidente.

Em um discurso veiculado em rede nacional, Dilma manifestou apoio às mobilizações que tomaram conta do país, mas condenou duramente os atos de violência que acompanharam alguns dos protestos. Além disso, disse estar aberta a receber líderes de movimentos sociais que queiram discutir pautas sobre diversos temas.

A fala da presidente coloca os manifestantes em xeque. Se o Governo Federal está disposto a conversar, manter-se na rua em conflitos constantes com a polícia não seria um ato tão justificável. Além disso, a pausa serviria para manter afastados dos movimentos os manifestantes mais conservadores, figuras cada vez mais presentes especialmente nos atos relacionados à questão do transporte público.

Em São Paulo, por exemplo, o MPL (Movimento Passe Livre), que encampou o início dos protestos, já anunciou sua retirada das ruas, justamente por entender que setores conservadores estariam se apropriando do movimento. Pausar os protestos contra a Copa das Confederações não significa, no entanto, que os Comitês abandonaram a discussão sobre os grandes eventos.

"Entendemos que a Copa do Mundo é um negócio imposto pela Fifa - conjuntamente com os grandes conglomerados empresariais e compactuado pelo Estado Brasileiro - que viola os direitos humanos. Direitos sociais conquistados com muito esforço no Brasil estão sendo suprimidos para a realização desse negócio", diz o manifesto assinado pela articulação nacional dos comitês populares.

Um ato específico está marcado. No dia 30, data da final da Copa das Confederações, o grupo deve concentrar seus esforços em uma manifestação que promete ser gigante no Rio de Janeiro. Além disso, todas as outras cidades-sede também reverberariam a questão.

"Por que a final é importante para nós? Porque ela é o fim da primeira etapa, que é a Copa das Confederações, e é importante ter essa visibilidade", disse Argemiro Almeida. 

Protestos na Copa das Confederações
Protestos na Copa das Confederações

LEIA O MANIFESTO COMPLETO COM A REIVINDICAÇÃO DA FRENTE POPULAR

  • O Brasil vive um novo momento com as mobilizações populares nas ruas. Desde semana passada, a Jornada de Lutas – Copa pra Quem? se soma ao Movimento Passe Livre e as manifestações pela redução da tarifa do transporte público, na luta por direitos para o povo e contra o modelo de repressão e exclusão social que hoje vigora em nosso país.

  • Em todos os jogos da Copa das Confederações até o momento, presenciamos a brutal repressão dos Governos em nome dos interesses da FIFA e de seus patrocinadores. Reafirmamos que todos os atos que promovemos foram pacíficos e que não impediam o acesso dos torcedores aos estádios.

  • Lutando pela liberdade de expressão e pela manifestação assistimos a ação das forças de repressão ao movimento. O que resultou em muitos feridos e em prisões arbitrárias. Defendemos que a criminalização dos atos e das lideranças só evidenciam o caráter ditatorial do Estado capitalista no Brasil.

  • Entendemos que a Copa do Mundo é um negócio imposto pela FIFA - conjuntamente com os grandes conglomerados empresariais e compactuado pelo Estado Brasileiro - que viola os direitos humanos. Direitos sociais conquistados com muito esforço no Brasil estão sendo suprimidos para a realização desse negócio. Entendemos que a ação política é um direito fundamental que nos constitui como cidadãos responsáveis pela construção do mundo humano, onde todos, para serem livres precisam ter assegurado seus direitos, especialmente o da falar e o do ser ouvido.

  • As mobilizações populares já conseguiram reduzir tarifas em várias cidades do país. Para nós, somente a luta popular poderá construir um novo modelo de inclusão e participação social, um novo modelo de cidade que resgata o direito de quem vive nela: o povo.

  • Em união e respeito às lutas que se seguem, convocamos todos(as) e em todas as cidades do Brasil a se unirem, no dia 30 de junho, a partir das 14 horas, em uma grande mobilização no encerramento da Copa das Confederações para juntos na rua reivindicarmos: Copa pra Quem? Vamos reforçar a luta iniciada em 2010 pelos Comitês Populares que organizados nas 12 cidades sede dos jogos no país, vem apoiando os movimentos sociais e as comunidades na sua luta por direitos ameaçados pelos megaeventos.

  • Já fizemos reuniões com os governos, elaboramos relatórios sobre as violações aos direitos humanos e com apoio de diversas organizações, conseguimos denunciar as violações mundo afora. Em especial, a própria ONU já interveio questionando e exigindo a paralisação das remoções e a construção de política de moradia digna no país, dado que o Minha Casa Minha Vida e seus derivados atendem primeiro aos interesses da especulação imobiliária. 

  • A Jornada de Lutas – Copa pra Quem? tem por objetivo fazer as denúncias de violações de direitos abaixo listadas e exigir respostas urgentes do poder público. Hoje são 250 mil pessoas ameaçadas ou que já foram removidas de suas casas por causa de alguma obra relacionada com a Copa (2014) ou com as Olimpíadas (2016).

  • Por isso, entendemos que as remoções devem ser consideradas como última alternativa, mas caso sejam realizadas, cada casa removida deve primeiramente ser compensada com outra em igual ou melhor condição na mesma região. Exigimos a paralisação de todas as obras até a resolução do problema das remoções. Nas edições anteriores desses jogos mundiais, houve um aumento da exploração sexual de crianças e mulheres.

  • Lutamos para a proteção das crianças, adolescentes e mulheres, alvos constantes das máfias da exploração sexual. Exigimos urgência na elaboração de medidas efetivas e que atendam as prerrogativas do ECA e dos direitos das mulheres, com a criação de um Plano Nacional de Proteção à Exploração Sexual nos Megaeventos.

  • Além disso, exigimos que não sejam decretadas férias escolares durante os eventos, para garantir que as crianças tenham seu direito à educação garantidos. Nos últimos dois anos presenciamos a destruição de estádios para a construção bilionária de arenas de caráter elitista no "padrão FIFA". Desde o início denunciamos que não era necessário, para se jogar futebol, a realização de quase nenhuma destas obras.

  • Exigimos a reversão da fraudulenta e criminosa privatização do complexo Maracanã e a paralisação do processo de privatização dos outros estádios.

  • Exigimos que os estádios construídos não sejam privatizados e que possam ser utilizados para a promoção da prática esportiva e cultural da população de cada cidade. 

  • Exigimos uma auditoria com participação popular em todas as contas da Copa e das Olimpíadas, desde a construção dos Estádios até a compra de ingressos para autoridades políticas, tendo em vista o uso do dinheiro público para estas obras.

  • Exigimos que o direito ao trabalho seja respeitado. Não existe justificativa, fora o interesse do lucro de grandes monopólios mundiais, para a proibição do trabalho dos ambulantes, dos artistas e dos camelôs durante os jogos. Repudiamos a exigência de fechamentos de locais de trabalho ou da venda de produtos exclusivos dos patrocinados.

  • Exigimos que a criatividade cultural e artística brasileira seja valorizada e promovida. Queremos que a renda da Copa venha para os brasileiros e que nossos produtos locais sejam oferecidos aos turistas.

  • Exigimos que o mascote e todos os nossos símbolos que estão sendo usados para divulgar a Copa do Mundo não sejam propriedade da FIFA. Devem ser patrimônio público e, portanto, de livre uso por parte do povo.

  • Exigimos que os governantes parem de expulsar a população em situação de rua das regiões próximas aos estádios e dos centros das cidades.

  • Defendemos que ainda é possível realizar uma Copa do Mundo diferente. Uma Copa que olhe primeiro para os direitos do povo brasileiro e somente depois para as exigências da FIFA. Uma Copa que promova a inclusão social e fortaleça o direito a cidade, ao invés de uma Copa que induza a exclusão e a privatização dos espaços públicos. Não queremos que a Copa seja regulada por leis de exceção que favorecem a repressão.

  • As recentes conquistas das ruas e a solidariedade recebida dos jogadores da Seleção Brasileira e diversos outros artistas e esportistas mostram que somos muitos. Por isto lutamos, por isto vamos a rua. Por isto convidamos todos e todas para o dia 30 de junho. Venha para a rua e questione com a gente: Copa para Quem?

  • Ancop - Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa

 

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