Carreira de Leoz na Conmebol é marcada por acusações e bizarrices

Do UOL, em São Paulo

  • EFE/Andrés Cristaldo

    Nicolas Leoz, presidente da Conmebol, entrega homenagem para o ex-jogador argentino José Pekerman (centro)

    Nicolas Leoz, presidente da Conmebol, entrega homenagem para o ex-jogador argentino José Pekerman (centro)

Raro era o convidado que chegasse à sala da presidência da Conmebol (Confederação sul-americana de futebol) que não seria recebido por uma série de presentes do então comandante da casa Nicolás Leóz. Estavam no pacote um livro com a biografia do cartola, outro sobre a história da Libertadores e os chaveirinhos do Libertad, time de coração dele.

Tudo vinha das mãos do senhor com cabelos pintados acaju que dominou a confederação por 27 anos antes de anunciar sua saída da Fifa e provável retirada da Conmebol nesta terça-feira. Essas mãos já tremiam há mais de dez anos e mostravam os efeitos da idade sobre ele. Sua fala era pausada e as respostas raramente ultrapassavam uma frase.

Era simpático. Mas não gostava de falar de política esportiva. Só se estendia quando podia discorrer sobre futebol, um atacante antigo que admirava, um zagueiro que o trazia boas recordações. Às acusações de desvio de dinheiro, rebatia com desprezo de quem se sabia impune no Paraguai.

Foi assim quando negou ter pedido um título de cavaleiro britânico em troca de voto em favor da Inglaterra para ser sede da Copa-2018. A acusação foi feita por Lord Triesman, ex-chefe da candidatura inglesa para o Mundial. De acordo com a versão do político britânico, outros cartolas pediram dinheiro, e Leóz queria a honraria.

A reivindicação foi feita em uma cabine na sala da Conmebol em que o cartola paraguaio mostrou aos ingleses todas as homenagens que já recebera pelo mundo, entre nomeações de rua e títulos. Há uma disputa entre dirigentes da Fifa pelo acúmulo desse tipo de nomeação.

Mas Leóz aceitou também presentes e dinheiro. Pelo menos é que mostram documentos e relatos surgidos durante a sua carreira. Foi acusado de receber 1,5 milhões de francos suíços (R$ 3 milhões) da ISL, empresa de marketing ex-parceira da Fifa cuja diretoria admitiu ter pago suborno a cartolas da entidade máxima do futebol.

O paraguaio negou. Também rechaçou ter ganho dinheiro por votar no Qatar para ser sede da Copa 2022, como apontou a France Football.

Fato é que o próprio Leóz contou ter sido filho de pais fazendeiros de "poucos meios" do Chaco do Paraguai. Como jogador, não passou de um lateral-direito reserva do Atlantida, time da segunda divisão do Paraguai. Fora a cartolagem, suas profissões foram jornalista esportivo, professor, historiador.

Quando foi dirigente da federação paraguaia, também acumulava um programa no rádio, justamente sobre futebol. Ou seja, podia falar sobre sua própria gestão à frente do futebol do país.

Suas profissões modestas fora do futebol não o impediram de acumular uma fortuna no Paraguai. Tem uma residência em bairro rico de Assunção e outra conhecida fazenda nos arredores de Assunção. São conhecidas as festas nesta fazenda onde são recebidos cartolas internacionais. Alguns dos países que tentaram ser sede da Copa foram recebidos nesta fazendas. Relógios caros e outros itens eram presenteados aos dirigentes sul-americanos pelos candidatos nesta viagem, segundo relatos de presentes.

Esses bens ele usufrui quando não estava em viagens pelo mundo da vida, o que chegava a consumir 250 dias por ano, no auge de sua carreira de cartola. Detalhe: a Fifa paga regiamente por diários de seus altos executivos.

A Conmebol também ficou rica na gestão de Leóz. Foi erguido um prédio, um hotel suntuoso próximo ao aeroporto e um centro de convenções, ambos de propriedade da confederações. Ali, são recebidos os convidados mais convencionais da confederação, como cartolas de clubes.

A cada um Leóz costumava dedicar um aperto de mãos e elogios protocolares. Os mesmos elogios que a revista da entidade reservada aos cartolas e principalmente ao próprio comandante da entidade, considerado um revolucionário por seus pares. Para isso, o paraguaio costuma tomar para si parte dos louros por títulos de seleções sul-americanas na Copa, assim como supostos avanços da Libertadores, que está a léguas de distância da sua paralela Liga dos Campeões.

Com todos os dirigentes de federações como aliados, obteve um inédito cargo de presidente vitalício na Conmebol, em maio do ano passado. Na época, admitiu que o feito fora certado em um contrato pouco antes: todas as federações referendaram.

Já era um período em que seu estado físico estava enfraquecido. Nas reuniões da Fifa, na Suíça, andava apoiado por auxiliares. Como não falava inglês, seu círculo de contatos fora dos encontros oficiais era restrito aos sul-americanos e assistentes. Continuava a cumprimentar, com mãos trêmulas, e repetir: "Como está o senhor?"

A sua figura que fica será a de um senhor com mais de oitenta anos e seu cabelo acaju atrás da imponente taça da Libertadores que adornava a sua sala da presidência. Abaixo da sala, fica um legado de opulência para os cartolas e de desorganização em campo.

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