"Pode até faltar uma coisa ou outra, mas a Copa vai funcionar", afirma CEO do Comitê Organizador

Paulo Passos e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

  • Júlio César Guimarães/UOL

    Ricardo Trade está à frente do COL desde 2010. Ex-atleta, trabalhou na candidatura do Rio 2016

    Ricardo Trade está à frente do COL desde 2010. Ex-atleta, trabalhou na candidatura do Rio 2016

Acumulando os cargos de diretor de operações e CEO do COL (Comitê Organizador Local) da Copa do Mundo de 2014, Ricardo Trade se define como uma pessoa positiva e otimista. Responsável pela operação do Mundial, o primeiro a ser disputado no Brasil em 64 anos, ele acredita no sucesso da empreitada, mesmo que sem o brilho desejado.

"Vai estar pronto? Vai. Esquece isso, os estádios irão estar prontos. Vai faltar uma pintura na calçada, pode até faltar. Pode até faltar uma coisa ou outra, mas vai funcionar", afirmou o executivo em entrevista ao UOL Esporte.

Trade comenta os momentos mais tensos à frente do COL, os desafios para a Copa das Confederações e as mudanças no órgão após a saída de Ricardo Teixeira, há cerca de um ano.

UOL Esporte: Faltam 500 dias para o início da Copa do Mundo. Como está a preparação? Há um percentual de quanto falta para tudo ficar pronto?
Ricardo Trade: Eu não falo em percentual. Baseado em prontidão de estádios, estamos muito bem. Dois estádios prontos e outros nesse caminho. Em estrutura também. Nós hoje começamos a migrar para as cidades. Agora em 1º de fevereiro teremos escritórios nas sedes. Nosso foco agora é a Copa das Confederações. Eu costumo dizer que começou a chegar um cheiro de competição. Vai estar pronto? Vai. Esquece isso, o estádio vai estar pronto. Vai faltar uma pintura na calçada, pode até faltar. Pode até faltar uma coisa ou outra, mas vai funcionar.

UOL Esporte: Tem alguma coisa que preocupa? Aeroportos, por exemplo, é o maior problema para quando a Copa estiver acontecendo?
Ricardo Trade: Essa questão de aeroportos...basta você viajar para ver. Isso é um problema do país. Para a Copa do Mundo, nós vamos fazer [funcionar].  Se tiver que colocar algo para receber as seleções, vamos colocar. Temos grupos de trabalho com o Governo Federal para estudar isso. Vamos estudar situações para mitigar isso. Vamos ter de colocar 300 cadeiras a mais num dia? Talvez. Para a Copa do Mundo, vamos ter que fazer uma coisa ou outra. E aí resolvemos.



UOL Esporte: E energia?
Ricardo Trade:
 O Governo Federal tem sentado conosco para discutir isso. Na minha ótica não temos preocupação. Estou vendo o empenho do governo e acredito nisso. E tem outra: nós vamos trabalhar com back-ups (sistemas de segurança para possíveis queda de energia).

UOL Esporte: Como vocês estão trabalhando com a falta de leitos para pessoas que virão para a Copa em algumas sedes?
Ricardo Trade:
Simples. Vai ter bate e volta. Foi assim na África do Sul. Eu fui para Port Elizabeth e voltei para Joanesburgo no mesmo dia. Porque não tinha acomodação para mim. E tinha muita gente assim. No Brasil, primeiro tem que ver quanto vai ter que conseguir alocar e ter uma operação no aeroporto para ter mais voos no dia do jogo. Isso nós estamos trabalhando com o governo, para colocar uma malha aérea maior no momento. Agora tem que ter uma estrutura bem feita. As cidades estão cientes disso.


Quando o Ricardo Teixeira saiu, deixou bem claro para a gente: não me tragam nenhuma situação. Eu não ligo para ele para perguntar nada.

UOL Esporte: E as obras que não ficarão prontas a tempo, como o monotrilho de Manaus, por exemplo. Isso preocupa?
Ricardo Trade:
Eu vejo de outra maneira. O monotrilho vai sair em outubro (depois da Copa). No legado, ele vai ficar. O jogo é um dia, nós conseguimos resolver sem o monotrilho. Se tem um dia de operação e quatro dias de descanso, você para tal rua e fecha a rua, coordena tudo. Nós somos bons em operação. Se 60% vão ficar pronto até a Copa e 40% depois, o importante é que os 40% fiquem. E tem outra coisa: o nosso sistema de construção não é fácil. Tem controle de licitações, que é bom para o país, mas não é fácil. Estamos fazendo algo remando, trombando, porque tem interesse, gente reclamando, entrando na Justiça. Mas eu digo: vai sair! 

UOL Esporte: Qual o prazo para deixar os estádios da Copa das Confederações prontos?
Ricardo Trade: 
Prazos para estádios da Copa das Confederações estarem prontos é 15 de abril, mas se falarem em 21 ou 24 nós não vamos torcer o nariz. Belo Horizonte, por exemplo, inaugurou dentro do prazo, levou a Dilma Rousseff lá, mas não teve jogo. Fortaleza também, porque a grama naquele momento não permitia ter jogo.

UOL Esporte: Mas o COL admite obras após 15 de abril?
Ricardo Trade:
Sim. A regra exigida pela Fifa é a realização de um jogo até 15 de abril. Estamos mudando um pouco a data de Brasília pelo adversário. O Rio pediu a mudança para o dia 24. Não tem segredo. É em abril que vai ficar pronto. Esquece, vai entregar. Agora, entregar a chave para mim [Fifa e COL] só dia 24 de maio.

UOL Esporte: E para a Copa do Mundo, a entrega dos estádios preocupa?
Ricardo Trade: Olha, tem obra e tem obra. Maracanã e Brasília são obras gigantes. As outras são simples se comparadas com essas. As de Porto Alegre, Natal e Recife não preocupam mais. Não estamos vendo nenhum risco até agora. Pode ser que em quatro meses a gente vá ver outra coisa. Mas tem muito tempo.

UOL Esporte: Do projeto inicial da candidatura à situação atual houve aumento no valor gasto com estádios. Era R$ 2 bilhões e hoje está em R$ 7 bilhões. Por que isso aconteceu?
Ricardo Trade:
Quando você faz um estádio, o mercado reage de uma forma agressiva. Tem coisa que orçamos em 2011 e hoje está muito mais caro. Agora tem mudanças que não foram nossas. A decisão de fazer estádio para 70 mil em Brasília não foi nossa. Foi do governo. O requisito é um mínimo de 40 mil, com cobertura na área de convidados. Se fizeram cobertura, mais conforto, a visibilidade dentro do torneio e até a função dele depois crescem. Brasília tem um plano para aqueles 70 mil. Não era exigência nossa. Agora, quando a sede colocou isso, essa capacidade, se credenciou para [receber] jogos melhores, para a abertura da Copa das Confederações. São Paulo e Salvador colocaram estruturas temporárias e terão aumento de custo. Mas isso não é nosso, e sim uma conta de quem faz o estádio.

UOL Esporte: Como você vê a ameaça de alguns estádios da Copa se transformarem em elefantes brancos? Sedes como Brasília, Cuiabá e Manaus, que não têm tradição no futebol, estão construindo grandes arenas. Como será depois da Copa?
Ricardo Trade:
Não é nossa função. Nossa função é operar a Copa do Mundo, mas como brasileiro e homem de esporte eu penso nisso. Podemos, sim, influenciar as cidades para terem um gestor privado para os estádios. Tentamos estimular as cidades para isso. Minas Gerais já tem, São Paulo vai ter o Corinthians. Salvador e Recife já têm. Maracanã vai sair agora. Além disso, Porto Alegre e Atlético-PR são privados. Já são sete. A gente quer que isso seja bem feito. Brasília está estudando propostas. Esse é um novo mundo no Brasil. É isso que eles têm que fazer, gerenciar estádios que em alguns lugares não vão viver do futebol. Mas não posso me meter nisso. Tenho que operar a Copa do Mundo.


UOL Esporte: Durante o início da preparação do Brasil para a Copa, quais foram os momentos mais difíceis?
Ricardo Trade
: A saída do Ricardo Teixeira, principalmente para mim e para a Joana [Havelange], gerou uma incerteza. Havia uma incerteza até da nossa posição. Mas o José Maria Marin veio aqui e manteve tudo. Outra barreira que a gente venceu foi a situação do Beira-Rio, aquela situação de vai confirmar, não vai confirmar [como estádio de Porto Alegre para o Mundial]. No final bateu com o que estava combinado. Outra foi a confirmação das seis cidades [sede da Copa das Confederações], com Recife. Foi outra coisa que a gente venceu. É uma decisão do país, do governo federal e do COL. Para mostrar que a gente precisava de seis cidades prontas, que é a metade da Copa. E também são cidades importantes politicamente. Hoje Recife é menos preocupação do que Brasília e Rio de Janeiro.

UOL Esporte: Marin e Teixeira são muito diferentes?
Ricardo Trade:
Às vezes as pessoas até falam que o Marin é muito diferente do Ricardo Teixeira. Não é não. Os dois são muito preocupados com as pessoas, perguntam se a família está bem.

UOL Esporte: Você citou a saída do ex-presidente Ricardo Teixeira, que deixou o cargo em março. Mantém contato com ele?
Ricardo Trade:
Não falo com ele regularmente, só no Natal, no aniversário dele. Ele quando saiu deixou bem claro para a gente: não me tragam nenhuma situação. Não sou mais do COL, não vou mais trabalhar para o COL. Eu não ligo para ele para perguntar nada.

 


Ninguém está de sacanagem. As pessoas tem objetivo para fazer, estão fazendo numa vontade danada.


UOL Esporte: Qual a sua relação com a Joana Havelange, filha do Ricardo Teixeira?
Ricardo Trade: As pessoas falam que não nos damos muito bem, mas não é verdade. Ele é uma pessoa fantástica. Ontem mesmo a gente brincou. Ela estava fora e eu liguei e disse que ela tinha que voltar, que estavam esperando ela aqui. Ela é uma pessoa que tem esse senso de Brasil, do quanto [a Copa] é importante para o país.

UOL Esporte: Houve uma aproximação maior com o governo federal após a saída do Ricardo Teixeira?
Ricardo Trade:
Talvez a Fifa tenha se aproximado um pouco mais do Governo Federal. A gente já trabalhava próximo com eles. Com Orlando Silva, ex-ministro, eu tenho uma relação boa. O ministro Aldo Rebelo está muito próximo com a gente. Ele tem uma ligação com o futebol muito bacana. Relação é boa, transparente. Eles passaram a ver a confiança também. Tinha aquela birra antiga, mas nós nunca entramos. Essa imagem toda acabou com o Ricardo se afastando. O Marin entra com o sorriso, é mais político.  

UOL Esporte: Você esteve na execução do Pan-Americano de 2007, no Rio de Janeiro. Os problemas do evento servem como ensinamentos?
Ricardo Trade:
Talvez sim. Eu comparo que os testes são importantes. Eu tive problemas na entrega da Vila no Pan de 2007. Mas não foi um problema, porque nós brasileiros somos hábeis para a improvisação. No restaurante da Vila tivemos problema para a entrega e tivemos problema para testar. Na Copa vamos conseguir testar antes da operação. Isso é bom.

UOL Esporte: Qual a sua avaliação do Pan?
Ricardo Trade:
Eu considero uma experiência fantástica. Acho que foi experiência muito importante para a minha careira. Eu vivi um grande evento. Sentindo esse evento na minha mão.

UOL Esporte: O orçamento do Pan acabou estourando. De R$ 390 milhões foi para R$ 3,3 bilhões. Dá para evitar isso na Copa?
Ricardo Trade:
Não é nossa função isso. Existem vontades políticas. Eu era operador, eu não planejei aquilo. Agora mercado é mercado. Você orça um preço e depois tem diferença.  Eu vivo isso aqui, ninguém está de sacanagem. As pessoas têm objetivo para fazer, estão fazendo numa vontade danada..

"HOMEM DE MISSÃO" COMANDA COMITÊ ORGANIZADOR DA COPA

  • Júlio César Guimarães/UOL

    Ricardo Trade é mineiro, casado, pai de três filhos, amante do futebol, mas acima de tudo "um homem de missão". Foi assim que ele, por mais de uma vez, se descreveu durante as mais de duas horas de conversa com a equipe do UOL Esporte.

  • Trade recebeu a reportagem na sede do COL, no Riocentro, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Da sala, entre ligações urgentes e algumas pausas para compromissos inadiáveis, ele detalhou a preparação do Brasil para o maior torneio de futebol do mundo e defendeu o trabalho de sua equipe: "aqui, ninguém está de 'sacanagem'. Tenho certeza que tudo vai dar certo."

  • A certeza de Trade vem dos relatórios quinzenais sobre todas as obras para o Mundial e da experiência acumulada em anos de trabalho com eventos esportivos. Antes de assumir o comando do COL, ele foi vice-presidente da Confederação Brasileira de Handebol, diretor de Esporte da Koch Tavares, fundador da empresa MKT Sports e gerente de Operações do Pan de 2007. Trabalhou sempre com metas, e disse estar acostumado a cumpri-las.

  • Ex-atleta, Trade também foi goleiro da seleção brasileira de handebol. Anos depois, virou preparador físico e acompanhou a seleção brasileira de vôlei na Olimpíada de 1988, em Seul, na Coréia do Sul. Porém, mudou de carreira depois de um chamado de um "amigo".

  • "Um dia o Nuzman [Carlos Arthur Nuzman], quando ainda era presidente da CBV [Confederação Brasileira de Vôlei], me disse: precisamos de um gestor. Eu topei", contou.

  • Dali, não parou mais. Virou executivo, assumiu o terno e a gravata e uma diretoria do COL. Foi pessoalmente contratado por Ricardo Teixeira, então presidente do órgão.

  • Hoje, Trade conversa diariamente com representantes da Fifa e do governo brasileiro sobre o andamento da Copa do Mundo. Procura, contudo, manter seu "jeitão informal", mesmo nas reuniões de trabalho e até nas entrevistas que concede periodicamente. "Eu sou assim, pô."

  • Trade, por exemplo, não gosta de ser chamado de "senhor". Prefere Baka, ou Bacalhau, apelido que ganhou ainda criança e pelo qual é carinhosamente chamado até pelo secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, nos e-mails que ele manda ao COL.

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