Copa de 82 marcou fim do 'jogo bonito' no Brasil, diz Zico

Do UOL, em São Paulo

Um dos craques da seleção que encantou o mundo critica adoção de 'futebol de resultados' e diz que futebol-arte é 'só para quem sabe'.

A derrota do Brasil na Copa da 1982 marcou uma virada no estilo do futebol brasileiro, que passou a adotar o jogo pragmático, de resultados, em detrimento do futebol-arte que até então predominava e encantava o mundo.

A opinião é de Zico, um dos craques daquela seleção que chegou como favorita ao Mundial na Espanha, mas perdeu nas quartas-de-final para a Itália por 3 a 2.

Em entrevista ao documentário de rádio da BBC The Burden of Beauty, cuja segunda parte vai ao ar na próxima quarta-feira, o ex-camisa 10 diz que a eliminação do Brasil mudou a filosofia do futebol no Brasil.

"As pessoas ficaram com a impressão de que o time jogou bonito, que era tecnicamente muito bom, mas não ganhou", afirma.

"Então o pensamento depois disso foi de que a filosofia precisava mudar para que o Brasil voltasse a ser campeão".

Zico, no entanto, discorda da adoção do futebol de resultados que se seguiu, alegando que o esporte precisa ser bem jogado sempre, e que "só joga bonito quem sabe".

Para o Galinho, que disputou três Copas do Mundo das quais o Brasil saiu derrotado (1978, 82 e 86), a equipe lendária de 1982 deixou uma lição para as futuras gerações: a de que em Copa do Mundo basta jogar mal um dia para que o sonho do campeonato vá por água abaixo.

Defesa falha

Uma das teses para a derrota brasileira em 82 é de que o time, que precisava apenas do empate, não parou de atacar um só segundo.
Em entrevista à BBC Brasil em 1998, o jornalista Oldemário Toguinhó culpou o técnico Telê Santana.

"O grande erro foi do Telê. Tínhamos grandes jogadores e não conseguimos formar um time. O time não sabia defender, só sabia atacar", afirmou na época.

Zico rejeita esta ideia e relembra à BBC o momento do terceiro gol da Itália.

"Não acho que a defesa foi o problema, porque quando sofremos o terceiro gol, dez brasileiros estavam na área".

"Foi um escanteio que a bola sobrou, todo mundo defendendo e o gol saiu. De qualquer jeito, acho que se a gente fizesse cinco gols naquele dia, (Paolo) Rossi teria feito o sexto".

Paolo Rossi, que marcou os três gols da vitória italiana, ficaria conhecido como o "carrasco" da eliminação do Brasil.

Divisor de águas

O jornalista Juca Kfouri diz que 1982 foi um divisor de águas porque a partir de então e, principalmente na conquista do tetracampeonato em 1994, prevaleceram esquemas táticos defensivos em que o que conta mesmo é o resultado.

"Podemos dizer que acabamos importando o jeito europeu de jogar e deixamos de lado o jogo bonito", avalia.

"E a ironia disso tudo é que hoje a gente vê muito mais do jogo bonito em clubes como Barcelona e Bayern de Munique do que nos clubes brasileiros", diz.

Ainda assim, ele afirma que o jogador brasileiro é "único" devido, sobretudo, à mistura de raças que confere ao atleta nacional uma "malícia" que nenhum outro tem.

E essa "malícia" acrescenta um outro fator a um velho debate sobre o futebol.

"Há uma antiga discussão sobre o que é mais importante: o passe ou o gol? No Brasil, você introduz um terceiro elemento: o passe, o drible ou o gol?"

O antropólogo e escritor Roberto DaMatta contribui para a discussão ao filosofar sobre a relação do jogador brasileiro com a bola.
"A bola é feminina, é como uma bela mulher que ele recebe e faz um carinho antes de passar para o outro. E ela só vai para onde ele quer se ele for excepcional. E se ele é excepcional e comanda a bola, ele também pode comandar o mundo".

Voltando à moda?

O especialista da BBC sobre futebol na América do Sul, Tim Vickery, lembra a seleção de 1982 como um espetáculo de infância coletiva em que a bola rolava pelo campo como que por mágica.

E para ele, aquela geração de craques está voltando à moda.

"A influência do estilo de clubes como o Barcelona está fazendo os brasileiros repensarem seu papel de guardião do jogo bonito", acredita.
"Aquela seleção está começando a ser redescoberta, como aconteceu com a de 50", afirma.

Mas isso significa que podemos esperar um espetáculo da seleção nesta copa? Não, se depender do técnico Luiz Felipe Scolari, opina Kfouri.

"Scolari é um comandante de jogadores. É mais um líder psicológico do que um estrategista. Não quero dizer que não conheça o jogo, mas ele tem uma filosofia. E sua filosofia não é a do jogo bonito. É a filosofia pragmática que diz: "Se você quer assistir a um show, vá ao teatro. Eu estou aqui para ganhar".

Já Zico está mais otimista. Para ele, a atual seleção está reunindo todos os ingredientes necessários para uma campanha de sucesso no torneio.

"Eles estão jogando bem, bonito, e, mais importante de tudo, estão jogando de forma competitiva que é necessária para vencer uma Copa do Mundo".

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