O 'clima' de Copa está chegando, mas e os protestos?
Eu fui do Rio para Londres três semanas antes do início dos Jogos Olímpicos de 2012. Ao chegar, a cobertura do evento não poderia ser mais negativa; a arrogância do COI (Comitê Olímpico Internacional), suas faixas de trânsito especiais para os VIPs e o fato de pequenos comércios não poderem usar o logo dos anéis olímpicos; nos jornais, não havia outras coisa a não ser reclamações.
O clima começou a mudar quando a tocha olímpica fez uma viagem por vários bairros de Londres. As pessoas começaram a se sentir parte daquilo. Os londrinos começaram a sentir que a Olimpíada era deles – um sentimento que se fortaleceu ainda mais e ganhou uma dimensão nacional com a incrível e peculiar cerimônia de abertura de Danny Boyle.
Galvão Bueno pode não ter ficado perplexo com ela, mas esse não é o ponto. A cerimônia não era exatamente para ele. Ela fez com que os locais se sentissem representados, e preparou terreno para a capacidade do evento em trabalhar sua magia ao longo das duas semanas seguintes.
Quanto disso é relevante para o próximo megaevento, a Copa do Mundo de 2014? É claro que há semelhanças. Às vésperas da grande abertura, a Copa do Mundo tem sérios problemas entre os poderes públicos e a população local, nesse caso os brasileiros. Mas, por outro lado, mesmo se isso for bem escondido, há um grande entusiasmo para o torneio. Houve uma grande venda de ingressos, assim como nos
Jogos de Londres. E o tour da taça do Mundial pelas cidades brasileiras arrastou centenas de milhares de pessoas para vê-la. Elas querem estar na festa.
Também é verdade que o evento irá demonstrar sua força durante a Copa, espalhando seu pozinho mágico pelas 12 cidades-sede, de Porto Alegre a Manaus.
A atmosfera pelas próximas semanas será, com certeza, inesquecível. Cerca de 640 mil visitantes estrangeiros, da Argélia à Coreia do Sul, da Colômbia a Camarões, irão andar pelo país, todos em busca de espetáculo. Isso irá criar uma onda cosmopolita de energia positiva. Nos meses que antecederam o torneio, a mídia internacional foi atrás de histórias de impacto e problemas da organização, e por que não? Isso é parte da função deles. Os torcedores, porém, têm uma agenda diferente. Eles estão em busca de diversão, estão pagando muito por esse privilégio e querem que o evento seja o mais inesquecível possível.
Isso, claro, é uma grande força. A maior esperança das autoridades é que nas próximas semanas ela abafe os protestos e reclamações. E essa esperança poderá ser justificada nos próximos dias.
Mas há uma importante diferença entre os problemas públicos antes dos Jogos Olímpicos de Londres em relação à Copa do Mundo de 2014.
Em Londres, a principal manifestação, até bem perto da Olimpíada começar, era em relação às imposições do COI. Isso também está presente no Brasil, com o debate sobre os poderes cedidos à Fifa.
Mas está longe de ser o principal problema. De fato, depois de estudar os acontecimentos do ano passado, a Fifa chegou à conclusão de que a entidade não era o principal alvo da insatisfação das massas. A grande raiva estava direcionada ao Estado brasileiro.
O principal problema não é de imposição – ou que o evento não é necessariamente brasileiro. Pelo contrário, o principal problema é que a organização do evento tem sido excessivamente brasileira – em outras palavras, os defeitos do Estado brasileiro e as dificuldades rotineiras da população têm aparecido impiedosamente no centro das atenções globais.
Isso significa que, ao contrário de Londres 2012, a organização da Copa do Mundo continuará a ser um tema polêmico mesmo depois do circo fazer as malas e deixar a cidade. Soma-se a isso o fato de que esse é um ano eleitoral – e as recentes declarações de Ronaldo e Joana Havelange só podem ser compreendidas nesse contexto.
Não importa o quão bem-sucedido seja o evento, e quão mágica será a atmosfera entre 12 de junho e 13 de julho, duas crenças básicas provavelmente não serão abaladas: uma significante parcela da população brasileira seguirá com a opinião de que a Copa do Mundo custou demais, e deu muito pouco retorno.